26/07/24

Almas gémeas

"Uma vez realizada esta divisão da natureza primitiva, eis que cada metade, desejando a outra, a procurava." (p.69)


O amor é uma emoção ou sentimento extraordinário de afecto entre pessoas, como descreveu Camões no soneto “Transforma-se o amador na coisa amada”, um dos sonetos mais bonitos sobre a relação amorosa. 

Mas as pessoas apaixonadas por mais almas gémeas que possam ser ou achar que são, mais tarde ou mais cedo, não estão imunes, na sua vida, ao surgimento de conflitos, insignificantes ou graves, por algum motivo previsível ou não: “Afinal, não te conhecia.” E daí tantos divórcios e separações precoces.

Há listagens de lamentações da parte de um ou de outro para justificarem, com mais ou menos razão, os comportamentos desajustados. 

O amuo surge como uma forma de descomunicação entre as pessoas e com algumas ficamos deveras surpreendidos. 

Amuar é uma “atitude, que é  frequente  em crianças e adolescentes, encontra-se, igualmente, na idade adulta... (correspondendo) a uma atitude de fixação ou de regressão a um estádio infantil. O amuado reage como se fosse sempre uma criança perante os seus pais frustradores." (Dicionário Temático Larousse - Psicologia, Círculo de Leitores, p. 24)


Este comportamento pode começar com uma simples discordância e com a continuidade transformar-se num padrão comportamental que se vai transformando num conflito aparentemente sem solução, um sintoma de algo mais grave em termos de saúde mental. Trata-se de um processo sadomasoquista de relacionamento com alguém: “eu faço-te sofrer com o meu silêncio, sofro, mas faço-te sofrer ainda mais” ou “eu sofro mas controlo a tua vida”, ou ainda “sou capaz de viver  como se não existisses”. 

É um jogo onde o jogador vai prolongando o limite esperando a cedência do outro. Se a corda rebenta desse lado, então isso é porque eu tinha razão e fui eu que ganhei. 

E, assim, o processo, o próximo amuo, reforça-se, repete-se e amplia-se. Passando por reencontros e novas rupturas.


Dizem-nos: “alguém tem que ceder”, ou “tens que aprender a dar o braço a torcer” ou mesmo a "saber perder". 

O que fazer? Talvez uma perspectiva racional ajude a compreender o nosso comportamento e a encetar um caminho de mudança a nível do pensamento: alterar a crença de que ceder é próprio do perdedor, alterar a ideia de que o amuo modifica as atitudes do outro, alterar a ideia de que há almas gémeas e de que encontrar a alma gémea é encontrar a felicidade para a vida.

Não, não gostamos das mesmas cores, da mesma comida, dos mesmos móveis, dos mesmos amigos, do mesmo clube, e podemos não ouvir a mesma canção.

O conflito faz parte da vida e da vida de casal, da vida dos amigos, da vida de família.

Aprender a comunicar: Dar e receber feedback. Há uma aprendizagem do outro que tem que se fazer desde criança com os próximos e também com os estranhos. Como sabemos os abusadores não são na maioria das vezes os estranhos apesar de passarmos a vida a ensinar às nossas crianças que não se aceitam coisas de estranhos. 

Ora, também aqui, “o inferno somos nós” e as almas gémeas, a existirem, também amuam.

 


Até para a semana.


 


Rádio Castelo Branco





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