15/03/23

Nem clericalismo nem clerofobia (2)



Tudo o que está a acontecer sobre os abusos sexuais parece-me de grande mérito, em primeiro lugar, para as crianças e pessoas mais vulneráveis, e depois para a sociedade, para a cultura, e também para a Igreja.
Como em qualquer processo há avanços e recuos, mas faz caminho esta oportunidade que não se pode perder em questões que, sendo importantes, não reflectem o fundamental: a protecção da infância e o respeito pelos seus direitos.
É positivo que toda a gente se pronuncie sobre o que aconteceu e está a acontecer e opine sobre o que deve ser feito e como deve ser feito. Penso que a maioria das pessoas faz intervenções genuínas e justas e manifesta a sua dor pela dor das vítimas.

No último texto escrevi que a crítica ao clericalismo é um passo, talvez o primeiro, para mudar alguma coisa na nossa cultura dos direitos da criança.
“O clericalismo é um excesso... O anticlericalismo configura-se como um movimento de oposição, de combate, de consciência crítica em relação a esse excesso e a essa falta.” (1)
Mas a história também nos recorda que nem todos têm a liberdade para poderem criticar aquilo que merece condenação, porque condicionados por ideário e ou interesses outros que não os da protecção das crianças.
Embora não me aventure por áreas que não sei, há episódios históricos que são bem mais cavernícolas do que a versão comemorativa de feriado e cerimónias com fanfarra do 5 de Outubro.

As críticas ao clericalismo, justas, deixam de o ser quando passam a significar violência anticlerical. (2)
O anticlericalismo muitas vezes não é mais do que luta anticristã e anticatólica. E este é o problema. Há nesta conjuntura de avaliação dos abusos quem queira fazer bem o seu trabalho e há quem procure atingir outros objectivos. O que não é novo. Basta pensar no que se passou por exemplo desde o marquês de Pombal, passando pelo liberalismo, pela 1ª república... (3)
Ao ler Colégio de S Fiel - ecos de memória, de J. Mendes Rosa – sobre o que aconteceu ao colégio de S. Fiel e aos seus professores, podemos ter a ideia do que era o ódio fóbico a tudo o que fosse clerical. Os princípios da escola de Lombroso que definiam quem era delinquente e criminoso, teve por cá os seus adeptos convictos. (4)

O Relatório da Comissão Independente não pode ser visto como um confronto com a Igreja. O trabalho que foi feito deve levar a consequências, como aliás D. José Ornelas referiu. Mas não deve ser um atropelo à justiça, aos direitos humanos, fonte de arbitrariedades e de outros abusos. Toda a gente tem direito à presunção de inocência até prova em contrário. Creio que isso se aplica também em relação aos listados.
Mas o relatório da Comissão Independente também é positivo ao dar sugestões, deixar pistas, para todo o trabalho de prevenção que é necessário fazer desde já. Dentro destas medidas ficam possibilidades de trabalho a desenvolver pela sociedade e especificamente a desenvolver pela Igreja, leigos e clero. É necessário (re)pensar práticas e encontrar as melhores formas de não permitir perversões como as que originaram esta ferida.

Até para a semana.


_____________________________

1. Luís Machado de Abreu.
2. Duarte, Ricardo Diogo Mainsel, (1910-1917): Violência anticlerical na I República perspectivas antropológicas e historiográficas.
3. José Carvalho - Anticlericalismo/anticatolicismo e clericalismo/catolicismo em Portugal nas vésperas da I República (1881-1910) – breve panorâmica histórica, Faculdade de Letras da Universidade do Porto; José Adelino Maltez, Tópicos políticos (2004) - Anticlericalismo, o que é?
4. A classificação dos delinquentes segundo Lombroso.







  

Sem comentários:

Enviar um comentário