24/03/25

Chuva... Chuva...


O tempo é assim. Imprevisível apesar das previsões. Excessivo ou com moderação. Ameno ou de tempestade. Inspirador pela doçura ou pelo medo. 
As barragens voltaram a encher contra os que diziam que não haveria mais água para isso. A neve cobriu a Serra da Estrela contra os que diziam que não ia cair.
Periodicamente, é o que acontece. Como em 2018. São estas as alterações do clima que nos fazem pensar na mudança: "mudam-se os tempos mudam-se as vontades" como cantava Camões.  E, após um mês de chuva, hoje começou a Primavera com alguns dias de atraso.
Apesar dos contratempos que causa,  a chuva, desde sempre, em todas os lugares e culturas, é música para os nossos ouvidos. 





Maurice Ravel - Jeux d'eau (orchestral version)


R. Strauss - Sinfonia Alpina


Preludio - Gota d´água - Chopin


Young People's Chorus of New York City/USA: Três Cantos Nativos dos Índios Kraó, EJCF Basel 2014





21/03/25

Por que os idosos não querem ir para um lar ?



Com algumas excepções, é o que acontece. Esta é, pelo menos, a minha experiência. A resposta dos idosos quando questionados sobre o local para onde gostariam de ir quando forem velhos é quase invariavelmente :"para um lar não".

Um conjunto de razões pode motivar tal decisão.

- Não querem perder o resto de independência e autonomia que ainda têm e não querem controlo externo para o que fazem: refeições, tempos livres, para fazer seja o que for...
- Não querem perder os vínculos afectivos que ainda existem e que de algum modo se irão perder com a entrada num lar.
- Não querem ser indiferenciados no meio de outros, com igual ou pior situação do que a deles, tornando o ambiente pesado, triste, deprimente, 
- Não querem pensar nas várias violências que são cometidas contra os idosos, que vão da infantilização, aos raspanetes por coisas sem importância, pela dificuldade em memorizar aquilo que esquecem rapidamente, por coisas que já não conseguem fazer...
- Não querem estar sujeitos a técnicos e auxiliares que não têm qualquer vocação e respeito para com os idosos.
- Não querem ser votados ao abandono principalmente pelos familiares que os despejam nos lares e deixam de os visitar.
- Não querem que lhes aconteça como a familiares, amigos e conhecidos que faleceram pouco tempo depois de terem entrado para o lar.
- Não querem perder algumas referências espaciais e afectivas importantes, como perder os amigos, as pessoas próximas e perder as rotinas que eram feitas em determinados espaços e contextos afectivos.
- Não querem pensar que o fim está próximo e “atirar a toalha ao chão”, ou seja, pensar que já se é demasiado velho.

Ora tudo isto é o contrário do que deve ser feito. Se o SNC tem plasticidade (neuroplasticidade), tem que se procurar o que faz sentido para cada um de nós.
Se me sentir acompanhado, querido pelos outros, tiver amigos... tudo isso vai influenciar e regular o sistema nervoso e manter-me mais saudável.
Estes sentimentos, como o afecto e a amizade, são fundamentais, reduzem os medos e afastam a solidão...

Não quero ter uma ideia estereotipada dos lares, generalizando sobre o que se conhece. E o que se conhece não é bom.
Claro que há excepções . Claro que há lares melhores que outros.
Claro que há técnicos competentes em todos as estruturas, sejam IPSS ou Privados, com preços acessíveis ou preços impossíveis...

Manuel Lemos, da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), em 2023, defendia “um novo paradigma, assente no apoio domiciliário”, e reconhecia “que são necessárias mais estruturas para idosos, face à longevidade, mas também outro tipo de oferta.” ( "Lares para idosos têm de evoluir e mudar de padrão" Lusa, DN31-5-2023)
Hoje o nível de escolaridade é superior, muitos idosos já são capazes de utilizar meios digitais, têm interesses diferentes...
Para Manuel Lemos, "mesmo nos lares que existem hoje, temos de encontrar uma nova forma de cuidar dos idosos”...



Até para a semana.


Rádio Castelo Branco



17/03/25

O bom da partida é o regresso


Cipriano de Rore - Ancor che col partire


Ancor che col partire

Io mi sento morire
Partir vorrei ogn' hor, ogni momento:
Tant' il piacer ch'io sento
De la vita ch'acquisto nel ritorno:
Et cosi mill' e mille volt' il giorno
Partir da voi vorrei:
Tanto son dolci gli ritorni miei







16/03/25

Camilo - 200 anos do nascimento


"Fermentou na mente dos principais lavradores e párocos das freguesias do círculo eleitoral a ideia de levar ao parlamento o morgado da Agra de Freimas."
...
"A autoridade, assim que soube da resolução do morgado da Agra, preveniu o governo de inutilidade da luta. Não obstante, o ministro do Reino redobrou instâncias e promessas, no intuito de vingar a candidatura de um poeta de Lisboa, mancebo de muitas promessas ao futuro, que tinha escrito revistas de espetáculos, e recitava versos dele ao piano, cuja falta ou demasia de sílabas a bulha dos sonoros martelos disfarçava."
...
"Por derradeiro, o governador civil fez saber ao ministério que os povos de Vimioso, Alcanissas e Miranda se haviam levantado com selvagem independência e tinham fugido com a urna para os desfiladeiros das suas serras.
Pelo conseguinte, não pode ser proposto o poeta, que beliscado na sua vaidade assanhou-se contra o governo, escrevendo umas feras objurgatórias, as quais, se tivessem gramática a proporção do fel, o governo havia de pôr as mãos na cabeça e demitir-se.
À excepção de uma lista, o morgado da Agra de Freimas teve-as todas. "
...
"Chegou o tempo de partir para a capital. 
O deputado mandou adiante por almocreve duas cargas de livros, nenhum dos quais  tinha menos de cento e cinquenta anos.
Seguia-se, na conduta dos machos portadores, uma carga de presunto e orelheira, substância quotidiana da alimentação de Calisto Elói. 
Depois outra carga de vinho velho, e na entrecarga uma garrafeira com duas dúzias de garrafas de vinho, que competia antiguidade com a fundação da companhia."
...
"De propósito, saltamos por cima dos pormenores da partida para não descrever o quadro lastimoso do apartamento de Calisto e Teodora.
O apartamento de Teodora e Calisto era título para dois capítulos de lágrimas." *


Onde é que eu já vi isto ?

________________________
* Camilo Castelo Branco, A Queda dum Anjo, Círculo de Leitores (III - O demónio parlamentar descobre o anjo, p. 25-28). A imagem da capa é da edição do Expresso. Pode também ler em A Queda D' Um Anjo.





12/03/25

Ideias que curam 2


 

No meio da grande confusão que vai pelo mundo, e mesmo no nosso pequeno mundo nacional, é preciso que consigamos alguma tranquilidade, sensatez, racionalidade.

É penoso, e talvez para algumas pessoas, perturbador, assistir a tantos desentendimentos, afastamentos, polarizações.

Os dias passam e acrescentam mais ódios e relações cada vez mais clivadas.

Talvez tudo tenha mudado em 11 de Setembro de 2001, quando as torres gémeas foram deitadas abaixo: “O dia que fez abalar o mundo”. (Amaral Dias, Um Psicanalista no Expresso do Ocidente)


Nunca foi fácil para cada pessoa encontrar o equilíbrio na vida e também não o é actualmente. Podemos dizer, no entanto, que é sempre possível “converter qualquer obstáculo num meio para atingir os fins”. Neste caso, atingir o equilíbrio.

Sem dúvida, que tem um papel muito importante tudo o que possamos fazer para nos ajudarmos a nós próprios.

Sei que, também nesta área da auto-ajuda, é necessário ser selectivo porque  há muitos caminhos que podem servir outros propósitos que não sejam os que  interessam.

 

Já aqui tenho escrito e falado (RACAB) em vários procedimentos  terapêuticos que podemos usar na gestão do equilíbrio que procuramos para a nossa vida: a terapia da natureza, a hortiterapia, a biblioterapia, a filosofia, a leitura e prática do estoicismo, as práticas da meditação que vão da terapia mindfulness até à prática da oração...

Por estes dias de incerteza, leio Séneca, Sobre a brevidade da vida, que pode ser um bom começo para fundamentar  esta perspectiva....

Tudo o que está à nossa volta nos preocupa. Vivemos preocupados, ou seja, há todas as condições, políticas, sociais e familiares para que assim seja...

“Mas (diz Séneca) há quem viva preocupado mesmo quando em repouso:  Em casas de campo, no leito, no meio da solidão. Mesmo quando totalmente sozinhos, são a pior companhia que podem ter. Não vivem descansados, mas com preocupações persistentes.”(p. 22)

Provavelmente, estamos nesta categoria e se calhar temos justificadas razões para isso: somos daqueles que trabalham ate à exaustão, até ficarmos doentes (burnout), workaholics inveterados, regressamos cansados de férias,  ficamos cansados de ver tv ou das redes sociais...

 Outra das minhas leituras é Estoico todos os dias, de Ryan Holiday e Stephen Hanselman, que propõe um pensamento para cada dia do ano, principalmente a partir dos textos de Séneca, Epicteto, Marco Aurélio. Uma proposta de leitura para cada dia do ano, mas mais do que isso de meditação.

A leitura para o dia 11 de Março parte de uma frase de Epicteto: “O homem sem impedimentos, que tem à mão as coisas como quer, é livre. Mas aquele que possa ser impedido, coagido ou empurrado para fazer qualquer coisa contra a sua vontade, é um escravo.”(p.103)

As pessoas perdem a liberdade em troca do que supõem ser o êxito, o poder, a riqueza e a fama, são “prisioneiras nas cadeias que elas próprias construíram”.

Se pensarmos bem, há 50 anos, aconteceu o 11 de Março de 1975, com todos os desmandos e  violência que se seguiram e que só viriam a terminar com o 25 de Novembro desse ano.

Não podemos dizer que a crise actual é pior.

 


Até para a semana.




Rádio Castelo Branco