17/12/25

"A Criança é hoje"



Da capa de A criança e a família, de Françoise Dolto, Pergaminho



Foram trinta e três anos de programas e crónicas na Rádio Beira Interior (RBI), actualmente Rádio Castelo Branco (RACAB). Desde 1992 participei em  programas como “Falar de educação” e “Avenida Central - Falar claro...sobre educação”  e “Conversas Informais” e, desde 2007, faço semanalmente a crónica "Opinião”.

Durante esse tempo aqui, nesta Rádio, falei da importância da  psicologia na vida quotidiana das pessoas e  do relevo que merece a educação e a defesa dos direitos da criança. 

Falei da minha experiência num Serviço de psicologia e orientação (SPO) e dos desafios que este trabalho apaixonante, todos os dias, colocava.

Falei em especial para os pais, educadores e professores.

Estas crónicas são o reflexo do que sou e do que faço, do que acredito, da minha ansiedade e também do que detesto e contesto... 

 

A evolução das políticas de protecção das crianças foi enorme, principalmente a partir de meados dos séc. XX, em todo o mundo, em que as crianças puderam ver os seus direitos reconhecidos na Declaração dos direitos da criança (1959)  e na Convenção dos direitos da criança (1989). 

Também no nosso país a evolução na protecção da infância  deve ser motivo de orgulho, com destaque para os últimos 50 anos, com o acesso generalizado de todos a todos os níveis de educação.

Uma das realizações mais importantes foi a criação das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ)  em que participei desde o seu início, em 1993. *

 

É necessário e urgente continuar a criar ambientes seguros e protegidos nas famílias, nas escolas, nas instituições sociais, onde as crianças se possam desenvolver harmoniosamente. Porque, como sabemos, apesar dessa evolução estamos muito longe de cumprir esses direitos. Três exemplos de situações de perigo:

- Segundo a Unicef, morrem à fome um milhão de crianças por ano.

- O número de crianças expostas à violência em zonas de conflito armado atingiu 520 milhões em 2024, fixando um novo recorde pelo terceiro ano consecutivo. (Save the Children)

- O aumento da violência sexual, em particular na internet, é assustador e as crianças estão permanentemente em perigo.

 

Mas o nosso trabalho não é só pôr cobro aos maus tratos. A protecção da criança começa, verdadeiramente, com os bons tratos, de que faz parte o direito ao afecto.

É gratificante saber que cada vez mais a sociedade compreende a relação adulto-criança nesta perspectiva, como bem exprime Manuela Eanes, presidente honorária do Instituto de Apoio à Criança (IAC): "A angústia por falta de amor, por carências graves no aspecto afectivo, marca mais a Criança do que a fome ou o frio. Como dizia  Gabriela Mistral, de uma forma tão bela:

Muito do que precisamos pode esperar. 

A Criança, não.

Não se lhe pode dizer amanhã.

Seu nome é Hoje."

("O papel da Família no desenvolvimento da Criança e da sociedade", in Identidade e Família, p. 94)


Quero deixar, nesta crónica, um grande agradecimento às pessoas com quem trabalhei mais directamente, Isabel Moreira, Graça Lourenço, Manuela Cardoso e Ricardo Coelho,  e igualmente à gestão da RACAB,  pela liberdade de expressão que sempre tive e por me terem ajudado a levar esta informação aos ouvintes que tiveram a paciência de me ouvir durante tantos anos.

 

Muito obrigado.

 

 

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* Inicialmente designada Comissão de Protecção de Menores. A Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, viria estabelecer o Regime jurídico da proteção de crianças e jovens em perigo.





Rádio Castelo Branco






13/12/25

11/12/25

A familia e o Natal



Natal é tempo da família e da infância, é tempo de partilha de afectos e de presentes, de bons sentimentos em relação aos que nos são próximos e a todo o ser humano.
Também acontece que no Natal, os ausentes estão presentes e os que deviam primar pela presença estão ausentes. Tanto as recordações como as ausências geram sofrimento, saudade e tristeza. 
Seja como for, a família é o melhor ambiente para que esses afectos se concretizem.

Mais de um ano decorreu após a publicação do livro Identidade e família. Um livro colectivo com mais de vinte autores, com diversas visões sobre a família ... 
Não se fizeram esperar criticas á publicação do livro. E, no entanto, mantém toda a importância e actualidade no que se refere à família.

As funções da família são de grande diversidade: desde a função biológica de geração dos filhos, ao crescimento num ambiente de amor, associado ao processo de socialização, de aprendizagem e educação, ao cuidar dos mais novos e cuidar dos mais velhos.
Por outro lado, já aqui o tenho referido, a família tem varias estruturas e, basicamente, podemos dizer que onde há uma criança há uma família. E é a presença de uma criança que define a família.
Estudei algumas estruturas familiares como as famílias reconstituídas e, genericamente, concluímos que eram famílias tão adaptativas como as famílias com outras estruturas tradicionais.

Como todos nós, as crianças aprendem por modelagem, mas não é determinante o facto de haver uma ou outra estrutura familiar. O que é fundamental é que todas as crianças têm pai e mãe, independentemente da estrutura familiar em que estejam inseridas.
Por vezes, ouvimos dizer que “tal pai, tal filho” ou “sai à mãe” ou “é como o avó”.... Mas o que acontece é que cada um de nós tem a capacidade de escolher aquilo que prefere e essa escolha vai muitas vezes contra a opinião dos pais ou dos familiares. E não é só na opção relativa aos clubes de futebol que isso acontece!

Há dias numa escola, nas fotografias escolares, foram eliminados os símbolos de Natal porque não se queria ofender ninguém de outras culturas.
Noutra escola não se comemorava o dia do pai porque há crianças que não têm pai. 
Ou será que não sabem quem é o pai ? Se nem todas as crianças têm um pai presente ou registado, isso não invalida que ter pais seja um direito fundamental.
Na realidade, muitas crianças vivem em famílias monoparentais ou sem a figura paterna, ou são registadas sem o nome do pai. *
Então, porque existe um problema, deixa de se fazer uma actividade... Porque não pode ser o dia do pai e de quem cuida, de quem exerce a função paternal ?

A verdade, como sempre, parece ser o caminho a seguir. Fingir que alguém não tem pai é que não é opção. Neste Natal não seremos filhos de pais incógnitos ou como canta José Afonso “não seremos pais incógnitos”. (*)
A vida faz sentido quando temos afecto, uma identidade, pertencemos a alguém e a algum sítio, vivemos em paz e temos um espaço afectivo seguro. 
Neste Natal, é apenas isto que estão a pedir as nossas crianças.
 
A todas as famílias que amam os seus filhos um feliz Natal. 
Até para a semana.

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(*) Em Portugal, a lei não permite filhos de pai incógnito desde 1977. No entanto, desde 2013 que o número de crianças registadas sem o nome do pai tem vindo a aumentar.



Rádio Castelo Branco





04/12/25

Ideias que curam - Como responder aos nossos demónios

 

No mundo caótico, incerto e sofrido, em que vivemos, imersos e baralhados em redes sociais, políticas, familiares ou do próprio Eu, procuro encontrar maneiras de resistir ao stress e manter o equilíbrio e a sanidade...
A terapia racional, emocional e comportamental (TREC), criada pelo psicólogo Albert Ellis, pode ser um contributo para manter o equilíbrio. 
Nas situações da vida de que falamos, as pessoas têm crenças racionais ou irracionais podendo as reações emocionais ser apropriadas ou inapropriadas e os comportamentos daí resultantes serem saudáveis ou problemáticos. 
Para esta terapia, o pensamento irracional é o determinante principal das nossas perturbações emocionais e por isso deve ser analisado e mudado.

O que é interessante é que uma das fontes desta terapia é a filosofia da resiliência e do autocontrole do estoicismo. *
Dentre os estoicos mais famosos, temos um ex-escravo Epicteto (55 d.C. - 135 d.C.) para quem a liberdade depende da forma como reagimos ao mundo, e um imperador, Marco Aurélio (121 d.C. - 180 d.C.) para quem o sofrimento não vem das coisas externas, mas do nosso julgamento sobre elas.
De facto, há coisas que podemos controlar como pensamentos, ações e atitudes. E há coisas que não podemos controlar como opiniões alheias, eventos externos, a morte.
Sendo assim, o estoicismo incentiva o autocontrole, a resiliência, a aceitação do que não pode ser mudado e a serenidade mental (ataraxia) para viver em harmonia com a natureza e alcançar uma vida ética e feliz (eudaimonia). 

Podemos fazer um exercício: reflectir sobre o texto de um dos dias do livro Estoico todos os dias, de Ryan Holiday e Stephen Hanselman. Foi o que fiz hoje, dia 4 de Dezembro: o tema é “Isso não lhe pertence”.
“Por muito que lutemos e trabalhemos para acumular objectos podemos perdê-los em segundos. O mesmo é verdade para coisas que gostamos de pensar que são “nossas”, mas que são igualmente precárias: o nosso estatuto, a nossa saúde física ou força, as nossas relações” (p. 411)

Se estes princípios servem para todos, terão mais importância quando somos um pouco mais ansiosos.
Neste caso, diz-nos Alain de Botton,  "as nossas relações podem nunca dar certo, alguns membros da família podem continuar a ter-nos rancor, alguns inimigos podem nunca tomar o nosso partido, não conseguiremos corrigir erros nas nossas carreiras e haverá invariavelmente quem seja cético ou puramente sádico. Porém, nada disto nos deveria surpreender e não devemos ser ingénuos ao ponto de deixar que isso afete o nosso estado de espírito. Devemos explorar a nossa tristeza irredutível em manhãs soalheiras quando as nossas faculdades racionais estão frescas e seguras, em vez de deixarmos que nos enerve com os seus ataques às três da manhã, quando estamos demasiado azamboados e cansados para saber como responder aos nossos demónios.” (Uma viagem terapêutica, p.123)


Até para a semana.



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Rádio Castelo Branco