18/05/23

"A vida apenas, sem mistificação" (3)


Fernando Namora, Deuses e demónios da medicina


Em 12 de Maio de 2023, a Assembleia da República confirmou a lei da eutanásia. 
Com lei ou sem ela, continuo a tentar compreender o que move algumas pessoas nesta campanha radical.
Há um espaço ideológico onde se cruzam os defensores mais dogmáticos das questões fracturantes mas neste caso da eutanásia não há um alinhamento à esquerda e à direita. Os socialistas votaram com os liberais a favor, os comunistas do PCP votaram contra. (1)

Estes arautos do progresso usam a metodologia da persistência que muitas vezes se aproxima do fanatismo. Insistem no assunto tantas vezes quantas as necessárias para obterem o que pretendem. 
Como sabemos quando se consegue uma maioria no parlamento, pode-se aprovar a lei que se quiser, seja pouco ou muito importante como esta: uma questão de vida ou de morte. Por isso esta lei devia ultrapassar a conjuntura.

Contam também com a tibieza dos indiferentes ou que não têm posição. Enquanto no PS não há qualquer dúvida nem qualquer rebuço na aprovação da morte medicamente assistida, no PSD há todas as posições: a favor, contra ou outra coisa que é o referendo. Rui Rio era a favor, Montenegro não sabemos mas defende o referendo. 
Para Pedro Passos Coelho, a Eutanásia é uma decisão (demasiado) radical.
É sempre bom saber que haverá quem não se conforma nem desiste de, no futuro próximo, pôr em cima da mesa a reversão da decisão que o parlamento tomou.

Por outro lado, há uma questão de constitucionalidade. O problema não está apenas na constitucionalidade deste ou daquele artigo. É uma questão de fundo: a inviolabilidade da vida que esta lei não respeita. É, por isso, uma violação da constituição, como defende Jorge Miranda.

Mas há a realidade. O fim da vida deve ser tratado com as condições cientiíficas e humanas de que podemos dispor actualmente. Podemos escolher outras perspectivas ou respostas para esta situação como: a ortotanásia, o testamento vital, os cuidados paliativos.
Há mais de dez anos, em 2012, foi aprovado a Lei (Lei n.º 25/2012, de 16 de julho), que regula as diretivas antecipadas de vontade (DAV), designadamente sob a forma de testamento vital, como é referido no artº 2º. (2)
Se bem entendo, o que está previsto no testamento vital corresponde àquilo que é englobado na definição de ortotanásia. Como se diz num documento do Parlamento, “Ortotanásia” é definida, de forma simples, como “morte natural, sem sofrimento” ou, de forma mais completa, como “postura clínica que procura evitar que os doentes terminais, sem perspetiva de cura ou melhoras sensíveis, sejam submetidos a procedimentos terapêuticos inúteis ou desproporcionados que apenas prolonguem artificialmente a sua agonia, privilegiando, em alternativa, a prestação de cuidados paliativos e a promoção do bem-estar do enfermo durante o processo de morte cuja evolução deverá decorrer de modo natural”

Perante a existência de respostas racionais, culturais, humanas... não havia necessidade de insistir nesta radicalização. Como diz o Papa Francisco "foi aprovada uma lei para matar". E, por isso ,“sei que não vou por aí”. 


Até para a semana.


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(1) A deputada socialista Isabel Moreira considera que aprovar a eutanásia também é cumprir Abril. Esta religião de Abril, como refere Helena Matos, neste caso nem sequer conta com o PCP, certamente um dos seus paladinos.

(2) Em 2012, foi aprovada a Lei n.º 25/2012, de 16 de julho, que regula as diretivas antecipadas de vontade (DAV), designadamente sob a forma de testamento vital, e a nomeação de procurador de cuidados de saúde e cria o Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV).  
No artº 2º refere algumas das directivas antecipadas de vontade (DAV):
"Podem constar do documento de diretivas antecipadas de vontade as disposições que expressem a vontade clara e inequívoca do outorgante, nomeadamente:
a) Não ser submetido a tratamento de suporte artificial das funções vitais;
b) Não ser submetido a tratamento fútil, inútil ou desproporcionado no seu quadro clínico e de acordo com as boas práticas profissionais, nomeadamente no que concerne às medidas de suporte básico de vida e às medidas de alimentação e hidratação artificiais que apenas visem retardar o processo natural de morte;
c) Receber os cuidados paliativos adequados ao respeito pelo seu direito a uma intervenção global no sofrimento determinado por doença grave ou irreversível, em fase avançada, incluindo uma terapêutica sintomática apropriada;
d) Não ser submetido a tratamentos que se encontrem em fase experimental;
e) Autorizar ou recusar a participação em programas de investigação científica ou ensaios clínicos."


A Portaria n.º 96/2014, de 5 de maio, que Regulamenta a organização e funcionamento do Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV) que contempla diversas situações em que a pessoa pode decidir.




Rádio Castelo Branco


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