1. Durante o "decurso da vida" (Charlotte
Bühler, A psicologia na vida do nosso tempo (p. 310-312), vão mudando estatutos e papéis que desempenhamos na família e na sociedade. Mais tarde ou mais cedo, seremos avós. Ao adquirirmos este estatuto e
desempenharmos este papel, um dos principais objectivos será ajudar os filhos, ajudando
os netos. Manter as tradições familiares, passar testemunho das memórias e
histórias familiares são também objectivos da interacção de avós e netos.
2. Na sociedade actual, os avós continuam a
ter um papel essencial nesse processo educativo. Certamente que os avós actuais são
diferentes dos avós do passado, como os pais actuais são diferentes dos do
passado, e os papéis que desempenham são igualmente diferentes, como é
normal que aconteça dadas as mudanças havidas na família e
sociedade.
O papel dos avós é hoje ainda mais
importante do que no passado, devido às alterações que aconteceram na sociedade
e na estrutura da família, como as famílias monoparentais, famílias
reconstituídas, e as alterações, algumas difíceis, verificadas na vida
familiar: emigração, prisão, toxicodependência,
incapacidade educativa dos pais ...
3. Essas diferenças sociais e familiares deveriam
ter um acompanhamento por parte do sistema social e isso nem sempre
acontece(u).
De facto, segundo um estudo de 2014*, “As
limitações impostas às prestações sociais pagas aos pais e às mães que ficam em
casa a cuidar dos filhos, as poucas oportunidades de trabalhar a tempo parcial
e a escassa oferta de estruturas de acolhimento de crianças a preços
acessíveis, levam a uma maior dependência das famílias.”
Ao mesmo tempo que os Governos querem
manter por mais tempo os mais velhos no mercado, cortam nos apoios e prestações
às famílias. A "ginástica" que os pais têm que fazer
para cuidar e educar os filhos é mais
complexa.
4. O apoio dos avós é essencial mas também difícil dado que o cuidado individualizado que
é necessário ter é exigente, também para eles. Isto é, cada caso é um caso, e é preciso saber que não há
avós em geral mas avós concretos: os avós do João, da Maria, do Francisco...
O apoio dos avós pode assumir aqui muitos
significados que vão da ajuda financeira, a ajuda na educação, colmatando as
lacunas deixadas pelos sistemas de apoio social. Os avós podem ser
alternativa à ama, à creche ou ao "sozinho em casa".
5. Dão-se como adquiridas algumas
competências dos avós, embora possa não ser bem assim. Diz-se que a grande vantagem no desempenho deste papel parece ser a
disponibilidade. Não sei se alguma vez foi assim, mas muitos avós, depois da reforma,
continuam a ter actividades suficientes para lhes ocuparem o tempo, tendo em conta a diversidade da oferta de actividades que existem actualmente. Hoje os avós têm uma disponibilidade voluntária - é uma opção e uma principal prioridade. O tempo
disponível dos avós não cai então do céu só porque os avós estão
reformados.
6. Também se afirma que há como que uma
autoridade natural que não precisa de se impor... e que vem da sua sabedoria, experiência, tranquilidade ou talvez apenas dos seus cabelos
bancos, isto é, idade e autoridade seriam coincidentes. Também não sei se foi ou é assim. Não é fácil lidar com os
netos, tão diferentes uns dos outros, mas a responsabilidade é a mesma, o
mesmo amor. Com a preocupação de dar uma particular atenção ao desenvolvimento
individual.
7. Podem surgir várias dificuldades quando
os avós têm este papel:
- A coabitação com o casal e netos pode ser
fonte de conflitos;
- A interferência excessiva no papel dos
pais e substituir-se a eles;
- A facilidade com que podem cair no
laissez-faire: pouco preocupados com a criação de hábitos: na higiene, na alimentação, na criação de regras, o uso em
excesso do reforço positivo, embora muitas vezes se trate apenas de um velho cliché.
8. Também é verdade que a interferência excessiva no papel dos avós, desvalorizando ou desclassificando a sua acção, origina dificuldades nos relacionamentos, insegurança, sentimento de incompreensão...
9. O problema da terceirização da
educação dos filhos pelos avós, por outros familiares, pelas empregadas, é bem real
nos tempos que correm. Há crianças que podem passar a semana, os tempos livres, as férias, sem
terem contacto com os pais e isso pode tornar-se um problema. Digo pode porque também, nesta situação, cada caso é um
caso. Sempre houve crianças que ficaram longe dos
pais durante longos períodos, de escolaridade, por ex., devido a emigração ou outro motivo de
separação. Provavelmente, o que mudou foi a dimensão do
fenómeno.
10. De resto, cuidar dos netos é uma tarefa particularmente gratificante. A forma como nos aceitam, inocentemente, como nos
interpelam, como nos fazem ver a vida com outros olhos e com outra esperança, mesmo quando já temos algumas dificuldades, vale todo o cuidado que lhes dedicamos. Voltar a ser criança, brincar, ver o mundo
com os olhos deles é altamente compensador.
___________
* Estudo da Fundação Gulbenkian
traçou o perfil dos avós em doze países da Europa -
reportagem da TVI24, 2014-09-20, Qual o papel dos avós nos dias de hoje?
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