Ouvimos dizer que o mundo está polarizado. Mais do que isso: o mundo está em guerra e assistimos a atrocidades inimagináveis.
Este século começou mal, com um ataque violento aos Estados Unidos em que foram derrubadas as torres gémeas com cerca de 3000 pessoas mortas (2.977, além dos 19 sequestradores dos aviões). O 11 de Setembro é considerado o ataque com o maior número de mortos da história. Além disso, foi uma tragédia que mudou, em vários aspectos, os rumos do mundo.
Depois veio a pandemia cujos resultados, como estamos agora a constatar, não deixaram tudo bem, antes pelo contrário.
Vivemos, pelas paredes-meias da comunicação social, com a guerra da Ucrânia-Rússia, Israel-Gaza-Irão.
Vivemos “o mesmo mal-estar de que Freud nos falava no início do século XX, no texto O mal-estar na civilização, “em que apresenta uma visão pessimista da relação entre o eu e o outro. É uma visão decorrente de uma leitura que centra a reflexão em torno do conceito de narcisismo; ou seja, tomando como ponto de partida os apelos e desejos narcísicos do eu, o outro aparecerá como um obstáculo. (1)
O ambiente está, de facto, polarizado e irrespirável. A saúde mental foi afectada de forma particularmente sensível.
Claro que as pessoas são afectadas de forma diferente. Há pessoas que são mais afectados do que outras. Ou seja, em que as vulnerabilidades pessoais são mais relevantes do que as potencialidades.
Deste desequilíbrio surge, então, a doença mental.
"Se definirmos a doença mental como uma perda de controle sobre a mente poucos de nós podem garantir estar livres de algum tipo de mal-estar."
“Quando ficamos doentes perdemos o controle sobre os nossos melhores pensamentos e sentimentos. Uma mente que não está bem não consegue aplicar um filtro à informação que chega à consciência; já não consegue ordenar e sequenciar o seu conteúdo. E a partir daqui, sucede-se uma panóplia de cenários dolorosos:
- A nossa consciência é continuamente invadida por ideias despropositadas, como vozes inclementes que ecoam sem parar...
- Somos incapazes de nos reconciliarmos com quem somos.Todas as coisas más que alguma vez dissemos ou fizemos reverberam e ferem nossa auto-estima...
- Não conseguimos moderar a nossa tristeza. Não conseguimos ultrapassar a ideia de que não fomos realmente amados, que fizemos da nossa vida adulta uma bagunça que desapontamos todas as pessoas que alguma vez tenham tido um pingo de esperança em nós...
- Todos os compartimentos da nossa mente estão escancarados. Os pensamentos mais estranhos, mais extremos, correm descontrolados pela nossa consciência. Começamos a temer que possamos gritar obscenidades em público...
- Nos casos mais graves perdemos o poder para distinguir a realidade exterior do nosso mundo interior...
- Á noite... ficamos indefesos perante as nossas piores preocupações... (2)
Mas a vida é assim. A verdadeira saúde mental, diz-nos Alain de Botton, envolve uma aceitação honesta de que, mesmo nas vidas mais competentes e significativas, haverá sempre algum grau de sofrimento e dificuldades...
Até para a semana.
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(1) Jacqueline de O. Moreira, A alteridade no enlaçamento social: uma leitura sobre o texto freudiano “O mal-estar na civilização”, Estudos de Psicologia, 2005
(2) Alain de Botton, Uma viagem terapêutica, D. Quixote, p. 16-19.
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