07/08/14

A mudança de Caná

Pelo ano 30, acontecia um casamento em Caná. Normal como qualquer casamento mas que irá transformar-se num evento extraordinário porque uma transformação irá ter lugar e vai marcar o início da vida pública de Jesus.
O que mais se deseja é que tudo corra bem neste dia em que duas pessoas constroem a sua casa, o seu lar. Este casamento estava a correr mal, faltou o vinho, elemento indispensável.

Na longa entrevista de Gérard Sévérin a Françoise Dolto, este é um dos temas analisados.
A visão de F. Dolto sobre este acontecimento, revela-nos essa transformação que acontece na tradição do casamento.

"Jesus mostra-se aí construtor de uma outra casa, de uma casa espiritual. E mais ainda: é aí que Ele sente uma perturbação mutativa. É primeiramente uma festa de núpcias humanas: um jovem e uma jovem mulher unem-se diante de testemunhas.
Eles permutam os seus votos de amor comum abandonando o seu passado familiar e individual.
Renunciam em festa à sua juventude vigiada.
Empenham a energia da sua ascendência ancestral através do seu desejo, atraídos como são um pelo outro, em acordo  com as suas famílias. É um acto deliberado, individual, familiar e social.
Fundam uma nova célula social responsável e generosa, num dom recíproco total que dá sentido à sua curta vida mortal.
Para todos os participantes, quaisquer que sejam as sua idade e sexo, esses jovens esposos, nesse dia de núpcias, incarnam a imagem realizada ou futura dos seus sonhos de destino. Portanto, que corra com abundância o sumo mágico e luminoso da vinha !
Porquê mágico e luminoso?
Porque a embriaguez vivida em comum é uma possibilidade de fugir em comum à realidade e conseguir a alegria em conjunto. Esta alegria é também o que redime a embriaguez. E acrescento que o inconsciente
se entrega então. ..in vino veritas !
Embriagar-se só tem outra significação?
Certamente. Aquele que bebe só, fecha-se. Receia evadir-se com os outros da realidade tangível. Não pode comunicar senão «em jejum»; portanto, apenas pode comunicar o racional, o judicioso, o sensato, o razoável. Fora deste aspecto, é para ele o deserto.
Em Caná é o contrário. ..
A água clara que os serventes levam nas talhas transforma-se em bebida fermentada, fonte de risos, de esquecimento das amarguras e das preocupações quotidianas. É o leite da alegria que faz ecoar a festa na alma dos convivas, florescer os sorrisos; que o cacho maduro dos fantasmas suaves de sabores inebriados desfia. Bebido em comum, esse sumo capitoso da vinha desprende a língua e os corações."

A mudança é feita com angústia. Este episódio é angustiante pela mudança da situação social de duas pessoas,  pelas circunstâncias da festa do casamento e também outro contratempo: ainda não tinha chegado o tempo e, mesmo hesitando, acabou por ter a ver com o que estava a acontecer.

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