29/04/24

Os ex-combatentes


Bertrand.pt - O Som do Meu Nome


 

Fala-se de reparações. O Sr. Presidente da República falou de reparações... Talvez uma forma bonita de tratar o assunto seja começar por reparar a casa de todos nós. Por dentro. 

Escrevi, em 2019, O som do meu nome - Lembranças para uma autobiografia. É deste livro, o texto que se segue.

 

“Na guerra do ultramar há um problema de memória. O fervor revolucionário fez esquecer quem lá estava e porque estava, e mais, a guerra do ultramar foi uma das causas do 25 de Abril, talvez a sua génese mais profunda e o locus onde despertou a liberdade e democracia. E como tal deixou marcas naqueles que cumpriram o seu dever. Como escreveu Fernando Assis Pacheco em “Morro do Aragão” (Catalabanza, Quilolo e Volta):

Passarão anos, nascerão filhos,

Muito antes que eu esqueça.”

 

Estive lá. Vi muito. Vivi muito. O recalcado. Mais de 25, 30 anos depois, eles, os que estiveram lá, que não fugiram, que não tiveram subterfúgios, falam. São 10 mil, 20 mil? Ou são a razão mesmo que fosse um só homem.

Também é verdade que se esta Pátria trata mais ou menos mal toda a gente porque havia de tratar de modo diferente os ex-combatentes? Não são moral e politicamente responsáveis das decisões que tomaram ?

E pedem tão pouco.

Sei que somos um país com recursos insuficientes para concretizar o bem-estar a que todos têm direito. Mas não será de elementar justiça cuidar daqueles que cumpriram o dever?

Os ex-combatentes que ficaram a sofrer de stress pós-traumático não deveriam ter acesso a medicamentos gratuitos?

 

Lembro-me que, por exemplo, em Castelo Branco, na Praça da Liberdade (Devesa), havia um pequeno monumento de granito com a inscrição “homenagem ao soldado português pela mulher beirã”. Quando aconteceu o projecto Polis essa pedra desapareceu. Enfim, nem a propósito, faz parte do esquecimento geral.

 

Mas também aqui há lembranças e memórias dos que sofrem todos os dias em que não conseguem dormir, em que conflituam com a mulher e os filhos, dos desadaptados, dos sem abrigo. Mas mais do que homenagens, os que estiveram na guerra não como profissionais não como voluntários mas porque a pátria lhes pediu e exigiu, “a pátria honrai que a pátria vos contempla”, não podiam ter algum apoio por parte da pátria? Oito mil voltaram “numa caixa de pinho”. Muitos voltaram para o sofrimento para o resto das suas vidas. Cinquenta mil sofrem de stress pós-traumático. São os danos directos da guerra. Quanto vale um soldado? Pouco preocupa aos governantes os danos centrais da guerra e devia preocupar tanto como todos os outros danos colaterais.

 

Fui testemunha num desses processos de um furriel que achava que lhe devia e à sua família ser prestado apoio medicamentoso gratuito. Era necessário testemunhar se estávamos ou não sujeitos a situações de perigo que pudessem vir a constituir alterações na saúde mental dos militares a elas expostos. 

Só de quem não entendia o que era a guerra na Guiné. Não devia ser questionada sequer esta possibilidade. Não é uma escolha o stress pós-traumático demonstrado por tantos que, em graus diferentes, nunca mais puderam ter uma vida normal, um sono normal, uma pacificação do seu comportamento e da sua mente.”

 

 

Até para a semana.

 




Rádio Castelo Branco







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