29/08/24

De regresso à selva

 



A luta pelo estímulo (Desmond Morris, O Zoo Humano) é fundamental para a sobrevivência do ser humano. Porém, quando os estímulos são em excesso podemos ficar doentes. 
Sempre que pensamos em férias temos em mente os benefícios do descanso e relaxamento, do ar livre, do mar e do sol, para o corpo e para a mente, que são comprovados pelos estudos sobre férias e saúde.  (1)

Acontece que deixamos o trabalho mas o trabalho não nos deixa. Levamos  connosco muita bagagem desnecessária: preocupações, arrelias, frustrações, desilusões, trabalho e equipamentos: portátil, telemóvel, ipad ...  E acima de tudo a mesma atitude mental: competição expressa ou inconsciente nos mais pequenos pormenores que compromete aqueles benefícios.

Umas férias pensadas e sonhadas para combater o stress levam a aumentar ainda mais o stress com as bichas de automóveis para a praia, para o supermercado, para o barco, dificuldade para estacionar... Afinal já chegava a bicha para marcar consulta no Centro de Saúde, tratar de um documento  na Loja do cidadão, para não falar na AIMA que só de ver na TV me cansa... 

  

O ser humano percebeu que era necessário haver regras para poder funcionar em seu próprio proveito. Mesmo que alguns teimem em não as entender na utilização  do condomínio, do trânsito... e da praia. (2)

Por que há-de haver regras num tempo e espaço em que queremos gozar a nossa liberdade? E por que não hei-de ter as minhas regras ?

Não é de estranhar o resultado de um recente inquérito: “os jovens dizem que as proibições nas praias lhes tiram a diversão.” (3)


Uma das últimas guerras de que estaríamos à espera seria a luta pelo domínio de uma espreguiçadeira junto à praia ou à piscina. Uma espreguiçadeira pode ser o meu território. Tenho espreguiçadeira, logo existo. Mas a conquista daquele minúsculo espaço territorial, a necessidade de ficar à frente, ter o melhor lugar junto à praia, exige ter que levantar cedo, correr para a conquista, impondo a minha regra, o espaço marcado pela minha toalha. E esta vitória tem custos: deixam-me completamente stressado.


Por mais que tenha evoluído e tenha abraçado o progresso, trazido pelo turismo de massas, o ser humano está sempre a voltar para os estádios primitivos dessa evolução. Como acontece com todas as guerras em que  o homo sapiens manifesta a sua incapacidade para ultrapassar a eliminação física do outro ou os pequenos conflitos interpessoais, inesperados, que ameaçam o velho cérebro que dita o meu domínio territorial: "Os hotéis dizem que sem o controlo das espreguiçadeiras "seria uma selva", uma vez que os turistas competem por lugares privilegiados nos hotéis ao longo da costa espanhola." (4)


O comportamento humano não pára de nos surpreender, preocupar e... divertir. Em vez de tranquilas férias aumentamos o stress, a terapia vira pesadelo, um feliz casamento pode voltar de férias desfeito ou uma boa amizade encontrará o seu ocaso. (5)

O ser humano ainda não se adaptou a estas novas regras. Volta sempre à selva de onde afinal parece nunca ter saído: um lugar ao sol tem uma importância fundamental para um primata em via de socialização.


__________________________

Sem comentários:

Enviar um comentário