11/12/24

Um hino à alegria


Gostava de terminar este ano a falar da alegria. Essa emoção extraordinária que nos enche de satisfação, plenitude e confiança, com vontade de seguir em frente, de realizar novos projectos e, se necessário, de mudarmos para sermos melhores pessoas. 
Mesmo quando os motivos que vêm da sociedade e as desavenças exteriores magoam e deixam sobressair a tristeza em que tantas pessoas vivem actualmente. 
Ainda assim, é tempo de Hino à alegria, o 4° andamento da 9ª Sinfonia de Beethoven que foi inspirado num poema de Friedrich Schiller (1785). (1)
De facto, a poesia e a música são a melhor forma de expressão das nossas emoções em especial a emoção da alegria que para Schiller é de origem divina, a alegria é o abraço do amigo que encontra o amigo.

É natural e normal sentir emoções. Elas tornam-nos verdadeiramente humanos e o seu reconhecimento pode ajudar-nos a saber lidar com os acontecimentos da nossa vida e com os pensamentos, agradáveis ou desagradáveis, sobre esses acontecimentos. Elas permitem adaptar-nos aos acontecimentos desestabilizadores expressando-os através do corpo...

Podemos dizer que existem três tipos de emoções: as primárias, as secundárias e as de fundo.
As primárias facilmente perceptíveis pelas pessoas, como: a alegria, expressão do êxito e da partilha; a tristeza, suscitada pela perda de alguém ou de alguma coisa; o medo, reacção face a um perigo; cólera, como resposta muitas vezes a uma injustiça; nojo, que provoca repugnância.
As emoções primárias são completadas por diversas emoções secundárias, mais complexas, implicando outras pessoas, e por isso são chamadas emoções sociais, como a vergonha ,o orgulho, a culpa, o ciúme, a inveja, a gratidão, a compaixão, o embaraço... (A. Damásio, Ao encontro de Espinosa - As Emoções Sociais e a Neurologia do Sentir, Círculo de Leitores, p. 47)
As emoções de fundo: são as não perceptíveis, como a calma ou fadiga. Elas são difíceis de serem percebidas porque são emoções que resultam de processos regulatórios do mundo interno do indivíduo. “O nosso bem-estar ou mal-estar resulta desta calda imensa de interações regulatórias” (A. Damásio, idem, p. 46) 

A alegria é considerada como a emoção mais positiva, funciona como uma recompensa, uma satisfação. Ficamos alegres quando lutamos por algo que acabamos por conseguir ou quando temos um projecto que nos permite ser mais criativos, fortemente motivados e autoconfiantes...

Uma maneira interessante de perceber as emoções será ver, talvez mais uma vez, o filme Inside-Out. Partindo da sua experiência pessoal e da vivência de sua filha de 11 anos, Pete Docter, imaginou o que acontece na complexa mente humana, quando as emoções falam mais alto e, de acordo com as emoções principais identificadas pelo psicólogo Paul Ekman (raiva, medo, tristeza, nojo, alegria) (2), Docter criou Inside-out ou, em português, Divertida-mente. (3)

Neste final de ano, “mudemos então de tom”. Celebremos a alegria, que está na verdadeira amizade, no amor entre as pessoas. É minha sugestão para as festas deste ano, à semelhança do que acontece noutras culturas, como na Alemanha ou no Japão, ouvir o Hino à Alegria de Beethoven.


Bom Natal e bom Ano Novo.

 



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Alegria, sois Divina
filha de Elísio
tornais ébria a Poesia
inspirais Dionísio

Nem costumes ou tradição
Vos reduzem o Encanto
criais-nos um mundo irmão
insuflais nosso Canto

Feliz de quem alcançou
ser-se amigo dum amigo
Quem doce dama ganhou
jubile-se comigo

Quem um só ente conquistou
seja citado no mundo
mas se na Alegria falhou
ficai só moribundo!

(2) Optou por cinco emoções uma vez que considerou a surpresa e medo muito semelhantes.

(3) Sinopse: Riley é uma menina divertida de 11 anos de idade, que deve enfrentar mudanças importantes na sua vida. Dentro do cérebro de Riley, convivem várias emoções diferentes, como a Alegria, o Medo, a Raiva, o Nojo e a Tristeza. A líder delas é Alegria, que se esforça bastante para fazer com que a vida de Riley seja sempre feliz. Entretanto, uma confusão na sala de controle faz com que ela e Tristeza sejam expelidas para fora do local. Agora, elas precisam percorrer as várias ilhas existentes nos pensamentos de Riley para que possam retornar à sala de controle - e, enquanto isto não acontece, a vida da menina muda radicalmente.



Rádio Castelo Branco





07/12/24

Natal – tempo de afectos


Vivemos mais um tempo de Natal, tempo mágico em que a luz, a árvore, a música e tantos outros símbolos, que estão um pouco por todo o lado, nos apelam para  a renovação e transformação da nossa vida  e nos reconfortam com expectativas de emoções e sentimentos mais conformes às necessidades de equilíbrio e homeostasia na nossa vida.


Os nossos sentimentos estão associados às vivências sociais e à cultura deste tempo: Paz, união, amor, saúde, perdão, gratidão, felicidade, prosperidade, solidariedade e fé, são algumas palavras que usamos para os expressar.

A nossa vida seria impensável sem estes sentimentos. Como refere António Damásio: sem sentimentos “seria impossível classificar quaisquer imagens como belas ou feias, agradáveis ou dolorosas, de bom gosto ou vulgares, espirituais ou terrenas.” Diz ainda A. Damásio que “são os sentimentos que nos guiam, que servem de bússola ao nosso comportamento.” (Entrevista de J-F Marmion a A. Damásio "Les raciones biologiques de la Culture", Le cercle psi, p.67)

A nossa vida tem na base um funcionamento homeostático de cujo mecanismo fazem parte os sentimentos que nos ajudam a compreender a nossa vida social e cultural.

Se a nossa vida for comparada a uma árvore temos na parte inferior a regulação metabólica, os reflexos básicos,  as respostas imunitárias.

Nos ramos maiores, os comportamentos de dor e prazer  e, nos ramos mais finos, as pulsões, motivações e emoções e, finalmente, os sentimentos.

Para A. Damásio, “a homeostasia (esse conceito da biologia definido como um processo de regulação pelo qual um organismo consegue a constância do seu equilíbrio) aplica-se à expressão do nosso sentimento pessoal, e estende-se facilmente à família e à tribo mais próxima. O problema é quando esse estado tem de se alargar a milhares de pessoas.  Aí conseguir o equilíbrio é muito mais difícil. Isso explica por exemplo o recrudescimento dos extremismos na Europa. A única solução, insisto, é educar. Para que o nosso sentimento seja o de aceitar o outro.” (Teresa Campos, Uma aula com António Damásio, Visão, 31.10.2017)


Apenas um pequeno grupo dos sentimentos funcionam negativamente. É, por isso,  chocante  que vivências negativas como é o caso da guerra, da violência, da dor e do sofrimento, em especial daquele que atinge os mais desprotegidos, como as crianças, estejam tão presentes na nossa historia recente. 

Os desequilíbrios não têm fim, e há quem continue  apostado num caminho desequilibrado, em que os sentimentos negativos se vão prolongar nefastamente por  várias gerações, dificultando, não só a nível físico, a reparação das infraestruturas destruídas mas, mais profundamente, a reparação das estruturas mentais como os sentimentos de cada vítima da guerra...


O problema é, então, como ultrapassar os sentimentos negativos: a raiva, a vingança, a desconfiança: quando volta a acontecer, quando surge outro ditador, quando teremos, finalmente, Paz.

Dito de outra maneira, como e quando será reposta a homeostasia, essa capacidade de a vida se manter  e  se desenvolver porque o nosso fito é continuar vivos e pensar no futuro (TC, idem)

Os sentimentos que nos vêm da luz, do brilho, da presença, dos abraços deste tempo são o desejo de felicidade para o Natal e de prosperidade para o próximo Ano!




Até para a semana.




Rádio Castelo Branco

 



 

28/11/24

Resiliência


A palavra resiliência tem vindo a ser usada com grande frequência e em diversos contextos. Encontrou adeptos no domínio social, comportamental e cognitivo, e em psiquiatria, psicologia clínica e psicopatologia. Também a sociologia e a etologia usam este conceito... (M. Anaut, p. 50) 
Até serviu para dar título a um programa comunitário para “Recuperar Portugal” na pós-pandemia: o conhecido PRR - Plano de Recuperação e Resiliência.
E a Estée Lauder tem um creme para a pele com as características: Hidratação, anti-envelhecimento, iluminador, nutrição, protecção contra influências externas, de nome Resilience multi-effect.
Na física, a palavra resiliência corresponde às propriedades de resistência de um material, ou seja, a sua capacidade de retornar ao estado original, após sofrer diferentes pressões. 
Para a psicologia uma pessoa será resiliente quando é capaz de voltar ao seu estado habitual após passar por uma experiência difícil ou traumática.

Deve-se à psicóloga americana Emmy Werner, o principal papel no início do estudo da resiliência como resultado “de um equilíbrio evolutivo entre o confronto com elementos nefastos ou stressantes do meio, a vulnerabilidade e os factores de protecção do sujeito, internos (temperamento, capacidades cognitivas, autoestima... ) e externos (fontes não oficiais de apoio, tais como a família alargada, o bairro e os recursos comunitários)”. (p. 48-49)

A resiliência é um assunto que me tem interessado particularmente dadas as interacções que tem com os Bons Tratos 
De facto, um eixo da pesquisa sobre a resiliência tem vindo a estudar os bons tratos. 
Os bons tratos (que não significam apenas a ausência de maus tratos) são um processo e não um estado e pode ser comparado ao conceito de qualidade de vida, compreendendo elementos objectiváveis e aspectos subjectiváveis
Trata-se de um processo federador, de que faria parte a resiliência, o empowerment, sentimento de coerência e coping e pode aplicar-se a lares com bons tratos. (Detraux (2002) citado por Anaut, p. 79)

A resiliência tem sido estudada como:
- uma capacidade, traço de personalidade, resultado de um funcionamento
- equilíbrio entre factores de risco e factores de protecção
- processo adaptativo dinâmico
- não perene, pois trata-se de um processo
- a curto prazo (resposta ao traumatismo) e longo prazo
- estrutural (tem a ver com a atitude face à adversidade, quotidiana..) e conjuntural que resulta do confronto com o traumatismo externo, maciço e único 
- processo psíquico: processo em que os organizadores psíquicos se mobilizam para ajudarem no tratamento traumático...

Haverá um perfil resiliente?
De acordo com Cyrulnyk (referido por Anaut) um indivíduo resiliente teria uma estrutura composta pelas seguintes características:
- QI elevado
- Autonomia e eficácia nas relações com o meio
- Percepção do seu próprio valor
- Boa capacidade de adaptação relacional e de empatia
- Capaz de prever e planificar
- Sentido de humor

Segundo Rutter (citado por Anaut), há três características principais nas pessoas que desenvolvem um comportamento de resiliência perante as condições psicossociais desfavoráveis:
- A consciência da sua autoestima (ou autovalorização e do sentimento de Si)
- A consciência da sua eficácia
- Um repertório de formas de resolução de problemas sociais. 
A autoestima compreende uma disposição mental que prepara o indivíduo para reagir segundo as expectativas de êxito.
A autoeficácia leva o indivíduo a ter a convicção de que tem as capacidades necessárias para ter êxito numa determinada tarefa.

Então quem se sente capaz, válido, importante, tem amor de si, visão de si e confiança em si, e tem apoio nas suas experiências familiares e sociais positivas... é porque é resiliente.



Até para a semana.


 

 

 Rádio Castelo Branco 

 

 



21/11/24

Prevenir – mapas de risco e códigos de conduta


A prevenção da violência sexual e dos abusos sexuais na família e nas instituições passa também pela elaboração de Mapas de Risco e de Códigos de Conduta e Boas Práticas.
O que são então Mapas de risco e Códigos de Conduta e Boas Práticas? O Manual de Prevenção da Violência Sexual contra Crianças e Adultos Vulneráveis no contexto da Igreja Católica em Portugal e o KIT VITA são excelentes auxiliares para levar à compreensão e à prática da prevenção.

Um mapa de risco é um instrumento que permite identificar os riscos específicos da atividade de cada organização e propor as estratégias preventivas a implementar. É uma representação qualitativa dos riscos apresentados num dado ambiente ou contexto de interacção e deve ser objecto de avaliação contínua. 
Para a estimativa do risco podem utilizam-se parâmetros como a Probabilidade de ocorrência; e o Impacto do dano. 
Se, por exemplo, pela probabilidade de ocorrência e impacto do dano, o risco é alto ou muito alto, a actividade não deve iniciar-se até que seja reduzido o risco. Se não for possível reduzir o risco, a actividade deve ser suspensa.

Os Códigos de Conduta e Boas Práticas integram um conjunto de normas específicas relativas à protecção e cuidado de crianças/adultos vulneráveis. Apresentam, de forma clara, os valores, atitudes e comportamentos a adoptar no contacto interpessoal, bem como aqueles que devem ser evitados ou proibidos, e dizem respeito a áreas tão diversas como a linguagem, os comportamentos, o contacto individual, a supervisão, a privacidade em diferentes contextos, a gravação e captação de imagens, as atuações em situações de maus-tratos, a gestão de informação confidencial, entre outras. 

Se tivermos como analogia o semáforo podemos pensar que há comportamentos e atitudes que são proibidos (vermelho), outros são comportamentos a evitar, o amarelo, e outros que devem ser promovidos (verde).

Há muitos destes comportamentos e atitudes que sempre fizeram parte da nossa prática de pais e educadores, mas, provavelmente, haverá outros que nos fazem pensar nos riscos possíveis.

 

Quando falamos de bons tratos e resiliência pensamos em comportamentos e atitudes a promover como condição para que não só os riscos sejam reduzidos ao mínimo mas também dar instrumentos cognitivos, emocionais e sociais que permitam reagir adequadamente quando encontrarmos esses riscos  no nosso caminho.

O que está na origem dos comportamentos perturbados não é apenas a presença de maus tratos (vermelho) mas também a ausência de bons tratos. Não podemos continuar a olhar para a prevenção e para a protecção apenas quando na interacção pais-filhos existem marcas físicas evidentes de que alguma coisa falta ou se degradou. 

É necessário ter em conta não apenas a vulnerabilidade aos factores de risco  mas também os bons tratos e a resiliência (verde). A vulnerabilidade compreende a predisposição ou susceptibilidade para que surja um resultado negativo durante o desenvolvimento. A resiliência é a predisposição individual para resistir às consequências negativas das situações de risco e a criança e jovem desenvolver-se, mesmo assim, adequadamente. 


Os mapas de risco e os códigos de conduta contribuem para a criação de ambientes mais seguros e protetores. 

 


Até para a semana.




Rádio Castelo Branco




14/11/24

A prevenção primária da violência sexual de crianças e pessoas vulneráveis



Em 2019, o Papa Francisco, pediu acção para erradicar o problema do abuso sexual de menores: 
“Chegou a hora de colaborarmos, juntos, para erradicar tal brutalidade do corpo da nossa humanidade, adotando todas as medidas necessárias já em vigor a nível internacional e a nível eclesial.” (Discurso final do Papa Francisco - Encontro sobre a proteção de menores na Igreja - 2019)

A melhor maneira de começar a agir é desenvolver medidas de prevenção da violência sexual. 
A prevenção começa na sensibilização para o tema da violência sexual e para o seu impacto negativo, não apenas nas vítimas, mas também nas suas famílias e em toda a comunidade.
Quando falamos em prevenção primária ou universal falamos em agir antes de o perigo existir. Proteger, procurando minimizar os factores de risco associados à problemática da violência sexual, ao mesmo tempo que se promovem factores de protecção.

Os temas habitualmente abordados nesta sensibilização, são fundamentais para alertar para o que se pode ou não fazer:
· Corpo – conhecer o corpo humano e os conceitos de partes privadas e não privadas;
· Toques – saber distinguir entre toques adequados e desadequados e conhecer os limites dos toques, independentemente da cultura ou do estatuto de quem toca;
· Segredos – compreender a diferença entre segredos bons (associados a emoções agradáveis, como a alegria) e segredos maus (que geram emoções desagradáveis, como o nojo, a raiva, a vergonha ou a culpa, e que estão muitas vezes associadas a situações de ameaça);
· “Saber dizer sim e dizer não” – ou seja um tema que salienta a importância em fomentar um pensamento crítico e a assertividade nas crianças e jovens;
· Pedir ajuda – saber identificar situações de risco e desenvolver competências para revelar, quebrando o silêncio habitualmente associado às situações abusivas... (1)

O Grupo VITA, para além do trabalho de acolhimento, escuta e acompanhamento das vítimas tem sido fundamental para a formação neste âmbito, em primeiro lugar dos elementos das Comissões diocesanas, formação essa já concretizada, e depois de todos os Agentes pastorais, designadamente os que trabalham com crianças e adultos vulneráveis.
Merece destaque a coordenação e a equipa executiva do Grupo VITA que integra técnicos com particular experiência nesta área e que têm sido incansáveis e disponíveis para partilharem o seu saber através destas acções de formação e dos instrumentos de trabalho pedagógico que tem publicado.

Prevenir é também sabermos utilizar instrumentos ao nosso dispor como os mapas de risco e a adopção de códigos de conduta e boas práticas, que permitem saber o que é proibido fazer, o que é um risco fazer e aquilo que se pode e se deve fazer. 
Há necessidade urgente de passarmos do tratamento e reparação dos maus tratos e dos abusos para a prevenção dos riscos e para a prática do direito ao afecto, criando ambientes seguros para todos e promovendo os bons tratos e a resiliência.

Se assim for, as instituições, as famílias e as escolas poderão passar a ser verdadeiras Comissões de Protecção de Crianças e Pessoas Vulneráveis.



Até para a semana

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(1) Joana Alexandre, "Violência sexual no contexto da Igreja Católica – prevenção e ação", Público, 21-8-2023.





Rádio Castelo Branco



06/11/24

Idosos cuidadores de idosos


Tem vindo a aumentar o número de pessoas idosas que necessitam de cuidados permanentes ou regulares, muitas vezes prestados pelos próprios familiares. *
Como sabemos, há perdas e ganhos no envelhecimento. A mente vai-se deteriorando ainda que o corpo esteja fisicamente em condições de realizar as actividades da vida diária. Ou então é o corpo que já não possui as condições que a mente ainda lhe exige. Num ou noutro caso, ter consciência dessas dificuldades não é fácil de aceitar.

Não é um problema da actualidade. Séneca, na carta 26 (Cartas a Lucílio), divide a velhice em duas fases: a da velhice propriamente dita e a da decrepitude.
Diz Séneca: “Dizia-te eu, não há muito, que já estava à vista da velhice; agora creio bem já ter deixado a velhice lá para trás de mim! 
À minha idade, ou pelo menos ao meu corpo, já será adequada outra designação, pois "velhice" é o nome que se dá ao período da vida em que o homem está, embora cansado, ainda não gasto de todo. 
Inclui-me, portanto, no número dos decrépitos já prestes a atingir o fim. 
Há, porém, uma coisa que te peço tomes em consideração: é que não sinto na alma as injúrias da idade, conquanto as sinta no corpo. Somente envelheceram os meus vícios, tal como o corpo auxiliar desses vícios. O meu espírito conserva-se vigoroso e mostra-se contente de já pouco ter de se ocupar com o corpo, isto é, já alijou uma grande parte do seu fardo."


Colocar o pai ou a mãe num lar pode ser uma decisão extremamente difícil e complicada e gerar conflitos contra a sua vontade, quando rejeita essa opção, de forma ostensiva ou ficando em silêncio... Uma alternativa é, muitas vezes, ficar a cuidar deles  na sua própria casa, mesmo que a nível temporário, mesmo que com apoio de outros familiares.

 

É necessário avaliar se o podemos fazer sozinhos, com apoio dos irmãos ou outros familiares, ou com necessidade de recorrer ao apoio domiciliário disponibilizado por instituições ... 

Com pais muito idosos é natural que os filhos também já sejam idosos e, por isso, é necessário ter em conta que os idosos cuidadores de idosos são duplamente onerados devido às suas fragilidades e por terem de cuidar de outros ainda mais frágeis.


Como encarar esta dupla fragilidade? Que fazer? A gestão desta situação faz-se em vários planos: as interações com os pais, as interacções com os irmãos, com o resto da família, com a sociedade.
E não é fácil cuidar, com as forças que nos restam, de pais muito idosos. Mas, por vezes, mais difícil ainda é lidar com o resto da família, em especial os irmãos.
Sendo uma fase stressante para toda a família, muitas vezes as pessoas revelam facetas desconhecidas, quase sempre por motivos por dinheiro e heranças...
Por estarmos numa das fases mais complexas, tristes e emocionalmente desgastantes da vida, é necessário estarmos preparados para estas situações e protegermos a nossa sanidade mental. (Reviver, "Cuidar de pais idosos: As 15 melhores formas de manter a sanidade mental")

 


Até para a semana.


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* No dia 5 de Novembro comemorou-se o Dia Mundial do Cuidador Informal. Este dia foi instituído com o objectivo de homenagear todas as pessoas que, de forma informal, prestam cuidados básicos a quem não pode cuidar de si próprio.




Rádio Castelo Branco




03/11/24

"Q"



Frank Sinatra - After You've Gone (2024 Mix) com Quincy Jones

Quincy Delight Jones Jr. (14/3/1933 - 3/11/2024)





25/10/24

Onde florescem os limões



Wo die Zitronen blühn (Onde florescem os limões) op. 364
Johann Strauss II (25/10/1825 - 3/6/1899)

O auricular invisível


O auricular de que falou o Sr. Primeiro-ministro só tem relevo para a comunicação que pretendia fazer se entendermos que de facto há um auricular invisível que  formatou e aculturou algumas pessoas da comunicação social, com carteira ou sem ela, jornalistas, comentadores ou comentadores-jornalistas e vice-versa. 

1984 (George Orwell) parece estar a acontecer agora, com grande parte do mundo a viver em estado de guerra sem fim à vista. Grande Irmão, fabricado pela Polícia do Pensamento é omnipresente e o Ministério da Verdade, faz a sua propaganda, perseguindo os cidadãos que se atrevem a defender o indivíduo e o pensamento independente.

Quando querem ser imparciais, jornalistas e cidadãos, precisam de capacidade crítica para poderem perceber quando se trata de manipulação do Ministério da Verdade. Para dificultar, há a 'novafala' que tem o seu próprio vocabulário. (1)

Por exemplo, o que é ser activista? Chama-se activista a  alguém de esquerda  que até pode ser violento, fazer manifestações violentas, fazer parar o trânsito, praticar vandalismo, estragando objectos culturais e destruindo bens públicos muitas vezes da própria comunidade de pertença. Já se for de direita é apelidado de extremista.

Os piores ditadores da história são legitimados como Líderes: O Líder Cubano, o Líder Sírio (2) ... Se forem de direita não passam de ditadores de extrema-direita.


Para alguns países os direitos humanos são uma miragem. Nesta matéria, um retrocesso assinalável está a acontecer em todo o mundo. Mas é  neste mundo que o jornalismo se movimenta e por isso não é fácil ter liberdade de pensamento e de expressão. (3)

Não é o nosso caso. Como vivemos em democracia  podemos questionar as medidas do governo (estas ou outras)podemos ter opiniões diferentes e discutir os assuntos que dizem respeito à vida das pessoas: 

 

- Se os velhos socialistas colectivistas, os novos canceladores wokistas, ou os progressistas muito avançados querem impor a dita disciplina de cidadania que é posta em questão por muitos pais e encarregados de educação, anulando princípios constitucionais que definem que “os pais têm o direito e o dever de educação dos filhos” (Artº 27º), então é necessário afirmar aqueles princípios e procurar uma solução que não ponha em causa a responsabilidade da família, tornando a frequência daqueles conteúdos opcional, ou integrando-os na disciplina de História ou de Ciências ou, simplesmente, procurar-se uma plataforma de entendimento suficiente para que não haja objecções por parte dos pais. 

 

- Também se pode buscar consenso para a questão da imigração. Ninguém  concorda, certamente, com políticas de portas escancaradas, sem qualquer controlo, afirmando  que não estão associadas a insegurança e dizendo que as estatísticas sobre segurança não são preocupantes.

Esquecem-se que o medo que as pessoas sentem não vem nas estatísticas nem nos jornais. O medo sente-se na rua onde moram, na zona onde habitam, quando saem à noite ou quando vão ao parque infantil com os filhos... (4)

 


Até para a semana.

 

 

 

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(1) "Guiões da linguagem" dita neutra e dita inclusiva."

 (2) Comentário  de um leitor (lucklucky a 19.10.2024)  a um post de Henrique Pereira dos Santos, "Eu?", no Blog Corta-fitas  sobre a confiança dos americanos na comunicação social,  onde se encontra  algum deste vocabulário.

(3)  "O aumento da polarização está associado à crise da democracia, e à emergência de autocracias e anocracias, em vários países. Segundo o Democracy Report 2023, do V-Dem Institute, entre 2012 e 2022 a percentagem da população mundial que vive em países autocráticos passou de 46% para 72%. Pela primeira vez, em mais de duas décadas, as autocracias são dominantes. Atualmente, só 13% da população mundial vive em democracias liberais enquanto 28% vive em regimes em que não há eleições multipartidárias, não há liberdade de expressão nem de associação e as eleições são manipuladas. A democratização da sociedade só está a acontecer em 14 países, onde vivem 2% da população mundial. Este valor é o mais baixo dos últimos 50 anos."  (Luís Caeiro, Nós e os outros. A sociedade polarizadaCatólica - Lisbon,  Setembro 26, 2023.

(4) E não me refiro apenas à percepção de insegurança.




Rádio Castelo Branco


17/10/24

Pedro e o lobo: a actualidade de Esopo

M. - 5 anos


Uma das famosas fábulas de Esopo é "O Pastor mentiroso e o Lobo". 
"Era uma vez um jovem pastor que levava suas ovelhas para pastar na serra. Para se divertir e ter companhia, ele gritava "Lobo! Lobo!" na direção da aldeia, fazendo os camponeses irem até ele. Mas não era verdade, era apenas uma brincadeira. O pastor repetiu essa brincadeira várias vezes.
Depois de alguns dias, um lobo realmente apareceu e atacou o rebanho. O pastor pediu ajuda gritando "Lobo! Lobo!" ainda mais alto, mas os camponeses não acreditaram nele, pensando que era mais uma brincadeira. O lobo pôde atacar as ovelhas à vontade, pois ninguém veio ajudar. Quando o pastor voltou para a aldeia, reclamou amargamente. O homem mais velho e sábio da aldeia respondeu: "Quem mente constantemente não será acreditado quando falar a verdade."

Pedro e o Lobo, na versão da Disney, narra a história de Pedro e o Lobo, por meio da música, como em Prokofiev. Pedro não é mentiroso. É apenas um caçador que vai para a floresta à procura do lobo. Quando os caçadores da aldeia surgem já Pedro com a ajuda de Ivan, o gato, tinham preso o lobo. Pedro é então o herói da aldeia. Todos estavam felizes menos o lobo, claro !

A história “Pedro e o Lobo” do compositor Sergei Prokofiev foi composta em 1936 com o objectivo pedagógico de mostrar às crianças as sonoridades dos diversos instrumentos musicais. Em "O Pedro e o Lobo" é utilizada uma Orquestra Sinfónica em que cada personagem é representado por um instrumento ou naipe da orquestra e possui um tema musical: O Pedro: Instrumentos de cordas; o Lobo: Trompas; o Avô: Fagote; O Pato: Oboé; O Gato: Clarinete; O Pássaro: Flauta Transversal; Os Caçadores: pelos Tímpanos e pelo Bombo.

A fábula de Esopo e a história de Prokofiev apenas têm em comum o nome, “Pedro e o Lobo”, porque quanto ao resto são completamente diferentes. 
A moral da história de Esopo: Se mentirmos muitas vezes, tornamo-nos pessoas que não são dignas de confiança e os outros deixam de acreditar em nós, mesmo quando falamos a verdade.

A moral da história de Prokofiev, como, por ex., na versão de Suzie Templeton, mostra que a coragem pode ajudar a superar medos que atrapalham, e com a ajuda de um pássaro louco e de um pato sonhador, capturam o lobo.

O destino do lobo é diferente consoante as histórias: vai para o zoo, ou, na versão da Disney não sabemos o que acontece ao lobo, no caso da versão de ST, é solto e regressa à floresta.






"Não é não!" ou da assertividade


“Não é não!” Tem sido à volta desta frase que a política tem acontecido desde que este governo exerce funções. Não é suficiente um não, é necessário reforçar a todo o momento a assumpção desse comportamento, ou seja, de que há linhas vermelhas que não querem ultrapassar.
Temos assistido, incrédulos, a uma “negociação” orçamental onde a descomunicação é que mais ordena e mais despreza qualquer eficácia.
De fora, as pessoas reforçam a experiência de que em política se pode fazer todas as promessas, declarações, propósitos mas quando se chega ao poder (executivo, legislativo...), se pode mudar de atitude, de comportamento, a qualquer momento, dependendo de interesses políticos pontuais ou conjunturais. Como no humor de Groucho Marx: “Esses são os meus princípios. Se não gostar, eu tenho outros.” (1)

Também não deixa de ser curiosa a frase de uma ex-ministra (A. Leitão, 2022), que afirmou: “a assertividade é mais prejudicial às mulheres na política e na vida”. Afinal ser assertivo é bom para os homens!
Pelo contrário, ser assertivo é, de facto, fundamental nas nossas relações e interacções com os outros. 
A assertividade, tal como a inteligência emocional e a empatia, é um dos factores que concorre para uma comunicação eficaz.

Podemos dizer que a assertividade "é o conjunto de condutas emitidas por uma pessoa num contexto interpessoal que expressam os sentimentos, as atitudes, desejos, opiniões e direitos dessa pessoa de um modo directo, firme e honesto, respeitando ao mesmo tempo sentimentos e atitudes, desejos, opiniões e direitos das outras pessoas" (Xavier Guix, Ni me explico ni me entiendes, p. 120)
Desta forma simples, a assertividade parece uma palavra mágica que resolve todos os problemas de comunicação.

A internet oferece-nos essa magia com muitas soluções, regras, leis, estratégias, para se ser assertivo. (2)
“Ora o que é mágico nem sempre funciona , nem é do gosto de todos. Não existe uma única forma no mundo de comportar-se assertivamente mas uma série de estratégias que podem variar segundo a pessoa, o contexto, a sociedade e a cultura em que se vive” (p. 121) 

Perante qualquer situação, mesmo que gere ansiedade ou tensão, podemos responder com passividade, com agressividade ou então com assertividade. (3)
Por isso, a assertividade é importante na nossa vida familiar, no trabalho, na política, e, particularmente, quando a comunicação é difícil, como em situações de ansiedade ou outras situações perturbadoras.

Podemos aprender a desenvolver estratégias assertivas nas interações com os outros, como refere X. Guix (p. 131-133 ):
- Ter propósitos claros: O que realmente quero fazer.
- Evitar os pensamentos automáticos.
- Analisar a posição do outro.
- Tratar as nossas convicções como hipóteses.
- Ver a situação de fora.
- Ter, a priori, dúvidas positivas: partir do que se tem em comum, daquilo em que o outro tem razão, parece ser um bom começo.
- Atender à forma de verbalizar.
Sobre este último aspecto podemos ver a complexidade que requer ser assertivo:
- Ser claro e preciso.
- Implicar-se pessoalmente. Usar o “Eu” em vez do “Eles”.
- Saber implicar o outro: gostei da forma como o outro cooperou na reunião.
- Mostrar-se educado e cordial: dar e receber feedback.



Até para a semana.

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(1)  "Afinal, Portugal raramente foi mais do que «isto»"Maria João Avillez considera que não há um português que suporte um minuto mais “disto”. 

(2) Desenvolver a atitude assertiva e ser mais feliz nas relações interpessoais

(3) Podemos avaliar se somos mais agressivos ou assertivos, como no Teste de assertividade de Rathus.



Rádio Castelo Branco



09/10/24

A comunicação social e os abusos


Perante a crise dos abusos sexuais na Igreja, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) tem respondido assertivamente ao problema, de várias formas. 

Em Portugal, o estudo desta realidade foi entregue  a uma Comissão Independente que concluiu pela existência dos abusos, ao longo de mais de 70 anos, e pela necessidade de agir em várias áreas, como consta do Relatório final elaborado.

A realidade descrita é suficientemente dolorosa para, tout court, se aceitar as conclusões do Relatório.

No entanto, não questionando essa  verdade, certamente que se podem colocar problemas metodológicos e em consequência questionar  algumas conclusões a que a Comissão Independente chegou. (1)

Perante a necessidade de dar continuidade às sinalizações, verificou-se a impossibilidade de identificar muitos casos por falta de dados, tal como de vir a poder efectuar compensações financeiras, sem ter de obrigar a novo processo ainda que com o risco de revitimização.

 

Na sequência da Carta Apostólica Vos estis lux mundi do Papa Francisco, foram criadas as Comissões Diocesanas para proteção de crianças e jovens e pessoas vulneráveis que respondem localmente pela prevenção e protecção das vítimas de abusos.

 

Foi também criado o Grupo VITA que não só continuou  a atender vítimas, a nível nacional, como se tem empenhado na realização de acções de prevenção primária como formação e elaboração de instrumentos de trabalho pedagógicos para a prevenção.

O Grupo VITA criou ainda uma bolsa de psicólogos e psiquiatras, de  todo o país, que têm atendido as vítimas que necessitam de apoio psicológico. Como Bento XVI referiu, "o importante é, primeiro, olhar pelas vítimas e fazer tudo para as ajudar e acompanhar enquanto saram”.

 

A comunicação social informa, investiga e divulga mas também manipula e é manipulada de acordo com interesses mais ou menos expressos ou mais ou menos ocultos.

Seja como for, na complexidade do mundo global, uma grande parte da  luta pela liberdade e liberdade de expressão passa pelo trabalho dos jornalistas e dos media, que não têm trabalho fácil e estão sujeitos a perseguições arriscando a própria vida. (Committee to Protect Journalists)

Por isso, o papel da Comunicação Social é fundamental na investigação de eventuais casos de violência sexual nas instituições da Igreja mas também da sociedade, famílias, escolas, desporto... Por isso mesmo, deve investigar e informar com imparcialidade. 


Bento XVI, em entrevista a Peter Seewald, Luz do mundo - O Papa, a Igreja e os Sinais dos tempos, disse o seguinte sobre o papel da comunicação social: "Não foi possível deixar de reparar que subjacente a este esclarecimento por parte da imprensa, estavam não só a vontade pura de obter a verdade, mas também uma alegria em comprometer e em desacreditar o mais possível a Igreja. Independentemente disso, tem, porém, de ficar sempre claro que, sendo verdade, devemos estar agradecidos por cada  esclarecimento. A verdade, associada ao amor correctamente entendido, é o valor número um. E, por fim, os meios de comunicação social não teriam podido falar como falaram, se na própria Igreja não houvesse o mal. Só porque o mal estava na Igreja é que os outros puderam utilizá-lo contra ela."




Até para a semana.

 

 

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Felícia Cabrita entrevistou várias personalidades (Euclides Dâmaso, Jónatas Machado, Mário Mendes, José Cardoso da Costa) sobre o assunto - "Já não estamos no tempo da Inquisição", Jornal I, 18-3-2023;