09/06/22

Escuta activa



A propósito do dia mundial das comunicações sociais (1), o Papa Francisco veio chamar a atenção para a importância da escuta activa.

"A comunicação é uma actividade humana fundamental" (2), e a escuta activa um dos seus elementos. Dizemos que é activa porque não só compreendemos o que nos dizem, o conteúdo, mas também pela atenção que prestamos ao “como“ no-lo dizem, aos sentimentos e emoções do outro (3). Querer ser ouvido é um desejo do ser humano. Para concretizar esse desejo é primordial que haja alguém que possa escutar.

Há profissões e áreas de actuação onde saber escutar é imprescindível.  Foi a minha prática durante muitos anos e  mesmo dispondo  de algumas técnicas  de  comunicação clínica, escutar requer atenção, empatia, respeito pelo outro, diálogo, discernimento, etc.  e, apesar disso nem sempre ser fácil, escutar é condição para uma comunicação autêntica.

O desenvolvimento dos media veio reforçar a necessidade essencial da escuta activa nas interacções humanas.  

Diz-nos Francisco: “Não se comunica se primeiro não se escutou, nem se faz bom jornalismo sem a capacidade de escutar. Para fornecer uma informação sólida, equilibrada e completa, é necessário ter escutado prolongadamente. Para narrar um acontecimento ou descrever uma realidade numa reportagem, é essencial ter sabido escutar, prontos mesmo a mudar de ideia, a modificar as próprias hipóteses iniciais.


Ora um dos problemas dos dias de  hoje é que “estamos a perder a capacidade de ouvir a pessoa que temos à nossa frente”:  

- desde logo, a falta de escuta na vida quotidiana, nas relações familiares, nas relações sociais;

- pior ainda, “há um uso do ouvido que não é verdadeira escuta, mas o contrário: o espionar". As redes sociais têm servido para amplificar esta contradição: a descomunicação;

-  infelizmente, na vida pública, com frequência, em vez de escutar, «se fala pelos cotovelos». "Isto é sintoma de que se procura mais o consenso do que a verdade e o bem; presta-se mais atenção à audiência do que à escuta";

- os debates na comunicação social, na realidade não passam de monólogos; "estamos simplesmente à espera que o outro acabe de falar para impor o nosso ponto de vista". Exemplo humorístico destes monólogos, é a rábula "Nelo e Idália" de Herman José; são conversas paralelas onde não há escuta;

 - durante a pandemia, a falta de capacidade para escutar quando se impunha haver transparência e dar confiança  às pessoas que viviam ansiosamente esse sofrimento (4);

- a dificuldade em escutar as pessoas e ouvir as histórias das vítimas das “migrações forçadas”...;

 - finalmente, não posso deixar de referir um exemplo trágico de descomunicação: a incapacidade para dialogar, estabelecer conversações, com vista ao cessar-fogo ou à paz  na Ucrânia. É o exemplo do fracasso da comunicação e do diálogo numa situação que exige urgência porque todos os dias morrem pessoas.  Nem ONU, nem religiões, nem diplomatas, nem presidentes ou primeiros-ministros, nem personalidades... ninguém  pelos vistos quer escutar ninguém...

É que a escuta activa é muito exigente; como diz Francisco, é “escutar com o ouvido do coração”.  



Até para a semana.


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1. Mensagem do Papa Francisco para o LVI Dia Mundial das Comunicações Sociais - Escutar com o ouvido do coração, 24 de janeiro de 2022. Este ano foi celebrado a 29 de Maio (Ascensão do Senhor).


2. Alex Mucchielli, Psychologie de la communication, p. 9.


3. Xavier Guix, Ni me explico, ni me entiendes - Los laberintos de la comunicación, p. 114-115.


4. Quando, para além da "informação oficial", alguém criticava ou apresentava outro ponto de vista era simplesmente atirado para o grupo dos "negacionistas".









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