30/10/22
Uma entrevista de M. Seligman e de como deixar de perguntar: "o que há para o jantar ?"
21/10/22
Com a energia de Whitman
Depois de ter transposto três vintenas e mais dez anos,
Com todas as suas oportunidades, variações, prejuízos e dores,
As mortes dos meus pais, os devaneios da minha vida, as minhas
muitas paixões dilacerantes, a guerra de 63 e 64,
Como um velho soldado inutilizado, após uma longa marcha
violenta e esgotante, ou talvez após um combate,
Hoje, ao crepúsculo, a coxear, respondo com voz enérgica à
chamada da companhia: Pronto!
Para me apresentar ainda, e ainda saudar o oficial acima de tudo.
Walt Whitman
19/10/22
Abusos sexuais
A história da infância é um longo caminho de sofrimento das crianças.
Tendo em vista a protecção da infância, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou, em 1959, a Declaração dos Direitos da Criança. Trinta anos depois, em 1989, foi adoptada a Convenção sobre os Direitos da Criança.
Porém, um pouco por todo o lado, surgem notícias sobre abusos de crianças como está a acontecer com a Igreja Católica.
Depois da publicação da Carta apostólica “Vos estis lux mundi”, do Papa Francisco, em alguns países foram criadas Comissões de Protecção de Menores e Pessoas Vulneráveis.
Foram também criadas comissões independentes para a avaliarem os abusos cometidos no passado. Em Portugal, foi criada pela Conferência Episcopal Portuguesa a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja (CIEAMI) para apurar casos que tenham acontecido nos últimos setenta anos. O trabalho da Comissão Independente termina em Janeiro de 2023. No entanto, foram apresentados os resultados provisórios: Um total de 424 testemunhos de abusos sexuais cometidos sobre menores por membros da Igreja Católica portuguesa foram validados, até agora, pela Comissão independente.
Estes resultados vieram mostrar, também em Portugal, a falha dentro da Igreja na protecção das crianças. Perante este vendaval, o que pensar?
Bento XVI, já em 2010, avaliava estes resultados no livro-entrevista Luz do Mundo - O Papa, a Igreja e os Sinais dos Tempos - uma conversa com Peter Seewald.
Pergunta Seewald: ...Como de um abismo profundo, surgiram do passado inúmeros e inacreditáveis casos de abusos sexuais cometidos por padres e religiosos. As nuvens ensombram também a Santa Sé. Já ninguém fala da instância moral para o mundo que normalmente se reconhece ser um Papa. Qual é a dimensão desta crise? Trata-se mesmo, como tivemos oportunidade de ler, de uma das maiores crises na História da Igreja?
- “Sim, é uma grande crise, temos de admiti-lo. Foi perturbadora para todos nós. De súbito, tanta sujidade! Foi realmente quase como uma cratera vulcânica da qual tivesse sido expulsa de repente uma enorme nuvem de sujidade que tudo escureceu e conspurcou, de modo a que, de entre todas as coisas, o sacerdócio parecesse subitamente um local vergonhoso e que todos os padres ficassem sob a suspeita de o serem também. Muitos sacerdotes confessaram já não se atrever sequer a dar a mão a uma criança, quanto mais a organizar um campo de férias com crianças.” (p. 33-34)
E sobre a comunicação social diz Bento XVI:
- “Não foi possível deixar de reparar que subjacente a esse esclarecimento por parte da imprensa, estavam não só a vontade pura de obter a verdade, mas também uma alegria em comprometer e em desacreditar o mais possível a Igreja. Independentemente disso, tem porém de ficar sempre claro que, sendo verdade, devemos estar agradecidos por cada esclarecimento. A verdade, associada ao amor correctamente entendido, é o valor número um. E, por fim, os meios de comunicação social não teriam podido falar como falaram se na própria Igreja não houvesse o mal. Só porque o mal estava na Igreja é que outros puderam utilizá-lo contra ela.” (p. 36-37)
Não vale a pena usar o processo de vitimização. Nesta história dos abusos as vítimas são outras.
Até para a semana.
14/10/22
Respeitar os professores...
Ouvimos dizer que a escola já não é como era. Antes havia disciplina e os professores eram respeitados.(1) De facto, parece haver um “sentimento geral” de que se perdeu o respeito pela autoridade que havia em relação a várias instituições políticas, sociais, religiosas. Parece que este fenómeno é particularmente notado nas escolas e em relação aos professores.
Cada um de nós tem conhecimento de agressões a professores, feitas por alunos e pais, que são notícia nos meios de comunicação social, o que significa que são suficientemente graves para merecerem essa referência.
Era interessante saber: qual a dimensão destas atitudes e comportamentos para com os professores? Quem desrespeita quem: são os alunos, os pais, a comunidade?
Em 2020, "os números mostram que todas as semanas alguém foi agredido ou ameaçado de morte. Mas tanto professores como polícia garantem que existem muitos mais casos que ficam dentro dos muros das escolas, sem nunca serem esquecidos pelas vítimas. "Muitos preferem remeter-se ao silêncio para não colocar a imagem da escola em causa".
Se virmos o que dizem alguns sindicatos de professores, parece que quem desrespeita mais os professores é o ministério da educação. Ou seja a autoridade dos professores é posta em causa pelo poder quando não cria as condições para que a função docente seja exercida nas condições que evitem a falta de respeito aos professores e a outros funcionários da escola.
Mas o desrespeito pelo poder e pela autoridade vem também dos alunos como aconteceu com o slogan “não pagamos“ e a “geração rasca”. Ou era apenas irreverência da juventude?
De facto, podemos dizer que a escola e os professores têm vindo a perder status *. Interessa, por isso, saber a que se poderá dever esta situação. Onde começou esta mudança profunda de desrespeito da autoridade dos professores na escola e na sociedade.
A degradação da autoridade tem vindo a acontecer a partir de uma das perversidades saídas do Maio 68, em França. Um dos slogans, “Proibido proibir”, foi o mote que levou a questionar toda a autoridade e não só o poder.
Vargas Llosa, em A Civilização do Espectáculo, refere: “Pelo menos no campo do ensino, a partir de 1968 a autoridade castradora dos instintos libertários dos jovens voara em pedaços.” Mas, por outro lado, o Maio 68 vem dar “legitimidade e glamour à ideia de que toda autoridade é suspeita, perniciosa e desdenhável e que o ideal libertário mais nobre é desconhecê-la, negá-la e destruí-la” (p. 79)
E escreve Vargas Lhosa: “Em nenhum campo isto foi tão catastrófico para a cultura como na educação. O professor, despojado de credibilidade e autoridade, convertido em muitos casos, na perspetiva progressista, em representante do poder repressivo, isto é, no inimigo a quem para alcançar a liberdade e dignidade humana era preciso resistir e até abater não só perdeu a confiança e respeito sem os quais era impossível cumprir eficazmente a sua função de educador - de transmissor tanto de valores como de conhecimentos - perante os seus alunos, como também os dos próprios pais de família e de filósofos revolucionários..." (p. 80)
Porém, o poder não se viu afectado minimamente. Pelo contrário. (3)
_________________________
(1) Podemos questionar o que quer dizer "respeito". O respeito é um sentimento positivo em relação a outra pessoa ou em relação a si próprio. Respeito é mais do que tolerância. Respeito é concordar, incentivar, respeito implica inclusão, empatia, honestidade, cumprir as promessas que se fazem, escutar com atenção, colocar-se no lugar do outro, cumprir as leis do país em que se vive...
04/10/22
A civilização do espectáculo
O que é a civilização espectáculo? “A de um mundo onde em primeiro lugar na tabela de valores vigente é ocupado pelo entretenimento e onde divertir-.se, fugir ao aborrecimento é paixão universal. Este ideal de vida é perfeitamente legítimo, sem dúvida... Mas converter esta propensão natural para passar uns bons momentos num valor supremo tem consequências inesperadas: a banalização da cultura, a generalização da frivolidade e, no campo da informação, que prolifere o jornalismo irresponsável da bisbilhotice e do escândalo.”
Esta definição é de Mario Vargas Llosa que escreveu o ensaio A civilização do Espetáculo. (1)
Embora a primeira edição seja de 2012, dez anos depois, está bem para este tempo em que se tem acentuado a propensão social para este tipo de vivências.
De facto, "o bem-estar, a liberdade de costumes, e o espaço ocupado pelo ócio no mundo desenvolvido constituíram um estímulo notável para que se multiplicassem as indústrias de diversão promovidas pela publicidade, mãe e mestra mágica do nosso tempo” (p. 32)
Outro factor importante tem sido a democratização da cultura feita “através de educação mas também da promoção e da subvenção das artes, das letras e restantes manifestações culturais.” (p. 33) O que aconteceu foi que através desta expansão ficou em questão a qualidade.
Na civilização do espectáculo tudo se equivale: seja um concerto de música clássica ou uma festa popular, tudo é light, ligeiro: literatura, cinema , arte ... dá impressão ao leitor e ao espectador de ser culto, moderno, de estar na vanguarda e ter humor. “Na civilização do espectáculo, o cómico é o rei.“ (p. 41)
Juntamente com a frivolidade, a massificação é outra característica tal como acontece nos jogos de futebol ou nos espectáculos de música.
Estamos a assistir a acontecimentos altamente violentos no futebol como aconteceu recentemente na Indonésia.
Também não deixa de ser preocupante o que aconteceu recentemente nos estádios portugueses em que a violência contra adeptos de outros clubes parece ser coisa normal e o mais estranho é a violência exercida contra crianças que assistem ao desafio com camisola de outro clube...
Na política, procura-se o apoio de intelectuais, desportistas, humoristas, as estrelas da televisão através de testemunhos e abaixo-assinados destas personalidades...
Há-os para para todos os gostos, e estão disponíveis, igualmente, para apoiar políticos de todos os quadrantes...
Acontece que são quase sempre esses intelectuais dominados pela cegueira e pelo silêncio que permitem horrores como os que aconteceram e estão a acontecer durante as guerras.
A civilização do espectáculo manifesta-se em todas as áreas culturais: literatura, cinema, artes plásticas, música, política, sexo, jornalismo...
Caberá também a estas áreas da cultura contribuir para que se mude o entretenimento passageiro, fútil, ocioso, noutra coisa que seja a compreensão de que “a vida não é só diversão também é drama, dor, mistério e frustração.” (p. 54 )
O retorno da capacidade crítica destas várias manifestações da cultura será muito importante para um regresso (que será verdadeiro progresso) a uma cultura que sendo para todos não deixará de ser exigente e de alto nível.
Até para a semana.