Completam-se, a 2 de Setembro, 70 anos do fim da II guerra mundial. Konrad Adenaeur, deixou nas suas memórias aquilo que considerou um exame de consciência sobre como foi possível ela ter acontecido. A responsabilidade não é apenas dos políticos mas de cada cidadão, da mentalidade de um povo que acredita na omnipotência do Estado ao qual tudo sacrifica porque, como refere Adenauer, "a pessoa está acima do Estado". Os sublinhados são da minha responsabilidade.
"... Como pôde o povo alemão aceitar esse Estado nacional-socialista? Como pôde o Governo nacional-socialista começar essa guerra, uma guerra irremediavelmente perdida apesar dos sucessos iniciais?
Como aconteceram milagres de valor e fidelidade ao dever por parte de um povo quando, ao lado, o mesmo povo era alvo dos crimes mais hediondos? Como foi possível prosseguir até ao aniquilamento uma guerra cuja derrota estava anunciada? Como foi possível o povo alemão sujeitar-se a tamanha humilhação?
Envergonhei-me muitas vezes, na época nacional-socialista, de ser alemão e às vezes a vergonha atingiu o fundo do meu coração; cheguei a saber pelo cônsul da Suiça, VonWeiss, das infâmias cometidas por alemães contra alemães e dos crimes planeados contra a Humanidade.
Mas agora, depois da capitulação, ao ver como o povo alemão - mergulhado na fome, frio, miséria e morte, sem esperança e futuro, em completa inferioridade política, desconsiderado por todos os povos da terra - suportava esse destino de forma paciente, parecendo mais forte que toda a miséria, senti-me, de novo, orgulhoso de ser alemão.
Como aconteceram milagres de valor e fidelidade ao dever por parte de um povo quando, ao lado, o mesmo povo era alvo dos crimes mais hediondos? Como foi possível prosseguir até ao aniquilamento uma guerra cuja derrota estava anunciada? Como foi possível o povo alemão sujeitar-se a tamanha humilhação?
Envergonhei-me muitas vezes, na época nacional-socialista, de ser alemão e às vezes a vergonha atingiu o fundo do meu coração; cheguei a saber pelo cônsul da Suiça, VonWeiss, das infâmias cometidas por alemães contra alemães e dos crimes planeados contra a Humanidade.
Mas agora, depois da capitulação, ao ver como o povo alemão - mergulhado na fome, frio, miséria e morte, sem esperança e futuro, em completa inferioridade política, desconsiderado por todos os povos da terra - suportava esse destino de forma paciente, parecendo mais forte que toda a miséria, senti-me, de novo, orgulhoso de ser alemão.
Estava orgulhoso do valor com que o povo alemão suportava o seu destino, orgulhoso de como todos, e cada um, suportavam e não desesperavam, como evitavam e fugiam da miséria, aspirando a um futuro melhor.
Deixei que a Historia alemã dos últimos cem anos passasse diante de mim, e interroguei-me como fora possível este percurso. Era uma pergunta que todos deviam colocar a si próprios.
Se queríamos sair da miséria, desse abismo, se queríamos encontrar o caminho certo da recuperação, devíamos reconhecer, primeiro, como nos tinham levado a esse abismo.
Só era possível encontrar o caminho certo, sabendo como chegáramos a esse sinistro período da Historia do povo alemão. Só um exame de consciência poderia levar ao ressurgimento.
...
Interrogava-me sobre os graves motivos que, fazendo-nos vacilar de um lado ao outro, nos tinham lançado do alto até o abismo. Os pormenores não têm importância nessa reflexão, mas havia que procurar, a fundo, os motivos que causaram a catástrofe.
Em minha opinião, eles vêm de trás, remontam ao período anterior a 1933. O nacional-socialismo levou-nos directamente a catástrofe, mas não teria sido tão mau se não tivesse encontrado, na população, o terreno favorável a sua semente de veneno. Tomou as máximas proporções "em largos extractos da população”. Não é justo culpar apenas as chefias militares ou os grandes industriais. É certo que estes têm grande parte da culpa, e a sua culpa pessoal foi tanto maior quanto o seu poder e influência. Mas as grandes classes populares, os agricultores, a classe media, os trabalhadores, os intelectuais, não assumiam uma postura mental sincera. Caso contrario, não teria sido possível o triunfo do nacional-socialismo no ano de 1930.
O povo alemão sofria há muitos anos, em todas as classes sociais, de uma falsa opinião do Estado, do poder, da situação do indivíduo perante o Estado. Tinha feito deste um ídolo e tinha-o levado ao altar: tinha sacrificado a este ídolo o indivíduo, a sua dignidade e valor.
Esta convicção da omnipotência do Estado, da sua primazia, da sua concentração de poder sobre tudo o resto, incluindo os eternos valores da Humanidade, atingiu o seu auge depois da gloriosa guerra de 1870-71 e do forte crescimento económico da Alemanha.
...
O rápido desenvolvimento da industrialização, a concentração das grandes massas de população nas cidades e o desenraizamento que ela provoca deixaram o caminho livre para o devastador contágio do conceito materialista no povo alemão. Este conceito levou necessariamente a uma sobrevalorização do poder, a custa da diminuição dos Valores éticos e da dignidade do individuo.
O nacional-socialismo não foi senão uma consequência, levada até ao crime, daquele conceito materialista do mundo que acaba na adoração do poder e no desprezo pelo valor do individuo.
A um povo preparado mental e espiritualmente para um conceito materialista, obediente a um Estado todo poderoso,era relativamente fácil, a mínima dificuldade material que surgisse, impor uma doutrina segundo a qual a própria raça é a raça soberana e o próprio povo é o povo soberano; os restantes povos são fracos, e em parte dignos de serem exterminados; mas também dentro da própria raga e do próprio povo deve ser eliminado, por qualquer preço, o adversário politico.
Esta opinião sobre o poder, sobre a omnipotência do Estado e sua primazia face à dignidade e liberdade da pessoa, é contrária a lei natural. A pessoa está acima do Estado. Na sua dignidade, liberdade e independência, encontra o poder do Estado o seu limite e orientação. Mas a liberdade pessoal não é ilimitada e arbitraria. Obriga qualquer pessoa, quando faz uso da mesma,a pensar sempre na responsabilidade que tem para com o próximo e para como povo.
Penso que o Estado deve assumir uma função de serviço perante o individuo. O conceito materialista do Mundo transforma o homem em algo impessoal, numa pequena peça de uma monstruosa máquina.
Este concerto do Mundo é pernicioso. Perante a dispersa, desordenada e amorfa massa em que se tornara o nosso povo depois da guerra, era necessário dar uma palavra a cada indivíduo, conduzi-lo à tranquilidade e ao sentido de responsabilidade. Até que ponto se poderia adoptar este procedimento, era a pergunta que me parecia fundamental para o destino do nosso povo.
Estava convencido que empreendendo esta tarefa com convicção e realizando-a com habilidade e entrega recuperaríamos pessoas que, pela sua firmeza de carácter e segurança de juízo, podiam ser preparadas e motivadas para a condução política, moral e intelectual."
A II Guerra Mundial - 50 Anos Depois, Diário de Notícias
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