24/04/25

Um caminho a continuar



Francisco veio de longe para ficar perto. Ficar perto dos mais vulneráveis. E este é um dos papéis que o Papa Francisco assumiu e que mais me tocou neste tempo que durou o seu pontificado.
Encontramos, certamente, diferenças com outros que o antecederam mas também continuidade. É o que acontece em relação à violência sexual contra crianças, jovens e pessoas vulneráveis. Se Bento XVI já tinha objectivado o papel da Igreja na eliminação deste grave problema da Igreja e da sociedade (Luz do mundo – O Papa, a Igreja e os Sinais dos Tempos – Uma conversa com Peter Seewald), foi Francisco que convocou a Cimeira no Vaticano sobre a protecção dos menores na Igreja (21 a 24-2-2019).
Também as Comissões diocesanas de prevenção e protecção de menores e pessoas vulneráveis foram criadas na sequência da publicação, pelo Papa Francisco, em 9-5-2019, da Carta Apostólica “Vos estis lux mundi” (“Vós sois a luz do mundo”) sobre a violência sexual no seio da igreja Católica. 

A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) decidiu criar a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal, na Assembleia Plenária de novembro de 2021. A Comissão Independente apresentou em 13-2-2023, o Relatório da investigação efectuada. 


Em 5-2-2022, as Comissões Diocesanas, reunidas em Fátima, tomaram a decisão de criar a Equipa de Coordenação Nacional (ECN), integrando representantes das províncias eclesiásticas de Braga, de Lisboa e de Évora.

A CEP, na Assembleia Plenária de 25-28 de Abril de 2023, criou o Grupo VITA, apresentando-se como um organismo “isento e autónomo que visa acolher, escutar, acompanhar e prevenir as situações de violência sexual de crianças, jovens e adultos vulneráveis no contexto da Igreja Católica em Portugal, numa lógica de intervenção sistémica”. Entrou em funcionamento em 22-5-2023 e tem vindo a apresentar Relatórios de Actividades semestralmente.

 

Tendo em vista uniformizar procedimentos e garantir a adequada articulação entre VITA, ECN, Comissões diocesanas, Procuradoria-Geral da República, assim como  a actuação no apoio psicológico, psiquiátrico e espiritual das vítimas e agressores, em 16-11-2023, a CEP aprovou o “Guia de Boas Práticas” para o tratamento de casos de abuso sexual de menores e adultos vulneráveis, no contexto da Igreja Católica.

 

Em 25-7-2024, a CEP divulgou o Regulamento para atribuição de compensações financeiras às vítimas de abusos sexuais, que prevê a criação de duas comissões, a Comissão de instrução e a Comissão de fixação da compensação. Estão em curso estes procedimentos.

A CEP, na Assembleia Plenária de Novembro, aprovou uma Adenda com algumas clarificações ao processo das compensações financeiras, e também o alargamento do prazo de apresentação dos pedidos até 31-3-2025.


Em todo o país têm vindo a ser tomadas medidas de prevenção primária, tais como Ações de Formação para os diversos Agentes pastorais e a criação de mapas de risco e de códigos de conduta nos diversos sectores de intervenção da Igreja.


Esta breve nota histórica sobre a prevenção e protecção de menores e adultos vulneráveis no seio da Igreja Católica releva, no contexto atual de funcionamento das Comissões Diocesanas, a necessidade de articulação e cooperação entre as várias entidades com responsabilidades nesta área: as Comissões diocesanas, o Grupo VITA, a ECN, a CEP e as Dioceses.

Manifesta também o caminho percorrido e a percorrer na prestação de um serviço que deve dar confiança, segurança e cuidado a todas as vítimas de abuso dentro da Igreja. Pode ainda ser sugestivo daquilo que é necessário fazer na sociedade.

 

 




Rádio Castelo Branco







21/04/25

O vínculo do Amor



87. O ser humano está feito de tal maneira que não se realiza, não se desenvolve, nem pode encontrar a sua plenitude «a não ser no sincero dom de si mesmo» aos outros. E não chega a reconhecer completamente a sua própria verdade, senão no encontro com os outros: «Só comunico realmente comigo mesmo, na medida em que me comunico com o outro». Isso explica por que ninguém pode experimentar o valor de viver, sem rostos concretos a quem amar. Aqui está um segredo da existência humana autêntica, já que «a vida subsiste onde há vínculo, comunhão, fraternidade; e é uma vida mais forte do que a morte, quando se constrói sobre verdadeiras relações e vínculos de fidelidade. Pelo contrário, não há vida quando se tem a pretensão de pertencer apenas a si mesmo e de viver como ilhas: nestas atitudes prevalece a morte».



02/04/25

Histórico e ressentimento


Tudo o que fazemos, dizemos ou sentimos fica guardado na memória. E logo que isso acontece começa a haver história. 
Porém, sabemos que não há memória sem esquecimento como também sabemos que a memória nos engana e aquilo que pensamos ser um facto vivenciado por nós em determinadas circunstâncias objectivas, pode não ser bem assim. 

Seja como for, há um conjunto de memórias onde ficam guardados acontecimentos da nossa vida que constituem o "histórico" dessa mesma vida, a memória autobiográfica.
Esse histórico é fundamental para nos situarmos no mundo e faz parte da experiência que temos do comportamento de ir juntando acontecimentos, factos, pequenas e grandes coisas que vão ganhando ou perdendo importância e quando vistas no contexto podem ser amplificadas ou simplificadas... até nos dar jeito. 

O histórico tem um lado positivo quando ele nos serve para vermos a realidade tal como ela é, os factos e como aconteceram, e tem um lado negativo quando nos serve para justificarmos o nosso ressentimento. *
O que vem depois é o efeito gota de água que faz transbordar o copo. E infelizmente, há sempre uma gota de água que vem a calhar, quando nos dá jeito, para podermos justificar o nosso comportamento. 
Quando achamos uma oportunidade lá vamos nós buscar o histórico, o nosso ressentimento: no dia tantos fizeste-me isto, fizeste aquilo...
E sai todo um relatório de “deve e haver” em relação à nossa vida e à relação com quem naquele momento é fonte da nossa frustração e objecto da nossa raiva.

Esta interligação está muitas vezes na origem do ressentimento que existe entre pessoas, num casal, na família, no trabalho, nas instituições sociais e políticas.
Hoje o ressentimento está presente em muitas situações e visões da sociedade.
Há cada vez mais indivíduos ressentidas: vitimizados, ofendidos, magoados, ressabiados e melindrados...

Nós não somos computadores e não podemos apagar o nosso  histórico como fazemos ao nosso hardware. A nossa memória apaga alguns acontecimentos mas outros ficam presentes, ou são alterados fazendo com que demos interpretações dos factos que não correspondem à realidade.
Podemos passar por esses eventos e nunca mais pensar neles. Mas podemos também desenvolver o ressentimento. 

“O ressentimento pode fazer mal às nossas relações e ocasionar um conjunto de emoções negativas.” (Louise Leboyer, "Ces comportements cultivent votre ressentiment envers les autres au quotidien", Psychologies, 24 março 2025 )
“As pessoas guardam muito os seus ressentimentos porque se baseiam no profundo sentimento de terem sido injustiçadas.
Além do impacto nos nossos relacionamentos, o ressentimento causa mais danos à pessoa que o sente do que à pessoa a quem é dirigido. 
É por isso que é melhor tentar evitar cair neste ciclo negativo.“
Podemos evitar (Susanne Wolf) alguns comportamentos envolvidos na comunicação que podem ser fonte de ressentimento.
Por isso, uma comunicação saudável é uma boa prevenção: Estabelecer limites claros; evitar a manipulação ou relações interesseiras; ser coerente entre palavras e actos, valores e crenças; saber escutar... 



Até para a semana. 



____________________________

* "O ressentimento descreve uma reação emocional negativa quando se é maltratado. Não existe uma causa única para o ressentimento, mas a maioria dos casos envolve uma sensação subjacente de ser maltratado ou injustiçado por outra pessoa. Experimentar frustração e decepção é uma parte normal da vida. Quando os sentimentos se tornam muito opressores, podem levar ao ressentimento. Quando isso acontece, a confiança e o amor nos relacionamentos são quebrados e às vezes nunca reparados."  (Signs of Resentment - Web MD)




Rádio Castelo Branco