25/04/24

Abril: "Vemos, ouvimos e lemos"




Sophia de Mello Breyner Andresen escreveu “Cantata da Paz” que Francisco Fanhais musicou. É uma canção que, com os jovens da minha idade, antes e depois de Abril de 1974, cantávamos nos encontros, nas reuniões, nos grupos informais. 
Tanto por cá, como em Madina Mandinga, na Guiné-Bissau, quando estava em missão que a Pátria exigia aos seus jovens, gostávamos de cantar: “vemos, ouvimos e lemos”. E, por mais contraditório que possa parecer, ninguém nos proibia. 

Era um tempo em que as notícias corriam mais lentas do que actualmente. As novidades vinham nos aerogramas que tínhamos que ir buscar a Nova Lamego, em coluna militar, correndo os perigos inerentes à situação de guerra que se vivia. 
As notícias vinham também através da BBC. Já não me lembro bem em que dias mas sei que era à noite, ouvíamos a única fonte informativa credível que transmitia em onda curta. 
Em 16 de Março, tinha acontecido o levantamento das Caldas. Se antes já tínhamos motivos para estarmos atentos às notícias, era agora imperioso ouvir esta rádio. 
Até que em 25 de Abril de 1974, a notícia estava a ser transmitida pela BBC. Tinha havido um golpe militar em Portugal. 

Expectativa, apreensão, alívio, emoção... Com uma ou outra excepção a adesão foi imediata por parte de todos os soldados, sargentos e oficiais, daquela companhia. Na minha memória ficou o registo de nos termos sentido muito felizes. E também com muitas dúvidas: O que se iria passar seguir? A guerra acabava, quando voltávamos para casa? Como seria a desmobilização? 
Apesar das incertezas, o 25 de Abril surgiu, assim, como o dia de todas as palavras bonitas do dicionário. Era o momento em que interessava viver tudo o que era novo e com um futuro esperançoso nas nossas mãos. 

Há 50 anos, nesse dia “inteiro e limpo” (Sophia), em que todos nos revemos e podemos encontrar traços da nossa vida, tudo estava a acontecer:
Não seria mais necessário ter de cumprir o serviço militar obrigatório e ser mobilizado para o Ultramar.
Não seria necessário emigrar a salto para a Europa para ter uma vida melhor.
Finalmente haveria para todos “a paz, o pão, habitação, saúde, educação” (“Liberdade”, de Sérgio Godinho).
Nesse dia ainda não sabíamos que havíamos de ter uma Constituição democrática. E a liberdade e a liberdade de expressão deram neste dia os primeiros passos dos últimos cinquenta anos.
Nesse dia ainda não sabíamos que havíamos de reduzir a taxa de mortalidade infantil para uma das mais baixas da Europa Ocidental, havíamos de reduzir o analfabetismo e aumentar a taxa de escolarização em todos os níveis de ensino.
Havíamos de aumentar a esperança de vida, havíamos de melhorar a assistência na saúde e na segurança social.
Não sabíamos... mas tudo isto aconteceu.

Nesse dia, uma paleta de todas as cores inundou, por dentro e por fora, a vida deste país e Portugal tornou-se “um enorme poema visual” (Ernesto M. Melo e Castro). 
Nesse dia perfeito ainda não sabíamos, como se veria logo a seguir, que era necessário lutar pela liberdade e pela democracia. Como também não sabíamos que havia de ser necessário continuar a cantar: "vemos, ouvimos e lemos".


Até para a semana.




Rádio Castelo Branco

 




Sem comentários:

Enviar um comentário