04/08/17

Todo o Mundo e Ninguém

 

Todo o Mundo e Ninguém, entremez do Auto da Lusitânia, escrito por Gil Vicente em  1531, e representado pela primeira vez em 1532, está mais actual do que nunca, não só pela estória da utilização da música dos 1111 num dos temas do álbum “4:44”, de Jay-Z, mas porque, passados 500 anos, podia ter sido escrito um dia destes, se ainda houvesse homens como Gil Vicente.

Nesse sentido interroga-se A. Barreto: "Que é feito dos homens livres do meu país? Estão assim tão dependentes da simpatia partidária, dos empregos públicos, das notícias administradas gota a gota, dos financiamentos, dos subsídios, das bolsas de estudo e das autorizações que preferem calar-se? Que é feito dos autarcas livres do meu país? Onde estarão eles no dia e na hora do desastre? Talvez à porta do partido quando as populações pedirem socorro e conforto." (A. Barreto, Jacarandá)

Gil Vicente conhecia bem os vícios do seu tempo. Dinato e Belzebu, encarregues de relatar a Lúcifer tudo o que se passa (ver Auto da Lusitânia), escutam o diálogo entre Todo o Mundo e Ninguém.
Um rico mercador, chamado "Todo o Mundo" e um homem pobre cujo nome é "Ninguém", encontram-se e põem-se a conversar sobre o que desejam neste mundo. Em torno desta conversa, dois demónios (Belzebu e Dinato) tecem comentários espirituosos, fazem trocadilhos, procurando evidenciar temas ligados à verdade, à cobiça, à vaidade, à virtude e à honra dos homens.

Ninguém:
Que andas tu aí buscando

Todo o Mundo:
Mil cousas ando a buscar:
delas não posso achar,
porém ando porfiando
por quão bom é porfiar.

Ninguém:
como hás o nome, cavaleiro?

Todo o Mundo.:
Eu hei nome Todo o Mundo,
e meu tempo todo inteiro
sempre é buscar dinheiro,
e sempre nisto me fundo.

Ninguém:
Eu hei Ninguém,
e busco a consciência.

Belzebu:
Esta é boa experiência:
Dinato, escreve isto bem.

Dinato:
Que escreverei, companheiro?

Belzebu:
Que Ninguém busca consciência,
e Todo o Mundo dinheiro.
...



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