30/09/24

Equilíbrio natural


A chuva chegou, de manhã e de mansinho. O tempo de Setembro,  ameno e acolhedor, convida ás actividades agrícolas ou de lazer... A natureza, afinal, também nos dá esta calma e bem-estar, este sentimento de serenidade, de poder olhar até onde a vista alcança e apreciar os últimos legumes e frutos do verão: ainda há curgete, tomate, os canteiros estão cheios de rúcula, espinafre, salsa, coentros e agrião, os pêssegos de Setembro estão agora deliciosos mesmo com algum bicho à mistura, e ainda se mostram os últimos figos e framboesas; começam a aparecer os dióspiros e os kiwis ainda têm que esperar...
Tudo à nossa volta nos ajuda no equilíbrio da nossa mente e as quatro estações completam o seu ciclo milenar de mudança constante. As alterações climáticas, afinal, foram sempre assim. Quando era criança os ribeiros saíam do leito. Há setenta anos que isso não acontece mas não estamos livres de voltar a acontecer.

Como Alberto Caeiro: “Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo”. Da minha quinta não sou capaz de deduzir a explicação científica do mundo mas consigo ver, ouvir e ler as mudanças que o afectam. 
Não sei nada de clima, nem de alterações climáticas nem de ambiente ou ecologia... e muito menos de javalis. Mas da minha aldeia observo a natureza e sei que os javalis andam por lugares que não era costume.

Leio explicações (Carlos Dias, "Reforço da caça vai travar invasão de javalis? "Chamem o Obélix, pede agricultor", Público , 21 de Julho de 2024):
- “os incêndios florestais de 2017 e a pandemia de covid-19 terão potenciado o aumento desmesurado de javalis. Relatos sobre danos em cultivos, acidentes rodoviários e transmissão de doenças acumulam-se."
- “Estes dois fenómenos, um a seguir ao outro, encaminharam milhares de javalis para as zonas urbanas, e até praias do litoral (Arrábida), em busca de alimento que deixaram de ter no seu habitat natural."
- "uma estimativa da Universidade de Aveiro admite (o número de javalis) poder oscilar entre os 150 mil e os 400 mil."
- "Em 2023, a área (de milho) destruída afectou cerca de 3% da produção nacional e resultou numa perda de “cerca de oito milhões de euros”. (Associação de Produtores de Milho e Sorgo (Anpromis)).
- Mas “a ameaça maior está no potencial perigo para a saúde pública e os aparcamentos de suínos, através da propagação de doenças como... a peste suína africana (PSA), o pesadelo dos criadores de pecuária extensiva.”

Perante isto, era bom que associações de caça, caçadores, partidos, incluindo os chamados ecologistas, os governantes, os cientistas e investigadores e os técnicos de saúde pública, se pusessem de acordo para resolver este problema.
No meio destes desentendimentos sobre uma coisa que parece simples de resolver há pessoas que trabalham e vêem as suas culturas destruídas, as suas quintas completamente fossadas e estragadas. Há pessoas preocupadas, que não dormem sossegadas e vivem na angústia de ver tudo estragado de um dia para o outro.

Mas os que têm o poder de decidir continuam a fazer belos discursos na conferência do clima, nos parlamentos, nos governos, sobre as alterações climáticas. Continuem... Por enquanto, ainda haverá couves para o bacalhau do Natal. Só não sabemos até quando.


Até para a semana.



Rádio Castelo Branco




07/09/24

Éramos novos e especiais

 



Foi há 50 anos. Em 7 de Setembro, a 1ª CART 6523 estava de regresso da Guiné, terminando, assim, um tempo de dedicação à Pátria, encurtado pela ocorrência do 25 de Abril de 1974, embora a esperança de mudança e de regresso habitasse desde sempre nos nossos corações.

Passámos por muito mas sobrevivemos ao tempo de guerra. Era agora necessário sobreviver ao tempo de paz, aos momentos difíceis e inesperados da "luta pela vida", ao conflito existencial dentro de cada um de nós, quando a brisa do entardecer nos traz à memória os sons do último ataque a Madina, de Buruntuma, lá longe, a "embrulhar", ou do medo das minas na picada. Eram noites seguidas de noites assim. Também lhe chamam stress pós-traumático.
Era o regresso, momento de paz, de alegria breve. Era o tempo de voltar à faculdade ao curso de Psicologia que tinha interrompido. E como estava diferente a Academia! Reuniões todos os dias, ou quase. As aulas podiam esperar, o "processo revolucionário em curso", caótico, era urgente. Enquanto o império se desfazia e outros o ocupavam,  o país não se encontrava.

Os que, nesse tempo, viveram em Madina Mandinga sabiam que todos os dias sonhavam com um pouco da paz. Éramos, de facto, muito novos e muito especiais, A nossa maneira de estar, sentir e viver aquele conflito não era comum por aqueles lados. Cantávamos, sempre, músicas de amor e paz, de protesto e revolta, do Cancioneiro de Madina: "Eu digo-te adeus sem qualquer tristeza ..." adaptado de um "Adeus Guiné, tenho já dever cumprido" obliterado para uma versão que não seria mais do que, no máximo, uma "atitude impensada da juventude", como diria o Capitão José Luís. Não era sequer uma atitude rebelde e muito menos de espírito revolucionário, como muitas outras que animavam as nossas tardes e noites, espantavam os nossos medos e alarmavam os que nos visitavam...
Sim, cantávamos por lá tudo o que cantávamos por cá, do Adriano, do Zeca, do Fanhais... tudo o que ia da canção de protesto à canção de intervenção. Também por isso, talvez estejam na Guiné as raízes mais fortes que deram origem à mudança: "A revolução antes da revolução". (L.F. Branco)

Finalmente, tinha chegado esse dia: os "Leões de Madina", estavam de regresso a casa. Do aeroporto para o RAL1, em coluna militar, timidamente respondíamos a um V de vitória que o povo exibia exuberantemente e nos indiciava que os militares eram os heróis do 25 de Abril. 

Os que ainda restam desse tempo, comemoraram hoje, em Fátima, 50 anos de regresso. Os que restam, puderam e quiseram, fizeram questão de estar presentes para celebrar a amizade que resultou de uma vivência singular. Os que já partiram gostariam também de estar aqui e, de algum modo, estarão sempre. 
Reunidos mais uma vez, para suavizar esse conflito, que sempre existe, inconsciente, qual momento de vivência da fraternidade que nos ajuda na superação de todas as memórias de aflição e também nos conforta na amizade serena.

Ao partir do bolo de aniversário, com o ex-alf. Baptista, disse o que sinto e que nos une: houve um momento das nossas vidas, em que nos encontrámos e nos entregaram esta missão e, desde aí, a vida de uns passou a depender da vida dos outros, ao nosso lado, para sobreviver. O sucesso de um era o sucesso de todos - pelotão, companhia. Por isso, comemorar é um momento de terapia em que sentimos e percebemos porque queremos estar juntos.

Quis a Fortuna que se juntasse um grupo de jovens, com tantas diferenças e tantas circunstâncias, educação e formação bem distintas mas que tinha em comum comportamentos marcados pelo humanismo, pelo cumprimento dos direitos humanos, pela solidariedade com os mais frágeis, os que tinham fome, os que estavam doentes, os que não tinham habitação...

Como são diferentes as guerras actuais, como, na homilia, disse o P. Jorge, com tanta crueldade, sem regras e sem lei internacional, que crescem por esse mundo e mostram o coração insensível aos caminhos da paz... 

É reconfortante constatar que éramos tão novos e, de facto, muito especiais.




01/09/24

Hoje apetece-me ouvir



1. Hoje é o Dia Nacional das Bandas Filarmónicas. 

"As estimativas apontam para a existência de mais de 600 bandas em Portugal e, de acordo com um inquérito feito em 2001 pela Direção Regional de Cultura do Centro, esta designação engloba agrupamentos de 17 a 83 músicos. As bandas apresentam-se geralmente com uniformes personalizados e reconhecíveis, incluindo chapéu, e muitas vezes usando insígnias para distinguir e identificar a comunidade à qual pertencem. Os músicos são quase todos amadores, no sentido em que a música não é a sua carreira, não obstante o facto de, ao longo dos últimos 30 anos, um número crescente de músicos destas bandas procurar formação musical em escolas oficiais de música, elevando assim a sua qualidade técnica e o potencial musical de uma forma bastante notória." (Bandas Filarmónicas: 200 Anos de Música em Comunidade)
Um trabalho extraordinário. Parabéns.

2. Em 1 de Setembro de 1610, a obra musical Vespro della Beata Vergine de Claudio Monteverdi é publicada pela primeira vez, impressa em Veneza e dedicada ao Papa Paulo V.

Monteverdi - Vespro della Beata Vergine - Gardiner