31/12/22
Bento XVI - Por amor
24/12/22
Nesta noite de Natal
Bem casado está José
com a filha de Jessé.
Grande novidade era
Ser virgem e mãe que espera.
Deus bem sabe que assim é:
Bem casado está José.
Joseph est bien marié
à la fille de Jessé.
C'était chose bien nouvelle
D'être mère et pucelle.
Dieu y avait opéré:
Joseph est bien marié.
17/12/22
"A vida apenas, sem mistificação" (2)
A Assembleia da República aprovou a semana passada (9-12-2022) a lei que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível, conhecida como prática da eutanásia.
Assim sendo, continuo a defender o direito à vida como já aqui fiz algumas vezes ("A vida apenas, sem mistificação" e Morrer).
Como sabemos, há diversas posições sobre o assunto. Hoje refiro uma delas, a de Lucien Israël, médico oncologista e não crente, que no livro “Contra a eutanásia” explica porque não podemos aceitar a eutanásia.
No original, o livro tem o título de “Os perigos da eutanásia”; trata-se de ser contra a eutanásia mas, mais do que isso, de apontar para os perigos que ela representa.
Um desses perigos é a normalização: convenciona-se que há um grupo de pessoas que podem ser excluídas da sociedade através da eutanásia e o assunto passa a ser uma questão normal para a sociedade.
Para Lucien Israël, e cito, é “o desabamento da cultura ocidental... a eutanásia legalizada representa a rutura do laço simbólico entre gerações: filhos e netos e, doravante, bisnetos – já que vamos tornar-nos uma sociedade a quatro gerações - saberão que podem desembaraçar-se dos idosos. No momento em que esta perspectiva se admitir e se tornar objecto de uma forma de consenso social, os mais jovens não poderão deixar de considerar os mais velhos como objetos para deitar fora.” (p. 98) *
E continua:
“Quanto a mim vejo em tudo isto o reflexo de um enfraquecimento dos laços existentes, não só entre indivíduos mas também entre as gerações e os grupos sociais. Hoje estão em perigo precisamente os valores que tornam possível a sociedade. Existe algo indizível que é indispensável à coerência de uma sociedade; revelador deste indizível é o respeito devido à vida e a necessidade de estender até ao fim os esforços para prolongá-la.”
Claro que há uma distinção entre obstinação terapêutica que é procurar todos os meios para manter a vida e o encarniçamento terapêutico quando já não há nada a fazer e que é de rejeitar.
Critica aquilo que parece ser moda: “o pedido da eutanásia faz parte do politicamente correto, cujo campo de aplicação se vai ampliando cada vez mais. Agora em alguns ambientes, é boa regra pronunciar-se a favor da eutanásia porque ela constituiria um quadro satisfatório na relação com o próximo.” (p. 102)
O utilitarismo continua a fazer estragos; porque um ser humano deixou de ser útil e se torna um encargo para a sociedade passa a fazer parte dos descartáveis.
Sabemos os custos económicos que os idosos, e o seu tratamento, quando adoecem, exigem da sociedade; porém ninguém pode aceitar que a eutanásia seja uma solução económica para resolver um problema da sociedade que, no fundo, está por trás daquilo que alguns chamam uma morte digna.
Neste debate, refere Lucien Israël, “Percebe-se uma incrível arrogância e a certeza de que sabem melhor que os outros o que é conveniente para a espécie humana. Consideram que todos os seus adversários estão de má fé e chegam até a pensar que os médicos que rejeitam a eutanásia escondem uma forma de sadismo que deve ser combatida com veemência.” (p. 114)
Para Lucien Israël, médico e não crente, o médico tem não só o dever de não se render à morte mas também deve infundir no seu paciente a esperança, a confiança, a vontade e a força de lutar. Porque existem doenças incuráveis, mas não existem doenças intratáveis.
Até para semana.
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* Como diz Michel Houellebecq: «Uma civilização que aceita a eutanásia não merece qualquer respeito». (Le Figaro,
07/12/22
Livros
Escreve Montaigne: “Se quando leio, encontro dificuldades não roo as unhas por isso: após duas ou três investidas deixo-as onde estão...
“Se um livro me aborrece, pego no outro, e só volto a ele nos momentos em que o fastio de nada fazer começa a apoderar-se de mim.”
Eça de Queirós (1845-1900), em Cartas de Inglaterra, escreve sobre livros: um capítulo “Acerca de Livros" e outro sobre “Literatura de Natal”.
Eça escreve que em Inglaterra há uma época (season) para tudo... Como seria de esperar, havia uma book-season, a época do livros. Já nessa altura, Eça se admirava com a quantidade de livros que se publicavam sobre tudo e nada: "Aos romances nem aludo: montes, montanhas - e monturos!" (p.22)
Sobre literatura para crianças, escrevia Eça: "Uma das coisas encantadoras que nos traz o Natal, são esses lindos livros para crianças, que constituem a literatura de Natal." (2)
Os livros mudam as pessoas? Há livros que me mudaram? Em suma, os livros mudam o mundo?
Dietrich Schwarnitz (1940-2004) em Cultura - inteligência, talento e criatividade, vol. 6, elaborou uma lista de “livros que mudaram o mundo”. Li uma ínfima parte desta lista de livros. Mas li outros. Cada pessoa tem que encontrar a sua lista; são listas subjectivas, como não podia deixar de ser.
É curioso que também apresenta uma lista de “livros para ir lendo” o que faz lembrar a antibiblioteca de que fala Umberto Eco.
Para além da leitura, só por si terapêutica (biblioterapia), há livros que têm como objectivo a auto-ajuda e nos permitem compreender e mudar o nosso comportamento.
Quando compro livros ando à procura de respostas para o que me preocupa nesse momento. Tenho sempre grande expectativa em ver até que ponto essa preocupação é resolvida ou se aprofunda e debato-me com os caminhos abertos por esse aprofundamento.
Claro que hoje há recursos que não havia no tempo de Montaigne ou de Eça de Queiroz. Hoje podemos ver no cinema ou na TV grandes obras de grandes autores que também lemos nos livros como “Doutor Jivago” ou “E tudo o vento levou”, ou um documentário sobre Freud, o filme do Rei Leão ou a série Spidey e a sua Superequipa...
Mas isto já é outra conversa.
Até para a semana.
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(1) O Index Librorum Prohibitorum, de 1559, é considerado por Schwanitz como um dos “livros que mudaram o mundo”; manteve-se em vigor até 1966.
O controle do pensamento não terminou nessa altura, vem até aos dias de hoje. A censura de livros não é apenas do tempo do Index... é de hoje através do wokismo e do politicamente correcto, da reescrita da história e das estórias, da censura nas redes sociais, Facebook, Twitter,... como se tem visto e que leva o nome de cancelamento.
(2) Eça de Queirós tem uma visão desenvolvimentista das crianças e jovens e, justamente, os livros devem ser adequados aos diversos grupos etários, acessíveis a todos. É o que se passava em Inglaterra:
"Aqui, apenas o bebé começa a soletrar, possui logo os seus livros especiais: são obras adoráveis que não contêm mais de dez ou doze páginas, intercaladas de estampas, impressas em tipo enorme, e de um raro gosto de edição...
Depois, quando o bebé chega aos seus oito ou nove anos proporciona-se-lhe outra literatura. Os sábios, a barrica, os trambolhões, já o não interessariam; vêm então as histórias de viagens, de caçadas, de naufrágios, de destinos fortes, a salutar crónica do triunfo, do esforço humano sobre a resistência da natureza.
Tudo isto é contado numa linguagem simples, pura, clara - e provando sempre que na vida o êxito pertence àqueles que têm energia, disciplina, sangue-frio e bondade...
Depois vêm ainda outros livros para os leitores de doze a quinze anos: popularizações de ciências; descrições dramáticas do universo; estudos cativantes do mundo das plantas, do mar, das aves; viagens e descobertas; a história; e, enfim, em livros de imaginação, a vida social apresentada de modo que nem uma realidade muito crua ponha no espírito tenro securas de misantropia, nem uma falsa idealização produza uma sentimentalidade mórbida." (p.34-35)
01/12/22
"A razão dos avós"
Nos dias que correm educar uma criança é uma tarefa difícil. Não sei se mais difícil do que no passado. Não o seria a pensarmos nas inovações que num lar estão ao nosso dispor mas a vida moderna trouxe consigo novas dificuldades e necessidade de adaptação.
Há um ditado africano que diz: para educar uma criança é necessária toda a aldeia. E assim é.
O papel dos avós é inestimável e muitos estão a dar o seu contributo para essa educação como podem, directa ou indirectamente, apoiando financeiramente tomando conta dos netos, levando os netos ao colégio ou à escola, a passear na rua, ao parque infantil...
Por vezes, na rua, cruzo com pessoas que suponho serem avós com os netos e sorrio... Comigo, quando vou com os meus netos, acontece o mesmo e sinto recompensa pelo sorriso destas pessoas. Creio que, no fundo, comunicamos: “está certo o que estás a fazer, estás a desempenhar uma tarefa linda e importante”. Muitas vezes é uma opção. Encontramos nos netos a nossa missão principal como ocupação da nova vida de reformados. É também uma grande viagem à volta de nós próprios. E ainda sobra tempo para fazer turismo, passear por aí, fazer hortiterapia e estar com os amigos...
Estar com os netos, traz também uma grande compensação ao vermos como crescem e se desenvolvem, de que fazem parte momentos difíceis e fáceis, de prazer e alegria, de tristeza e ansiedade, de emoção e afeto, de negação e birras. A alegria dos primeiros passos, as primeiras corridas, as primeiras palavras, as primeiras letras, os primeiros números, o primeiro amigo.
Como escrevia Walt Whitman, em tudo isto o menino se transforma e passa a fazer parte dele.
É a nossa vida que passa para a vida deles. É a continuidade que vem dos antepassados e que está ali a renovar-se em cada dia. Nada paga esta experiência, esta sensação de que fazemos parte da cadeia, somos um elo vital fundamental mas que nos faz aprender a ser humildes perante tanta dádiva de Deus e da Natureza que nos inunda os dias de felicidade.
Revemo-nos nas palavras de Daniel Sampaio em A Razão dos avós: “Um momento significativo ocorre quando os avós vão buscar os netos à escola. É curioso observar como o fazem: sem pressas, com tranquilidade, por vezes com algum excesso de gratificação. Contrastam com a ansiedade de alguns pais que chegam a deixar o carro mal estacionado e se precipitam em recomendações e perguntas a que as criança respondem como podem. Os avós chegam cedo, esperam a hora de saída e passam pela pastelaria da esquina onde oferecem o lanche ou contribuem com uns euros para a coleção de cromos.”(p.86)
Os avós vivem agora mais tempo e com mais qualidade de vida. Já não correspondem muitas vezes às imagens dos livros e as novas tecnologias são ferramentas que muitos dominam.
Há toda uma interacção benéfica para ambos – avós e netos - e não podemos dispensá-la da educação das crianças deste tempo.
Até para a semana.
28/11/22
A adivinhar o Natal sem Black Friday
Brinquedo
Foi um sonho que eu tive:
Era uma grande estrela de papel,
Um cordel
E um menino de bibe.
O menino tinha lançado a estrela
Com ar de quem semeia uma ilusão;
E a estrela ia subindo, azul e amarela,
Presa pelo cordel à sua mão.
Mas tão alto subiu
Que deixou de ser estrela de papel.
E o menino, ao vê-la assim, sorriu
E cortou-lhe o cordel.
Miguel Torga
Coimbra, 6 de Fevereiro de 1936
Diário, Vol. I e II
23/11/22
O reflexo de liberdade
Os seres humanos vivem condicionados por comportamentos inatos e por comportamentos aprendidos.
Como sabemos, a investigação de Pavlov (1849-1936), com cães, ficou conhecida como uma forma de aprendizagem - o condicionamento clássico.
Pavlov observou que os cães salivavam perante um estímulo incondicionado, a carne, isto é, provocava uma resposta incondicionada.
Quando associou uma estímulo sensorial neutro, o som de uma campainha, que não provocava qualquer resposta, com um estímulo incondicionado (a carne, que provocava a resposta incondicionada da salivação), verificou que, após algumas associações, o som da campainha se tornou num estímulo condicionado, pois à sua presença, os cães reagiam com a salivação, agora resposta condicionada.
O condicionamento clássico é um tipo de aprendizagem em que um organismo aprende a transferir uma resposta natural perante um estímulo, para outro estímulo inicialmente neutro, que depois se transforma em condicionado. Este processo dá-se através da associação entre os dois estímulos (incondicionado e neutro).
Sabemos bem as consequências desta descoberta para a nossa vida.
Pavlov verificou também, já na parte final da sua vida, tanto no homem como no animal a existência de dois importantes reflexos inatos: o reflexo de finalidade e o reflexo de liberdade.
O reflexo de finalidade verifica-se quando somos atraídos por certos estímulos que se tornam importantes na nossa vida, somos atraídos por fenómenos novos, novas experiências mesmo que aparentemente sem qualquer utilidade... que se traduzem em equilíbrio do nosso organismo, nos acalmam e por isso, desejamos repetir.
Para Pavlov a vida deixava de ser atraente desde que não tivesse finalidade.
“O reflexo da liberdade, diz Pavlov, é uma reacção geral dos animais. É um dos reflexos inatos mais importantes. Sem ele, o menor obstáculo encontrado pelo animal bastaria para modificar completamente a sua vida.
A existência deste reflexo de liberdade tinha-lhe sido demonstrada por um cão, que, mal fosse colocado nas condições de trabalho experimental, apresentava uma salivação espontânea, contínua, que o tornava "inutilizável"."
Pavlov descobriu então que “o cão não suportava qualquer entrave quer dizer que se mantinha calmo e sem salivação apenas em liberdade total: podia-se mesmo nestas condições condicioná-lo eficazmente." *
"Pavlov respondia pela afirmativa, declarando que este reflexo protegia o fraco contra o forte, isto é, que um gesto de submissão tinha por resultado fazer cessar um gesto de agressão (o cachorro, apontava ele como exemplo, deita-se de costas perante um canzarrão). Pavlov pensava que este reflexo podia existir no homem, e tentou defini-lo ... como 'reflexo de escravidão'." *
"Pavlov deplorava que o 'reflexo de escravidão' se manifestasse tão frequentemente na Rússia 'sob os aspectos mais variados'. Ele pedia que se tomasse consciência desse facto a fim de melhor lutar no sentido da sua anulação, porque o reflexo de escravidão provocava por sua vez a inibição do reflexo de finalidade: A servidão fez do servo um ser passivo, sem qualquer desejo, sendo as suas aspirações, as mais legítimas, continuamente entravadas pelas vontades e os caprichos dos senhores." *
Até para a semana
_______________
* H. Cuny, (1976), Pavlov, Círculo de Leitores, (Capítulo quarto, 1 - Condicionamento e evolução do Homem),
21/11/22
“É preciso acabar com os professores com a casa às costas”
"Apesar do realismo destas medidas nada há a esperar em matéria de reformismo do actual Ministério da educação, ou deste governo, durante o resto do mandato mas a esperança é a árvore frágil que tenta sobreviver a tudo, é "essa menina, que arrasta tudo consigo". (Péguy).
3. Estabilização dos recursos humanosNegociar com os sindicatos de professores o tempo de serviço de 9 A 4 M 2 D: as formas possíveis de gestão deste tempo efectuado pelos professores e que de forma nenhuma lhes pode ser sonegado.Alterar o sistema de recrutamento e selecção de professores: terminar com a centralização dos concursos, com benefício para a redução da deslocação de professores, contra o centralismo educativo saloio e provinciano do ministério da educação: concursos de professores, parque escolar...Número limite de turmas/professor. Não faz sentido que um professor possa leccionar 500 alunos, como um professor de TIC, por exemplo, uma vez por semana...Técnicos especializados: psicólogos, terapeutas da fala, intérpretes de LGP, formadores/prof de LGP - eliminação da precariedade e entrada no quadro após 3 anos de serviço efectivo.A gestão estratégica dos recursos humanos da educação passa por um "Programa de rejuvenescimento do corpo docente", proposto por António Costa Silva, com o qual estou de acordo (Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030)
Aqui fica a notícia da Lusa/ Público com foto e tudo...
“Não há nenhuma razão para que isto aconteça”, frisou António Costa a propósito de os professores nunca saberem se vão ficar perto ou longe de casa.
Lusa, 19 de Novembro de 2022, 15:27
18/11/22
"Uma em cada cinco crianças"
17/11/22
"Mitos climáticos" (16) - Salvadores do planeta
14/11/22
O efeito de estufa
13/11/22
Inalterações climáticas
A RODA
No Inverno desejamos a Primavera,
E na Primavera invocamos o Verão,
E quando ressoam as abundantes sebes
Declaramos que o Inverno é o melhor;
Depois nada há de bom
Porque a Primavera não chegou -
Não sabemos que essa inquietude que nosso sangue perturba
É apenas a sua nostalgia do túmulo.
12/11/22
"Esta Lisboa que eu amo"
...
11/11/22
Prevenção dos abusos sexuais
Ao mesmo tempo que se faz justiça e se reparam os danos sofridos em relação ao passado, é necessário criar mecanismos para uma cultura de prevenção em que não seja possível repetir-se esta prática criminosa. Essa cultura é a dos bons tratos e da resiliência. (1) O “Discurso Conclusivo do Papa Francisco” na Cimeira do Vaticano, em 2019, sobre a protecção dos menores na Igreja, coloca o problema nas justas e várias dimensões envolvidas. Para Francisco uma explicação positivista não é suficiente porque não é capaz de nos indicar o significado e hoje precisamos explicações e significados. Explicações ajudar-nos-ão imenso no sector operativo mas... é necessário ter em conta a manifestação atual do espírito do mal... Que fazer? “O objetivo da Igreja será ouvir, tutelar, proteger e tratar os menores abusados... acima de todas as polémicas ideológicas e as políticas jornalísticas”… “encontrar o justo equilíbrio de todos os valores em jogo e dar diretrizes uniformes para a igreja, evitando os dois extremos, nem judicialismo provocado pelo sentimento de culpa, face aos erros passados, e pela pressão do mundo mediático, nem autodefesa que não enfrente as causas e as consequências deste grave delito." Francisco refere um modelo de boas práticas de várias agências internacionais, da Organização Mundial de Saúde, designado INSPIRE. (2) Com base neste modelo e no trabalho que tem vindo a ser desenvolvido na Igreja propõe sete estratégias para acabar com a violência contra as crianças: 1. A tutela das crianças: cujo “objetivo primário das várias medidas é proteger os pequeninos e impedir que caiam vítimas de qualquer abuso psicológico e físico. Portanto, é necessário mudar a mentalidade combatendo a atitude defensivo-reativa de salvaguardar a Instituição, em benefício duma busca sincera e decidida do bem da comunidade, dando prioridade às vítimas de abusos em todos os sentidos.” 2. Seriedade impecável: para entregar à justiça toda a pessoa que tenha cometido tais delitos. 3. Uma verdadeira purificação: é necessário impor um renovado e perene empenho na santidade dos pastores. Na realidade, não devemos cair na armadilha de acusar os outros, que é um passo rumo ao álibi que nos separa da realidade. 4. Formação: Deve-se ter em conta as exigências de selecção e formação dos candidatos ao sacerdócio... 5. Reforçar e verificar as diretrizes das Conferências Episcopais: "Normas e não somente diretrizes. Nenhum abuso deve jamais ser encoberto (como era habitual no passado) e subestimado"... 6. Acompanhar as pessoas abusadas: “o mal que viveram deixa nelas feridas indeléveis que se manifestam também em rancores e tendências à autodestruição. Por isso, a Igreja tem o dever de oferecer-lhes todo o apoio necessário, valendo-se dos especialistas neste campo.” 7. O mundo digital: deve-se ter em conta as novas formas de abuso sexual. O mundo digital e o uso dos seus instrumentos com frequência incidem mais profundamente do que se pensa... 8. O turismo sexual: “anualmente, segundo os dados 2017 da organização Mundial de Turismo, 3 milhões de pessoas no mundo viajam para ter relações sexuais com um menor... Estamos, pois, diante de um problema universal e transversal que infelizmente existe em quase toda a parte.” (3) Até para a semana. ________________________________ (1) Se calhar estou mesmo a fantasiar um mundo que não vai existir... A realidade é que mais informação e mais discussão sobre o assunto nem sempre se traduzem em redução dos casos mas antes manutenção ou até aumento. Mesmo assim, "devemos privilegiar uma cultura preventiva, de natureza universal, atuando sobre os factores de risco associados aos maus tratos, minimizando-os, ao mesmo tempo que se potenciam factores protectores". (Rute Agulhas, "P.R.E.V.E.N.I.R. O abuso sexual de crianças e adolescentes", Observador). (2) "INSPIRE é um recurso baseado em evidências para todos aqueles que estão comprometidos com a prevenção e a resposta à violência contra crianças – de governos a pessoas comuns, da sociedade civil ao setor privado. Consiste em um grupo selecionado de estratégias baseadas nas melhores evidências disponíveis para ajudar os países e as comunidades a concentrar esforços em programas e serviços de prevenção que sejam dotados de um maior potencial para redução da violência contra crianças." INSPIRE (2016) - Sete Estratégias para pôr fim à violência contra crianças: Implementação e vigilância do cumprimento das leis; Normas e valores; Segurança do ambiente; Pais, mães e cuidadores recebem apoio; Incremento de renda e fortalecimento económico; Resposta de serviços de atenção e apoio; Educação e habilidades para a vida. (3) Para combater este fenómeno é necessária repressão judicial, mas também apoio e projetos para a reinserção das vítimas. Vão nesse sentido a Resolução do Parlamento Europeu, as alterações ao Código Penal, a Convenção do Conselho da Europa (Convenção de Lanzarote), sobre este assunto, instrumentos legais que, espera-se, pelo menos possam levar a diminuir esta criminosa e hipócrita prática. |
02/11/22
A Cimeira sobre a protecção das crianças
30/10/22
Uma entrevista de M. Seligman e de como deixar de perguntar: "o que há para o jantar ?"
21/10/22
Com a energia de Whitman
Depois de ter transposto três vintenas e mais dez anos,
Com todas as suas oportunidades, variações, prejuízos e dores,
As mortes dos meus pais, os devaneios da minha vida, as minhas
muitas paixões dilacerantes, a guerra de 63 e 64,
Como um velho soldado inutilizado, após uma longa marcha
violenta e esgotante, ou talvez após um combate,
Hoje, ao crepúsculo, a coxear, respondo com voz enérgica à
chamada da companhia: Pronto!
Para me apresentar ainda, e ainda saudar o oficial acima de tudo.
Walt Whitman
19/10/22
Abusos sexuais
A história da infância é um longo caminho de sofrimento das crianças.
Tendo em vista a protecção da infância, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou, em 1959, a Declaração dos Direitos da Criança. Trinta anos depois, em 1989, foi adoptada a Convenção sobre os Direitos da Criança.
Porém, um pouco por todo o lado, surgem notícias sobre abusos de crianças como está a acontecer com a Igreja Católica.
Depois da publicação da Carta apostólica “Vos estis lux mundi”, do Papa Francisco, em alguns países foram criadas Comissões de Protecção de Menores e Pessoas Vulneráveis.
Foram também criadas comissões independentes para a avaliarem os abusos cometidos no passado. Em Portugal, foi criada pela Conferência Episcopal Portuguesa a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja (CIEAMI) para apurar casos que tenham acontecido nos últimos setenta anos. O trabalho da Comissão Independente termina em Janeiro de 2023. No entanto, foram apresentados os resultados provisórios: Um total de 424 testemunhos de abusos sexuais cometidos sobre menores por membros da Igreja Católica portuguesa foram validados, até agora, pela Comissão independente.
Estes resultados vieram mostrar, também em Portugal, a falha dentro da Igreja na protecção das crianças. Perante este vendaval, o que pensar?
Bento XVI, já em 2010, avaliava estes resultados no livro-entrevista Luz do Mundo - O Papa, a Igreja e os Sinais dos Tempos - uma conversa com Peter Seewald.
Pergunta Seewald: ...Como de um abismo profundo, surgiram do passado inúmeros e inacreditáveis casos de abusos sexuais cometidos por padres e religiosos. As nuvens ensombram também a Santa Sé. Já ninguém fala da instância moral para o mundo que normalmente se reconhece ser um Papa. Qual é a dimensão desta crise? Trata-se mesmo, como tivemos oportunidade de ler, de uma das maiores crises na História da Igreja?
- “Sim, é uma grande crise, temos de admiti-lo. Foi perturbadora para todos nós. De súbito, tanta sujidade! Foi realmente quase como uma cratera vulcânica da qual tivesse sido expulsa de repente uma enorme nuvem de sujidade que tudo escureceu e conspurcou, de modo a que, de entre todas as coisas, o sacerdócio parecesse subitamente um local vergonhoso e que todos os padres ficassem sob a suspeita de o serem também. Muitos sacerdotes confessaram já não se atrever sequer a dar a mão a uma criança, quanto mais a organizar um campo de férias com crianças.” (p. 33-34)
E sobre a comunicação social diz Bento XVI:
- “Não foi possível deixar de reparar que subjacente a esse esclarecimento por parte da imprensa, estavam não só a vontade pura de obter a verdade, mas também uma alegria em comprometer e em desacreditar o mais possível a Igreja. Independentemente disso, tem porém de ficar sempre claro que, sendo verdade, devemos estar agradecidos por cada esclarecimento. A verdade, associada ao amor correctamente entendido, é o valor número um. E, por fim, os meios de comunicação social não teriam podido falar como falaram se na própria Igreja não houvesse o mal. Só porque o mal estava na Igreja é que outros puderam utilizá-lo contra ela.” (p. 36-37)
Não vale a pena usar o processo de vitimização. Nesta história dos abusos as vítimas são outras.
Até para a semana.