A propósito da passagem dos 80 anos do nascimento de Maria de Lurdes Pintasilgo, revisito “as dimensões da mudança” de que ela tanto falava. Em texto de 1978, muito interessante e cheio de actualidade, fala-nos da crise.
As crises põem a claro as nossas vulnerabilidades ou a nossa forma de reacção aos factores de vulnerabilidade.
Como reagimos nas situações de um desastre ou a circunstâncias traumáticas de vida como, por exemplo, nos casos de perigo de vida ou doença, fome, perdas importantes, solidão, reduzida ou nula capacidade de resolução de problemas .
As reacções às crises podem ser as mais diversas. Veja-se o que acontece nas situações de tremores de terra, tsunamis ou outros desastres.
Como a M. L. Pintasilgo, certamente, as nossas crises e as crises da sociedade sempre nos apanharam de surpresa.
Como ela refere: “Crises em mim própria - quantas situações sem saída a perturbarem a linha sem labirintos que queria seguir.
Crises das pessoas - a perturbarem subitamente a confiança mútua, a abalarem as solidariedades laboriosamente criadas...
Crises das sociedades - a perturbarem a «ordem» estabelecida, a mostrarem a precariedade de todas as coisas... Subitamente, a sensação de suspensão no vazio, de interrogação inquieta. Onde vai desembocar a crise?
Será ela prenúncio de uma situação sem saída a agudizar-se cada vez mais, ou anúncio de uma nova porta que se abre? Será ela o perigo, o confronto último com a inviabilidade de qualquer solução ou a oportunidade para descobrir o «inédito viável», escondido pelas mil artimanhas da rotina instalada? …”
“Crises das relações: … Inesperada a sensação de que já não é o outro que no outro fala e age, que já não somos nós que o outro vê e acolhe, mas um outro de nós que desconhecemos. Continuam a circular palavras e até gestos. Mas as palavras passam a ser objectos em si e não meio de comunicação; fazem o seu caminho entre nós e o outro independentemente de qualquer relação, por isso são ouvidas em outro código; a emissão e a recepção deixaram de ter uma linguagem comum. E os gestos passam a não ser nada, a não conter o que pretendem significar, tornam-se desastrados, partem as pontes, desfazem os laços. Abre-se então a crise da grande solidão.”
"Fácil é reduzir as crises aos epifenómenos políticos em que se traduzem..."
acusando-se os políticos uns aos outros pela responsabilidade da crise, atirando para outros sempre o que se fez de errado e auto-vangloriando-se com a chamada obra feita.
Crise também do projecto social. A crise das instituições é crise de decisão, de organização e de pessoas.
Se as escolas, os hospitais, as empresas não funcionam onde estão as pessoas para as fazerem funcionar ?
Já percebemos que não há, hoje, projecto social. Porque ainda não compreendemos nem o porquê nem o para onde do empenhamento que nos pedem.
E como já fomos surpreendidos várias vezes… a palavra, os gestos passam a não ser nada…
Mas a reconstrução é possível e podemos tornar “o inédito viável”.
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