16/03/22

“O império em vão se contempla...”

Área destruída por bombardeio em Mariupol



Assistimos, atónitos, em 24 de Fevereiro, à invasão da Ucrânia. Chocante. Mas esta guerra é particularmente chocante pela forma como foi anunciada e iniciada e pelo timing em que o foi. Ainda não estávamos refeitos do pesadelo de mais de dois anos de pandemia covid 19, e já o senhor da guerra, Putin, lançava não só a Europa mas o mundo na maior crise humanitária desde 1945. 
Nesta guerra, sim, guerra e não “operação militar especial”, como na novilíngua do Ministério da Verdade (George Orwell, 1984), houve apenas um agressor e dois povos agredidos: um povo que teve que se defender e está a ser destruído, com milhares de vidas ceifadas, com estruturas completamente arrasadas, e o seu próprio povo que silencia e oprime.

É por isso um tempo de lamentação, de silêncio, de meditação... mas também de raiva:
- porque o ser humano continua a sobrepor o seu lado violento à cooperação com outros seres humanos;
- porque devíamos estar a construir a paz e, em vez disso, obrigam-nos a viver este sobressalto da guerra;
- porque voltou a escalada armamentista como reacção viciosa e pelo medo a esta guerra o que significa o rearmamento da Europa e de todo o mundo e mais uma vez o investimento vai ser feito no “complexo militar-industrial”; 1
- porque mais uma vez triunfou a razão da força contra uma saída pela negociação e pelo diálogo para resolver conflitos.
Este é também um tempo de desencantamento. Com actores diferentes, a história repete-se, o terror voltou, a tragédia está a acontecer novamente na Europa: o desencantamento da primeira metade do século XXI tal como o desencantamento da primeira metade do século XX .
E pior: se pensarmos que pode voltar a acontecer. Porque para quem resolve conflitos pela guerra, qualquer pretexto pode servir.

A guerra é sempre igual, tem sempre os mesmos resultados: mortos, feridos destruição. Seja quem for o agressor e invasor. 
O povo é sempre quem mais sofre: as famílias, as crianças, os idosos ... E, sim, estou a apelar ao sentimento das pessoas. 
Começa assim o poema de Rainer Maria Rilke “Carlos XII da Suécia cavalga pela Ucrânia” 2 :
"Os reis das lendas 
são como montes ao anoitecer. Cegam 
aqueles para os quais se voltam.
Os cintos que apertam os seus quadris 
e as pesadas caudas dos seus mantos 
custaram países, vidas.
Juntamente com as suas mãos ricamente enluvadas 
vai a espada, esbelta e nua."
De facto, as guerras custam países e vidas. 
No poema “Os czares” Rilke escreve: “É a hora em que o império em vão se contempla nos muitos espelhos do seu esplendor.” (p.177)
Em vão se fazem guerras para obter a paz. 
Por isso, resta ainda a esperança de que as guerras façam parte do nosso lixo psicológico. 3
O diálogo, as conversações e os compromissos são sempre a alternativa para encontrar o caminho da paz.


Até para a semana com muita paz.

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1. Como refere Albert Szent-Györgyi em O macaco louco, crescer faz parte da biografia dos exércitos por duas razões: um exército origina sempre um contra-exército e, em segundo lugar, "é o ele ser mantido ocupado, pelo que cria incidentes, arrastando o seu país para a guerra e para empreedimentos de resultado duvidoso. É este género de actividade que levará ao desmembramento das NaçõesUnidas, a única esperança da humanidade” (p.47) 
Podemos perguntar onde estão as Nações Unidas? Podem fazer mais do que pedir "em nome da humanidade"? 

2. O livro das imagens, Relógio d'Água, p.151

3. Esta guerra nunca devia ter começado mas uma vez iniciada devia terminar imediatamente. Os estragos já são mais do que suficientes para todos perceberem que não há justificação para tanto sofrimento. Até agora quase três milhões de refugiados. Os mortos e feridos não serão nunca meras estatísticas.

 


Rádio Castelo Branco




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