02/10/25

Humildade - Uma força terapêutica



Alain de Botton, em Uma viagem terapêutica, releva a importância da psicoterapia que todos podemos praticar na nossa vida diária, designadamente nos sítios que por mais pessoais que sejam, são também os lugares onde pode ocorrer mais atrito entre as pessoas.
"Os paradigmas da psicoterapia não pertencem apenas à prática clínica; aplicam-se, de forma mais abrangente ao quarto e, sobretudo, ao lado de fora da porta da casa de banho, à meia-noite, durante aquelas discussões acesas sobre quase nada. Quando as relações se tornam difíceis como invariavelmente acontece, as noções terapêuticas podem fornecer-nos os meios para lidar empaticamente com muitos dos aspetos mais estranhos em nós próprios e nos nossos parceiros.“ (p. 152).

Assim, há conceitos terapêuticos que poderão ser muito úteis para a nossa vida cotidiana. Muitos destes conceitos têm a ver com as atitudes que adoptamos quando pretendemos uma comunicação compreensiva e eficaz na nossa vida. 
Podemos relevar, por exemplo, a escuta reflexiva, deixar espaço para a solidão e suavizar a linguagem:
- a escuta reflexiva significa escutar mais do que falar, usar a paráfrase, sublinhando o que o outro nos diz não como eco das suas palavras mas com palavras novas e diferentes que validam a sua experiência e narrativa.
- espaço para a escuridão – não devemos negar a gravidade do que a pessoa está a sentir e que acabou de nos transmitir.
- suavizar a linguagem – evitar a forma directa como tentamos incutir as nossas ideias na mente do outro, não emitir sentenças sob pena de sermos rejeitados com violência e indignação ... "mas assinalar claramente que estamos a explorar possibilidades"... (p. 152-162)

Outro importante conceito terapêutico é a humildade. 
No Livro de Ben-Sirá podemos ler: “em todas as tuas obras procede com humildade e serás mais estimado do que o homem generoso. Quanto mais importante fores, mais deves humilhar-te e encontrarás graça diante de Deus.”

A humildade, para o psicólogo M. Seligman, é uma força de carácter que integra a virtude da temperança, tal como a misericórdia: prática do perdão e da compaixão, evitando atitudes vingativas; a prudência: o cuidado com as atitudes, e o autocontrole: a capacidade de controlar as suas emoções e impulsos. (1)

A humildade consiste em não se ver como alguém melhor do que os outros. 
A humildade aparece também ligada à modéstia, ou é traduzida por modéstia, “não tem nada a ver com falta de ambição, mas com uma aspiração mais consciente a algo que passámos a reconhecer como principal ingrediente da felicidade: a paz de espírito.” (p. 83)
A humildade é um antídoto para o orgulho, o sentimento de superioridade em relação a tudo e a todos. O orgulho patológico caracteriza-se pela vaidade, soberba, arrogância e pretensiosismo. É uma atitude de superioridade e um sentimento de desprezo em relação aos outros. O orgulhoso tem um auto-conceito exagerado de si próprio.

A humildade interessa na terapia de algumas perturbações psicológicas, como, por exemplo, na terapia para recuperação de uma depressão. A humildade permite a aprendizagem do que é importante na vida e, desta forma, ajuda a superar a doença. (2)
A humildade pode ser um remédio para a fobia de impulsão. Na justa medida em que quisermos ser humildes e não ceder à tentação do orgulho de “sermos os maiores”.

Até para a semana. 

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(1) Martin Seligman, A vida que floresce.
(2) É, nesta perspectiva, muito interessante a Entrevista de Joao Vieira de Almeida ao Observador.



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Rádio Castelo Branco









26/09/25

Inclusão inclusiva


A inclusão é um processo que as sociedades livres e democráticas devem prosseguir e que a todos diz respeito em algum momento da vida.
A Declaração de Salamanca (1994) e o Warnock Report (1978) foram fundamentais para que a integração e inclusão mudassem decididamente as práticas nos vários sectores da sociedade.
No nosso país, após o 25 de Abril, um grande movimento no sector cooperativo e nas instituições privadas de solidariedade social (IPSS), levado a cabo pelos pais foi fundamental para que os seus filhos com dificuldades pudessem ter acesso à educação.

A metodologia UDL (Desenho universal de aprendizagem) de David Rose trouxe uma perspectiva global da inclusão nos diversos níveis de intervenção da sociedade: na educação, nos transportes, na arquitectura, nas empresas... (1)


Obviamente, a inclusão nunca está concluída. Apesar dos sucessos que foram conseguidos muito continua por fazer em muitos sectores. Basta ver o que se passa na questão das acessibilidades nos transportes e nos equipamentos colectivos... deparamos com barreias arquitectónicas mesmo em edifícios recentes, ruas recentes, equipamentos acabados de construir... 


Mas o pior foi a deriva relativamente a este tema. Passou-se daquilo que era a inclusão para todos, sem preferências por ninguém, para a exclusão brutal de outros considerados privilegiados.

A inclusão passou a instrumento de ideologias totalitárias como a chamada  linguagem  neutra,  inclusiva e não binária. 

De forma dissimulada, quase sem darmos por isso, começamos a achar que quando alguém escreve  palavras com @  está tudo bem, até é engraçado. Claro que nem sequer  conseguimos ler mas isso que importa?  (2)

Porém, de forma mais acintosa, em instituições como universidades, passou a haver maneiras politicamente correctas de estar e falar. 

Foram criados manuais, normas e leis absurdas. 

E a seguir vieram as ameaças e as perseguições àqueles que não fossem por aí.

Os "ofendidinhos" despontaram por todo o lado. Tudo passou a ser  inclusivo: arte inclusiva, cultura inclusiva, linguagem inclusiva... Ou  seja, a negação da arte e da cultura e da própria linguagem que se torna incompreensiva. (3)

A consequência deste totalitarismo foi, para quem não aceitou esta visão, passar a ser excluído e até perseguido.



O prémio nobel da literatura, Vargas LIosa, refere a aberrante linguagem inclusiva.

O psicólogo J. Peterson fala sobre a natureza corrupta de sigla DEI (Diversidade, Equidade, Inclusão) e dá testemunho de como não só  professores universitários mas os seus alunos são prejudicados nas suas carreiras e empregos por pensarem de forma diferente das politicamente correctas e wokistas. (4)


Mas...

Apesar dos maus tratos que a inclusão tem sofrido, é absolutamente necessário voltar à inclusão em que todos os cidadãos devem ser tratados sem preferências ou vitimizações. 

É necessário voltar à inclusão sem as amarras da DEI, e sem a absurda linguagem dita inclusiva, neutra ou não binária, para que todos se sintam integrados na escola e na sociedade.

E mais, lutar contra a   inclusão que exclui é uma tarefa de qualquer cidadão livre e democrata. (5)

 

Até para a semana.


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1. Já aqui escrevi sobre a evolução da inclusão e a necessidade de reforço da inclusão. Foi um privilégio viver este tempo de evolução e de realizações na integração e inclusão: a Declaração de Salamanca (1994) e do Warnock Report (1978); O nascimento de cooperativas e IPSS (APP); O ano internacional do deficiente (1981); Participação em grupo de trabalho sobre o atendimento ao deficiente mental profundo e elaboração de legislação que tornou possível a criação dos CAO (Centro de Apoio Ocupacional)...

(2) Não se respeitam sequer as crianças com dificuldades de aprendizagem da leitura e escrita como todas as pessoas com défices sensoriais.


(4) A natureza corrupta da DEI: La ideología igualitária marcha actualmente sob a bandeira de «diversidade, equidade e inclusão». Jordan Peterson refere-se a DEI como «a grande mentira ideológica», e inverte deliberadamente o acrónimo DEI para DIE para sublinhar o resultado inevitável da aplicação da diversidade. 
Comentando as políticas de diversidade no ensino superior do Canadá, Peterson escreveu:
"Todos os meus colegas cobardes devem elaborar declarações DIE para obter uma bolsa de investigação. Todos mentem (salvo a minoria de verdadeiros crentes) e ensinam seus alunos a fazer o mesmo. E fazem-no constantemente, com diversas racionalizações e justificaçoes, corrompendo ainda mais o que já é uma empresa assombrosamente corrompida. Alguns de meus colegas até permitem receber uma suposta formação anti-preconceito, transmitida por pessoal de Recursos Humanos muito pouco qualificado, que dá lições absurdas, alegremente e de forma acusatória sobre atitudes racistas, sexistas e heterossexistas teoricamente omnipresentes." "Jordan Peterson: Por que já não sou professor titular na Universidade de Toronto - A ideologia terrível de diversidade, inclusão e equidade está destruindo a educação e os negócios",  Special to National Post, Jan-19-2022

(5) Tanto mais que como refere Manuel M. Carrilho, no seu recente livro, A Nova Peste - Da ideologia de género ao fanatismo woke: "A adopção do dogma DEI - diversidade, equidade, inclusão - pelas empresas GAFAM (Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft) e muitas outras, que quase todas assumem explicitamente nos seus sites, é pois altamente inquietante, sendo inequívoco como diz Mounk, que "o viés político actual da inteligência artificial tende visivelmente para o lado woke", o que torna decisivo o debate sobre esta questão, no sentido de se saber "se a inteligência artificial respeitará ou deformará a realidade, se ela dará a todos os instrumentos necessários para nos exprimirmos livremente ou se, pelo contrário, confiará a alguns autoproclamados preceptores o direito de nos darem lições de como pensarmos e agirmos" (Mounk, Y., 2024)." (p. 93)


Rádio Castelo Branco




19/08/25

Florescer


Peggy Lee -  É só isso ? (Is that all there is?)


"Is that all there is?", música interpretada por Peggy Lee, descreve alguns eventos da vida, positivos e negativos: um incêndio presenciado na infância, o encantamento do circo e a experiência sem sucesso de um relacionamento amoroso. Seja qual for a situação, resulta sempre insatisfação e desilusão, algo está  sempre em falta. Que mais tem a vida para oferecer? Na festa e na desgraça, é só isso ? Na alegria e na tristeza, é só isso?
O tema é glosado de diferentes maneiras, como em "Estou além" (António Variações): “Esta insatisfação / Não consigo compreender / Sempre esta sensação / Que estou a perder”. Ou, mesmo quando "o homem do leme" enfrenta o destino com coragem para ultrapassar as dificuldades, "a vida é sempre a perder" (Xutos e Pontapés - "O homem do leme").

A "síndroma Peggy Lee" parece abranger muita gente para quem tudo é insatisfatório. De facto, em tempos de tédio, insatisfação permanente e vitimização imperiosa, não há mais nada para viver? Perante guerras tão miseráveis quanto cínicas não é caso para perguntar: a guerra é só isso? 
Ou mesmo quando em tempos mais pacíficos, a nossa luta interior, não nos deixa sossegados, a vida é só isso?

Os mais novos parece serem mais afectados por esta condição: como refere Pedro  Strecht.
"- Podia explicar o que quer dizer com a descrição da sensação: "estou mal, porque estou bem"? 
- Porque estar bem, para muitos pais e filhos, parece ser sempre insuficiente. Quando nos esquecemos que, em várias ocasiões, "menos é mais", somos facilmente levados a um padrão de constante sensação de falha ou falta porque, mesmo que já se tenha "tudo", parece sempre que "nada" chega. (Entrevista a Vanda Marques, "Pedro Strecht: Nunca existiram tantas crianças e adolescentes a sentirem-se sós", Sábado, 13 de Julho)

Temos alguns momentos, breves ou persistentes, de melancolia, passamos por momentos de tristeza e apatia que podem ser uma reação emocional normal a perdas, decepções ou situações difíceis da vida. A melancolia persistente por longos períodos é como a depressão e possui os mesmos sintomas: a pessoa não se interessa por nada ao seu redor, nenhum acontecimento traz prazer ou alegria e a vida deixa de ter interesse.

Também existe relação com o luto. "Contudo, a melancolia contém algo mais que o luto normal. Na melancolia, a relação com o objeto não é simples; ela é complicada pelo conflito devido a uma ambivalência. Esta ou é constitucional, isto é, um elemento de toda relação amorosa formada por esse ego particular, ou provém precisamente daquelas experiências que envolveram a ameaça da perda do objeto. Por esse motivo, as causas excitantes da melancolia têm uma amplitude muito maior do que as do luto, que é, na maioria das vezes, ocasionado por uma perda real do objeto, por sua morte. Na melancolia, em consequência, travam-se inúmeras lutas isoladas em torno do objeto, nas quais o ódio e o amor se digladiam; um procura separar a libido do objeto, o outro, defender essa posição da libido contra o assédio." ( Freud, Luto e melancolia)

Também, em Psicologia, falamos de alexitimia (palavra de origem grega: a-falta de, sem; lexis-palavra; thymus-emoção ou ânimo), utilizada pela primeira vez por Peter Sifneos, em 1967. A alexitimia é um construto que "designa a falta de palavras para descrever as emoções. Afetivamente conduz a uma grande dificuldade em reconhecer, descrever e discriminar sentimentos e emoções. Cognitivamente, há um estilo de pensamento muito particular, virado para o concreto e para o exterior e relacionalmente, há relações úteis, pragmáticas e superficiais. Existe uma incapacidade em perceber o outro com uma individualidade própria, os seus sentimentos, havendo portanto uma reduzida empatia e compreensão." (S. Pereira, Alexitimia, ITAD)

"Is That All There Is?" coloca a questão fundamental sobre o que é a vida e como podemos responder.
Os paraísos artificiais que invariavelmente levam ao meio do nada ou, definitivamente, a  lado nenhum, podem parecer que é por aí que encontramos resposta para a insatisfação e infelicidade mas, como neste caso, depressa se percebe "que tinha parado de ter qualquer esperança, sonhos ou objectivos. Chamei isso de meu momento Peggy Lee".  Então a droga é só isso?

Assim sendo, "Eu sei o que devem estar dizendo a si mesmos: Se é assim que ela se sente, por que ela simplesmente não acaba com tudo?
- Ah, não, não eu, eu não estou pronta para essa decepção final. Porque eu sei tão bem quanto estou aqui falando com você que quando esse momento final chegar e eu estiver dando meu último suspiro, estarei dizendo a mim mesma:
É só isso, é só isso?
Se é só isso, meus amigos, então continuemos dançando.
Vamos beber  e divertir-nos.
Se é só isso."

Não é só isso. Não pode  ser só isso: viver por viver. Podemos sempre superar as dificuldades, superar o trauma. Podemos, sempre, ser resilientes e prosperar, se quisermos. Podemos fazer o caminho da psicoterapia, o caminho do florescimento,  o caminho da espiritualidade e, se é pessoa de alguma fé, o caminho da ressurreição.

A falta de um propósito para a vida parece fundamentar esta falta de interesse pela vida. logoterapia (Victor Frankl), diz-nos que a vida tem um sentido e, se assim é,  pode se ser o começo da psicoterapia/cura.
M. Seligman criou o modelo de florescimento constituído pelos seguintes elementos: emoção positiva, envolvimento, relações,  significado, realização pessoal (PERMA).
Florescer permite uma cultura de cuidado, do próprio e do outro, fazendo o mundo mais bonito por dentro, e, ao  cuidar da natureza, fazendo o mundo mais bonito por fora. A beleza vem da escolha: podemos escolher entre a "vida vazia" ou "a vida plena". Como diz Epicteto, "Não és o teu corpo nem o teu penteado, mas sim a tua capacidade de escolher bem. Se as tuas escolhas forem belas, então serás belo". (Ryan Holiday e Stephen Hanselman, Estoico todos os dias, p. 110)
"A vida vale a pena ser vivida", mesmo contra "os pensamentos catastróficos automáticos" (Seligman, p. 65) e "Todos podemos dizer sim a mais bem-estar" (p. 257). 
Florescer é, afinal, encontrar o bem-estar na vida, como é definido por Seligman. E isso está a acontecer em muitos países. Nuns mais do que noutros. Felicia Huppert e Timothy So, da Universidade de Cambridge, definiram e avaliaram o florescimento em  23 países da União Europeia (2009). A Dinamarca liderava o ranking com 33% da população florescendo. E Portugal estava em penúltimo lugar com  cerca de 7%. (pp. 41-43 e 254-257) 

No início de Agosto, mês de férias, e, portanto, mês de sair da azáfama quotidiana de procura incessante das riquezas - vaidade - a primeira leitura, na liturgia de domingo, apresenta um texto lindíssimo do Eclesiastes: vaidade das vaidades tudo é vaidade. 
Salomão (Eclesiastes), suposto autor, desiludido e amargurado depois de uma vida de glórias e prazeres, constata a inutilidade de todos os esforços do homem e conclui que tudo na vida é “vaidade” ou “ilusão”.
Então, onde procurar o bem-estar? Se tudo é vaidade, tem de ser noutro lugar para que tudo faça sentido.

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As referências são de M. Seligman, A vida que floresce, estrelapolar/Leya, 2011.





Rádio Castelo Branco

26/06/25

Olá, solidão!





À medida que vou envelhecendo tenho mais necessidade de estar acompanhado, compreendo melhor a necessidade de estar com os outros e fico ansioso quando sinto que estou só, mesmo que isso signifique apenas isolamento social e não solidão não desejada.
De facto, estar rodeado de gente não resolve os sentimentos de solidão. Como o contrário, viver sozinho não é sempre sinónimo de sentir solidão. 
Refiro-me à solidão que faz mal à saúde.

Segundo V. Murthy, referido por Isabel Sánchez, a solidão “alastra como uma epidemia”, uma "epidemia oculta”, como foi referido no Reino Unido que criou o Ministério da solidão. (1)
Isabel Sánchez em A Cultura do Cuidado refere que “A solidão é um problema de saúde pública. E não é por acaso que foi integrada pelos governos de alguns países nas respectivas agendas de trabalho (2); a solidão está na origem e é um agente promotor das grandes epidemias do mundo atual, desde o alcoolismo e a dependência de drogas até à violência, à depressão e à ansiedade”.
“Mas a solidão não afeta apenas a saúde; afeta igualmente, o comportamento das crianças na escola, o nosso rendimento no trabalho, bem como o sentimento de divisão e polarização que domina sociedade.” (p. 134)
“... O que está presente no fundo da nossa solidão é o desejo inato de nos relacionarmos com os outros, porque o ser humano é uma criatura social...” (p.135)

Sabemos bem a importância da relação social para o desenvolvimento da criança; conhecemos as experiências de carência de contacto, carência de afeto e vinculação em que certas crianças ficaram e quanto isso perturbou o seu desenvolvimento.
Sabemos da importância que a necessidade do outro tem no grupo de adolescentes; enquanto adultos a importância do outro no trabalho ou, quando na velhice, precisamos de alguém que nos ajude em tarefas essenciais das actividades da vida diária que nós já não somos capazes de fazer.

A solidão “é um dos males do nosso tempo, uma pandemia do presente, que provoca mais mortos que a poluição ambiental, a obesidade e o alcoolismo... o isolamento afeta a qualidade do sono e faz aumentar os sintomas depressivos e os níveis matinais de cortisol que é a hormona do stress”... (Facundo Manes, referido por I. Sánchez, p.135)

Também em Portugal vivemos esta realidade. Um estudo com mais de 1200 pessoas entre os 50 e os 101 anos, concluiu que: 
- as mulheres (20,4%) sofrem mais de solidão do que os homens (7,3%).
- as pessoas com menor escolaridade apresentam mais solidão (25,8%).
- o sentimento de solidão aumenta com a idade: 9,9% dos 50-64 anos; 26,8% com 85 anos ou mais.
- é mais frequente nas pessoas viúvas (30,6%) e nas pessoas solteiras (15,8%) do que em pessoas casadas (9,2%).

As férias que estão a chegar são uma excelente oportunidade para novos contactos sociais ou para renovar contactos sociais que, eventualmente, estavam perdidos, desde logo dentro da nossa família, com os nossos filhos ou com amigos que não víamos há muito tempo. É um tempo em que podemos refazer relações sociais que nos devolvam a alegria de viver. 


Desejo a todos umas boas férias.



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(1) Marta Rebelo, "Precisamos de um Ministério da Solidão?" Visão, 10.03.2021 ;  "Há países que já têm um Ministério da Solidão. E Portugal?" Agência Lusa , CM.

(2) No nosso país foi aprovado o Plano Nacional de envelhecimento activo (Resolução do Conselho de Ministros nº 14/2024, de 12-1 )




Rádio Castelo Branco






20/06/25

“Mal-estar na civilização”


Ouvimos dizer que o mundo está polarizado. Mais do que isso: o mundo está em guerra e assistimos a atrocidades inimagináveis.
Este século começou mal, com um ataque violento aos Estados Unidos em que foram derrubadas as torres gémeas com cerca de 3000 pessoas mortas (2.977, além dos 19 sequestradores dos aviões). O 11 de Setembro é considerado o ataque com o maior número de mortos da história. Além disso, foi uma tragédia que mudou, em vários aspectos, os rumos do mundo.
Depois veio a pandemia cujos resultados, como estamos agora a constatar, não deixaram tudo bem, antes pelo contrário.
Vivemos, pelas paredes-meias da comunicação social, com a guerra da Ucrânia-Rússia, Israel-Gaza-Irão.

Vivemos “o mesmo mal-estar de que Freud nos falava no início do século XX, no texto O mal-estar na civilização, “em que apresenta uma visão pessimista da relação entre o eu e o outro. É uma visão decorrente de uma leitura que centra a reflexão em torno do conceito de narcisismo; ou seja, tomando como ponto de partida os apelos e desejos narcísicos do eu, o outro aparecerá como um obstáculo. (1) 

O ambiente está, de facto, polarizado e irrespirável. A saúde mental foi afectada de forma particularmente sensível.
Claro que as pessoas são afectadas de forma diferente. Há pessoas que são mais afectados do que outras. Ou seja, em que as vulnerabilidades pessoais são mais relevantes do que as potencialidades.

Deste desequilíbrio surge, então, a doença mental.
"Se definirmos a doença mental como uma perda de controle sobre a mente poucos de nós podem garantir estar livres de algum tipo de mal-estar."
“Quando ficamos doentes perdemos o controle sobre os nossos melhores pensamentos e sentimentos. Uma mente que não está bem não consegue aplicar um filtro à informação que chega à consciência; já não consegue ordenar e sequenciar o seu conteúdo. E a partir daqui, sucede-se uma panóplia de cenários dolorosos:
- A nossa consciência é continuamente invadida por ideias despropositadas, como vozes inclementes que ecoam sem parar...
- Somos incapazes de nos reconciliarmos com quem somos.Todas as coisas más que alguma vez dissemos ou fizemos reverberam e ferem nossa auto-estima...
- Não conseguimos moderar a nossa tristeza. Não conseguimos ultrapassar a ideia de que não fomos realmente amados, que fizemos da nossa vida adulta uma bagunça que desapontamos todas as pessoas que alguma vez tenham tido um pingo de esperança em nós...
- Todos os compartimentos da nossa mente estão escancarados. Os pensamentos mais estranhos, mais extremos, correm descontrolados pela nossa consciência. Começamos a temer que possamos gritar obscenidades em público...
- Nos casos mais graves perdemos o poder para distinguir a realidade exterior do nosso mundo interior...
- Á noite... ficamos indefesos perante as nossas piores preocupações... (2)

Mas a vida é assim. A verdadeira saúde mental, diz-nos Alain de Botton, envolve uma aceitação honesta de que, mesmo nas vidas mais competentes e significativas, haverá sempre algum grau de sofrimento e dificuldades...


Até para a semana.


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(2) Alain de Botton, Uma viagem terapêutica, D. Quixote, p. 16-19.




Rádio Castelo Branco




06/06/25

Activismo e manipulação


A comunicação social vai dando conta de episódios como este: "As autoridades detiveram quatro ativistas por "desobediência" ao tentarem bloquear uma via de acesso ao Aeroporto Humberto Delgado. O protesto tem como lema “travar a crise climática”. Ou como este, mais antigo: "Sítio pré-histórico inglês de Stonehenge pulverizado com tinta por ativistas ambientais"...

“Quando pensamos em ativismo, muitas vezes associamos o termo a demonstrações públicas, construção de barricadas, bem como atividades engraçadas e criativas pensadas para chamar a atenção para uma causa.“
Na maioria das vezes, essas atividades não são projetadas para criar ou propor consenso. Elas são pensadas para convencer ou informar as pessoas para, por exemplo, obter apoio popular para uma causa ou colocar um problema na agenda pública... (1)
O que caracteriza o activismo é essencialmente o protesto público e a influência dos decisores. 
Substancialmente, trata-se de uma forma de manipulação da mente. Os objectivos do activismo são os de quaisquer outras formas de manipulação, servindo-se das repercussões que causa através dos meios de comunicação social.
De facto, todos sabemos do poder de manipulação que os media oferecem à política,  à economia, ao consumo, ao marketing, publicidade, propaganda e acção psicológica...
Claramente, os activistas outra coisa não fazem do que inventar formas de manipular os comuns mortais com a finalidade de levar à tomada de decisão no consumo, na moda, nos comportamentos a adoptar segundo os padrões por eles definidos.

Acontece que num regime democrático existem instituições que dentro da diversidade de propostas políticas escolhidas pelo povo eleitor devem tomar as decisões necessárias ao seu governo.
Ora o activismo não aceita estes procedimentos. Em vez disso, utiliza actividades se possível espectaculares, para manipular as pessoas e levá-las a aderir aquilo que democraticamente não conseguem. 
Rui Ramos diz que “os activistas são os que nunca têm mais que fazer, os que nunca duvidam, os que nunca admitem que a questão pode ter outro lado, os que estão prontos para tudo. Vivem num mundo simples, a preto e branco, imunes a todas as nuances. Mantêm-se, em todos os sentidos da palavra, inocentes: puros e inconscientes. Existem para a acção." (2)

Mas o que faz com que uma pessoa se torne activista? (3)
- A educação parental e a modelagem parece ser um factor importante. Num estudo, verificou-se que os alunos cujos pais lutaram no Vietnam eram muito mais propensos a protestar contra a Guerra do Golfo de 1991 do que aqueles cujos pais não eram veteranos de guerra.
- A personalidade também pode ter importância. Há indivíduos que têm maior probabilidade de sentir uma conexão pessoal se se vêem como parte da comunidade afectada por um problema, como, por exemplo, a identidade com os direitos das mulheres...
- Alguns actos aparentemente podem parecer altruístas , definidos como devoção aos interesses dos outros, mas, na verdade, advêm do desejo de ajudar a si mesmo...

Sabendo disto, está em cada um de nós ter a capacidade crítica para desobedecer aos chefes do activismo e fazer as escolhas da transparência, da coerência, da autenticidade... que possam trazer as respostas necessárias a um mundo melhor.



Até para a semana.



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(3) "What Makes an Activist?", Anne Becker, Psychology Today, 1-7-2003 (última revisão 9-6-2016)





Rádio Castelo Branco





01/06/25

Os anjos vão dormir...



Os anjos vão dormir...


Os anjos vão dormir: a noite cai
mas libertam os astros para desvendarem
o que apaixona os homens sobre a terra,
que gritos soltam estes, como fazem guerras
e criam desencontros de hora a hora
e se atropelam sem real razão.

Pena que a escuridão seja tão longa,
que o reinado de estrelas não dissipe
o negro tenebroso da maldade:
o breu a consumir cabal alívio
ou confiança no florescimento.

Como saber se os anjos   quand' aurora
virão, calmos de sono, despertar-nos ?

António Salvado, Repor a luz

 

Mais um dia 1 de Junho em que se comemora o Dia Mundial da Criança. Assinalado, pela primeira vez, em 1950, por iniciativa das Nações Unidas, com o objetivo de chamar a atenção para os problemas das crianças, mantém-se mais necessário do que nunca quando vivemos, principalmente as crianças, com "o negro tenebroso da maldade: o breu a consumir cabal alívio ou confiança no florescimento".



29/05/25

Vitórias e derrotas


No futebol como na política, no (nosso) clube ou no (nosso) partido, tem que se conseguir a vitória a todo o custo e a derrota não pode existir. 
Em todos os jogos da nossa vida, no jogo familiar, sindical, interpessoal, transformamos cada vitória ou derrota num assunto tão fundamental que reagimos com emoção de forma desproporcionada, ou arranjamos maneiras de enviesar e alterar a realidade do fracasso.

Porque é tao dificil assumir a derrota? Já nos habituámos a ver, nas noites eleitorais, transformar derrotas em vitórias. Há quem nunca perca e seja incapaz de ver a realidade. Assistimos muitas vezes a episódios de quem não sabe perder e até tem mau perder. 
E o que é mais espantoso: porque não se sabe ganhar? Por que é que nas vitórias tem que haver vingança e manifestações violentas ?

Experiências positivas e negativas, vitórias e derrotas afetam o cérebro de maneiras diferentes.  (Veja o que acontece no cérebro na vitória e na derrota)
Na vitória, o cérebro liberta substâncias químicas, principalmente dopamina, que é frequentemente associada ao prazer e à recompensa. Cria uma sensação de euforia e satisfação, que incentiva a repetir comportamentos que levam ao sucesso. 

Por outro lado, numa derrota, o cérebro liberta dopamina em níveis muito menores. Em vez disso, outras áreas do cérebro, como a amígdala, que está associada às emoções e ao processamento do medo, tornam-se mais activas. Isso pode levar a sentimentos de frustração, tristeza ou, até mesmo, raiva.

A maneira como a mente interpreta uma derrota pode influenciar a resposta do cérebro. "Pessoas que vêem a derrota como uma oportunidade para aprender tendem a recuperar mais rapidamente e a serem mais resilientes. Isso sugere que a mentalidade desempenha um papel crucial na forma como o cérebro processa falhas e sucessos".

Na experiência de M. Seligman sobre o fracasso aprendido sabemos que podemos ser ainda mais prejudicados, a ponto de nos deprimirmos: nunca ganho, tudo corre sempre mal, perdido por cem perdido por mil...

Psychologies
Por outro lado, sabemos que cada fracasso pode ser um progresso para o sucesso. Mais do que lamentar-nos dos fracassos, é preciso celebrá-los como etapas cruciais do nosso percurso. Cada fracasso é uma lição, cada decepção é uma oportunidade de crescimento. Devemos aceitar os desafios, porque eles são o que nos torna mais fortes e nos impulsiona. Por isso, não devemos ficar presos em pensamentos negativos. Cada dia oferece uma nova chance de nos reinventarmos e construir um futuro mais positivo.

Eduardo Sá em "As derrotas das vitórias", refere: “O que custa numa noite de eleições é que muitos dos que concorrem nunca percam. Mesmo quando perdem. Na verdade, desistem de se confiar às suas derrotas e de crescer com elas. E demonstram, nesse momento, que se desencontraram da humildade de reconhecer a dor.”

Para concluir, podemos dizer que é derrotado quem não sabe perder mas é igualmente derrotado quem não sabe ganhar mesmo que a evidência seja menos óbvia.


Até para a semana.





Rádio Castelo Branco