30/01/25

Pais heróis


Da capa de A criança e a família, de Françoise Dolto, Pergaminho
 

Nos tempos actuais decidir ter filhos (1) é também escolher um percurso de vida difícil. Mas o que é interessante nessa escolha é que mesmo sabendo que esse caminho tem momentos difíceis, há gente que arrisca ser pai e ser mãe. 

Estes pais sabem como vão ser os seus dias, todos os dias. Mesmo sem livro de instruções, muitos pais sabem que o desenvolvimento passa por fases mais calmas ou mais agitadas mas sempre complexas.

Não há dias de trabalho  e dias de descanso, que os filhos não querem saber se é uma coisa ou outra. Também não há fins de semana com escapadinhas românticas mas  carregados de actividades desportivas e artísticas...

Todos os dias começam muito cedo e por isso é necessário acordar muito cedo e obrigam a impressionante azáfama de toda a família para cumprir todas as tarefas matinais.

 

As tarefas para hoje começaram ontem ou até na semana passada.  Ontem à noite já foi preciso dar o banho, fazer os TPC, quando há, e há muitas vezes, preparar a mochila com os materiais necessários . 

De manhã, fazer a higiene, pequeno almoço, preparar o lanche, verificar a pasta, vestir ,"correr" para apanhar o autocarro, ou esperar pela carrinha do colégio,  esperar... sempre esperar...  

Um beijo e um adeus  e de imediato começam as preocupações: será que vai tudo correr bem na escola ?

À tarde, depois do trabalho, o dia ainda está para durar. Explicações, actividades: futebol, natação, música, ...

Quando chegam ao fim do dia, o corpo já só pede um pouco de descanso mas sabem que o não vão ter, pelo contrário, pode começar aí a parte mais difícil do dia: a noite...

 

Depois de nascer um filho, nada fica igual. O planeamento da vida e da vida profissional é feito em função dos filhos, da escola e ou do colégio que frequentam, os horários são feitos a partir do horário escolar, as férias são marcadas em função das férias escolares, tudo tem que  se fazer em função do calendário e horário escolar.   

Com um filho, já é difícil, Com mais filhos mais difícil se torna. A dificuldade é sempre crescente porque vão ter turmas diferentes e por vezes escolas diferentes.

Pede-se aos pais toda a disponibilidade, todo o tempo, compreensão, calma e  bom senso... 

 

O actual ME tem vindo a manifestar preocupação em harmonizar a vida das famílias com a vida escolar. Nesse sentido foi definido um calendário escolar plurianual até  2027-28. (2)

Também permite que os estabelecimentos de ensino funcionem por semestres (3) em vez dos tradicionais períodos ou trimestres. E já há escolas a funcionar neste regime.

É de saudar qualquer medida para tentar melhorar a vida das famílias. 

No entanto, quando os pais têm filhos nos dois regimes, por trimestres e por semestres,  pode resultar uma dificuldade acrescida  na gestão da vida familiar...

Em meu entender, no caso do calendário escolar, a generalização e  uniformização do funcionamento por semestres,  tornava mais fácil a vida dos pais.

 

 

Até para a semana.

 


Rádio Castelo Branco



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(1) A Fundação F. Manuel dos Santos que tem vindo a analisar a natalidade em Portugal refere alguns dados preocupantes:

- “Em seis décadas, o número de nascimentos em Portugal caiu para menos de metade. 

- No início dos anos de sessenta, havia mais de 200 mil nascimentos por ano no país. Atualmente, esse número é inferior a 86 mil...

- Em 1982, o número médio de filhos por mulher caiu abaixo de 2,1, considerado o limite da substituição de gerações. Na década seguinte, em 1994, esse indicador ficou, pela primeira vez, abaixo de 1,5 filhos por mulher, valor que é considerado crítico para a sustentabilidade de qualquer população, inviabilizando uma recuperação das gerações no futuro se tal nível se mantiver durante um longo período.

- mães e pais têm filhos cada vez mais tarde. as mulheres têm, em média, o primeiro filho aos 31 anos”

 

As motivações para não ter filhos devem-se a:

- Os custos financeiros associados às crianças são a causa mais importante, apontada por cerca de 67% das pessoas. 

- a dificuldade em conseguir um emprego. Esta causa é mais relevante para os homens (59%) do que para as mulheres (48%).

- não querer ter a responsabilidade de ter filhos e o facto de sobrar menos tempo para outras coisas importantes na vida. 

- dificuldade de conciliar a vida familiar com a vida profissional (mais referida no caso de pessoas que já têm filhos, e por isso já experienciaram essas dificuldades, e não pretendem ter mais) e aos problemas e complicações associados à educação das crianças.
- No caso específico de quem já é pai ou mãe, o facto de considerarem ter já o número de filhos que pretendem, aparece como o segundo motivo referido para não se alargar a família, logo após os custos financeiros. É isso mesmo que respondem três quartos dos inquiridos.

(2)  Despacho 8368/2024, de 6 de Julho, do  MECI Fernando Alexandre. 

(3) Uma medida que, há várias décadas, já era proposta pelo Prof. Manuel Viegas de Abreu. 




22/01/25

Percepção e Realidade


Daqui



A percepção é uma “conduta psicológica complexa através da qual um individuo organiza as suas sensações e toma conhecimento do Real.” (Dicionário Temático Larousse – Psicologia, Círculo de Leitores, p. 198)

Podemos referir alguns aspectos fundamentais da percepção:

- A percepção é a única forma que nos permite conhecer a realidade. Sem percepção viajávamos sem referências pelo nosso mundo exterior e interior.

- É necessário haver integração sensorial (Teoria da integração sensorial de Jean Ayres) que é a capacidade do sistema nervoso central para receber, processar e interpretar informações sensoriais provenientes dos diferentes sentidos: visão, audição, tacto, olfato, paladar, propriocepção (perceção do corpo no espaço) e o sistema vestibular (equilíbrio e movimento)... para criar uma imagem coerente e organizada do mundo e do próprio.

- A percepção é subjectiva. "Estes são os meus olhos, isto é o que eu vejo e é assim que eu penso." A minha percepção não é a de toda a gente. Cada pessoa tem a sua percepção. A percepção da realidade não é uma reprodução exacta do mundo exterior, mas uma construção subjectiva dessa realidade baseada nas nossas experiências e interpretações individuais.

- A percepção da realidade é influenciada por diversos factores, como experiências passadas, crenças, valores, cultura e emoções.
Tendo em conta estas características, concluímos que a percepção pode enganar-nos e levar-nos a cometer erros de análise e de avaliação. E, além disso, estes erros podem ser perigosos para o próprio e para os outros.
De facto, tudo isto acontece porque “o problema dos humanos é que eles vêem o universo mais com as suas ideias do que com os olhos” (Boris Cyrulnik), ou seja, entre os humanos, ver a realidade significa lê-la de uma determinada maneira. Essa leitura passa por vários mecanismos complexos de processamento das informações... (Jean-François Dortier, "La perception, une lecture du monde", Sciences Humaines)

- Tendo em conta estas características da percepção, podemos concluir: A percepção que eu tenho da realidade pode enganar-me e levar-me a ver a realidade de forma errónea. 

Toda a polémica acerca da insegurança e do medo relacionados com o que se passa em determinadas zonas duma cidade, como o Martim Moniz, deve levar em conta o nosso condicionamento e subjectividade. 
Mesmo os que consideram que lêem melhor a realidade porque sabem ler melhor a sociedade e as estatísticas, como os comentadores dos media, seguem as suas percepções que dependem das preferências politico-partidárias com que simpatizam ou têm afinidade, as suas crenças e visão do mundo...
A realidade não muda pelo facto de haver mais ou menos pessoas que pensam que estão do lado das boas percepções da realidade. 

Não há uma percepção mas percepções. A leitura da realidade está sujeita a erros perceptivos por parte de toda a gente: por aqueles que defendem a polícia e por aqueles que são contra o “modus operandi” da polícia, ou, simplesmente, contra a polícia e contra o poder incumbente. 
E este enviesamento perceptivo é o maior erro de quem se recusa a ver, ouvir e achar que não se passa nada. 
Não era Fanhais que cantava os versos de Sophia “Vemos, ouvimos e lemos não podemos ignorar” ? 


Até para a semana.



Rádio Castelo Branco




15/01/25

Ideias que curam


Factors-that-Impact-Health



Procuramos a felicidade. Tudo o que fazemos na nossa vida  são meios para atingir a felicidade e o bem-estar.

No entanto, a experiência da tristeza e de outras emoções negativas fazem parte desta procura. Ela é mais marcante  em datas e momentos especiais em que  tudo o que acontece merece uma maior valorização: as festas, as datas  comemorativas, os dias de aniversário são acompanhados de tristeza, exactamente porque neles nos recordamos dos ausentes. (Reacções de aniversário) 

Há momentos, como o Natal, tempo de amor e de paz, em que essas memórias são particularmente dolorosas, como as expectativas não concretizadas de uma reunião familiar, como foi o caso este ano, devido às guerras, à falta de saúde, à gripe e outros vírus, à solidão da velhice e tantas ausências que nos fazem sentir ainda mais  a fragilidade do nosso bem-estar.


Para além dos comprimidos e xaropes prescritos para contrariar  a maldita gripe, se houver vontade, que falta muito quando estamos doentes, podemos encontrar lenitivo na prática que ajuda a superar pensamentos, sentimentos e emoções negativas e desajustadas. 

 

O filósofo William B. Irvine (referido por Marianna Pogosyan, "5 Ancient Ideas That Can Help You Flourish Today", Psychology Today ) recorda-nos algumas “ideias antigas” que podem ajudar o nosso bem-estar.

 

1. Visualização negativa de gratidão.

Face ao sofrimento, por mais sombrio que possa parecer, podemos usar a “visualização negativa para despertar um profundo apreço pela vida”, como faziam os filósofos estóicos. 

Afinal, há tantas pessoas em situações piores do que as nossas que, só por isso, já vale a pena estarmos felizes.


2. Enquadramento para reduzir emoções negativas.

Como nas molduras das pinturas ou fotografias, “as molduras psicológicas que pomos à volta dos acontecimentos da vida podem influenciar as nossas reações emocionais .” Ou seja, o sofrimento devido a algo externo não se deve “ à coisa em si, mas à avaliação que fazemos dela; e isso podemos terminar a qualquer momento.” Podemos experimentar diferentes molduras para vermos perspectivas diferentes, podemos até reagir com humor...  


3. A meditação da “última vez”.

Haverá sempre uma última vez para tudo o que fazemos. Pode ser apenas um momento de recordar como fomos felizes ou pensar que a felicidade está a acontecer agora e aproveitar o tempo para amarmos ainda mais quem merece o nosso amor. E, afinal, ainda podemos ir além do que estava previsto (última vez+1). 

4. Conhecer tudo para cultivar o prazer. 

Podemos tornar-nos conhecedores de arte, música, natureza, culinária... Porque ao sermos conhecedores do mundo em que vivemos, podemos aproveitar plenamente as nossas vidas e perceber que vivemos num “jardim prazeroso”. 


5. Meditação antes de dormir.

 Na hora de dormir podemos avaliar os nossos comportamentos e atitudes durante o dia para termos mais autoconsciência: se fui gentil, fui curioso, fiquei chateado por algo insignificante,  se fui capaz de manter a calma face aos contratempos, ou se experimentei alegria e prazer.


Em resumo, perante as adversidades e contrariedades da vida, falhas de expectativas e mudanças de planos, temos várias prescrições de terapias, a nível da saúde e também a nível psico-social, que nos podem ajudar a remover essas pedras indesejadas do nosso caminho de bem-estar.

 

 

Até para a semana.

 

  



Rádio Castelo Branco






08/01/25

Eça e Offenbach




"Sim, Offenbach, com a tua mão espirituosa deste nesta burguesia oficial — uma bofetada? Não! Uma palmada na pança, ao alegre compasso dos cancans, numa gargalhada europeia.
Offenbach é uma filosofia cantada."

(As Farpas, Coord. de M. F. Mónica, Principia, p. 29)