28/11/24

Resiliência


A palavra resiliência tem vindo a ser usada com grande frequência e em diversos contextos. Encontrou adeptos no domínio social, comportamental e cognitivo, e em psiquiatria, psicologia clínica e psicopatologia. Também a sociologia e a etologia usam este conceito... (M. Anaut, p. 50) 
Até serviu para dar título a um programa comunitário para “Recuperar Portugal” na pós-pandemia: o conhecido PRR - Plano de Recuperação e Resiliência.
E a Estée Lauder tem um creme para a pele com as características: Hidratação, anti-envelhecimento, iluminador, nutrição, protecção contra influências externas, de nome Resilience multi-effect.
Na física, a palavra resiliência corresponde às propriedades de resistência de um material, ou seja, a sua capacidade de retornar ao estado original, após sofrer diferentes pressões. 
Para a psicologia uma pessoa será resiliente quando é capaz de voltar ao seu estado habitual após passar por uma experiência difícil ou traumática.

Deve-se à psicóloga americana Emmy Werner, o principal papel no início do estudo da resiliência como resultado “de um equilíbrio evolutivo entre o confronto com elementos nefastos ou stressantes do meio, a vulnerabilidade e os factores de protecção do sujeito, internos (temperamento, capacidades cognitivas, autoestima... ) e externos (fontes não oficiais de apoio, tais como a família alargada, o bairro e os recursos comunitários)”. (p. 48-49)

A resiliência é um assunto que me tem interessado particularmente dadas as interacções que tem com os Bons Tratos 
De facto, um eixo da pesquisa sobre a resiliência tem vindo a estudar os bons tratos. 
Os bons tratos (que não significam apenas a ausência de maus tratos) são um processo e não um estado e pode ser comparado ao conceito de qualidade de vida, compreendendo elementos objectiváveis e aspectos subjectiváveis
Trata-se de um processo federador, de que faria parte a resiliência, o empowerment, sentimento de coerência e coping e pode aplicar-se a lares com bons tratos. (Detraux (2002) citado por Anaut, p. 79)

A resiliência tem sido estudada como:
- uma capacidade, traço de personalidade, resultado de um funcionamento
- equilíbrio entre factores de risco e factores de protecção
- processo adaptativo dinâmico
- não perene, pois trata-se de um processo
- a curto prazo (resposta ao traumatismo) e longo prazo
- estrutural (tem a ver com a atitude face à adversidade, quotidiana..) e conjuntural que resulta do confronto com o traumatismo externo, maciço e único 
- processo psíquico: processo em que os organizadores psíquicos se mobilizam para ajudarem no tratamento traumático...

Haverá um perfil resiliente?
De acordo com Cyrulnyk (referido por Anaut) um indivíduo resiliente teria uma estrutura composta pelas seguintes características:
- QI elevado
- Autonomia e eficácia nas relações com o meio
- Percepção do seu próprio valor
- Boa capacidade de adaptação relacional e de empatia
- Capaz de prever e planificar
- Sentido de humor

Segundo Rutter (citado por Anaut), há três características principais nas pessoas que desenvolvem um comportamento de resiliência perante as condições psicossociais desfavoráveis:
- A consciência da sua autoestima (ou autovalorização e do sentimento de Si)
- A consciência da sua eficácia
- Um repertório de formas de resolução de problemas sociais. 
A autoestima compreende uma disposição mental que prepara o indivíduo para reagir segundo as expectativas de êxito.
A autoeficácia leva o indivíduo a ter a convicção de que tem as capacidades necessárias para ter êxito numa determinada tarefa.

Então quem se sente capaz, válido, importante, tem amor de si, visão de si e confiança em si, e tem apoio nas suas experiências familiares e sociais positivas... é porque é resiliente.



Até para a semana.


 

 

 Rádio Castelo Branco 

 

 



21/11/24

Prevenir – mapas de risco e códigos de conduta


A prevenção da violência sexual e dos abusos sexuais na família e nas instituições passa também pela elaboração de Mapas de Risco e de Códigos de Conduta e Boas Práticas.
O que são então Mapas de risco e Códigos de Conduta e Boas Práticas? O Manual de Prevenção da Violência Sexual contra Crianças e Adultos Vulneráveis no contexto da Igreja Católica em Portugal e o KIT VITA são excelentes auxiliares para levar à compreensão e à prática da prevenção.

Um mapa de risco é um instrumento que permite identificar os riscos específicos da atividade de cada organização e propor as estratégias preventivas a implementar. É uma representação qualitativa dos riscos apresentados num dado ambiente ou contexto de interacção e deve ser objecto de avaliação contínua. 
Para a estimativa do risco podem utilizam-se parâmetros como a Probabilidade de ocorrência; e o Impacto do dano. 
Se, por exemplo, pela probabilidade de ocorrência e impacto do dano, o risco é alto ou muito alto, a actividade não deve iniciar-se até que seja reduzido o risco. Se não for possível reduzir o risco, a actividade deve ser suspensa.

Os Códigos de Conduta e Boas Práticas integram um conjunto de normas específicas relativas à protecção e cuidado de crianças/adultos vulneráveis. Apresentam, de forma clara, os valores, atitudes e comportamentos a adoptar no contacto interpessoal, bem como aqueles que devem ser evitados ou proibidos, e dizem respeito a áreas tão diversas como a linguagem, os comportamentos, o contacto individual, a supervisão, a privacidade em diferentes contextos, a gravação e captação de imagens, as atuações em situações de maus-tratos, a gestão de informação confidencial, entre outras. 

Se tivermos como analogia o semáforo podemos pensar que há comportamentos e atitudes que são proibidos (vermelho), outros são comportamentos a evitar, o amarelo, e outros que devem ser promovidos (verde).

Há muitos destes comportamentos e atitudes que sempre fizeram parte da nossa prática de pais e educadores, mas, provavelmente, haverá outros que nos fazem pensar nos riscos possíveis.

 

Quando falamos de bons tratos e resiliência pensamos em comportamentos e atitudes a promover como condição para que não só os riscos sejam reduzidos ao mínimo mas também dar instrumentos cognitivos, emocionais e sociais que permitam reagir adequadamente quando encontrarmos esses riscos  no nosso caminho.

O que está na origem dos comportamentos perturbados não é apenas a presença de maus tratos (vermelho) mas também a ausência de bons tratos. Não podemos continuar a olhar para a prevenção e para a protecção apenas quando na interacção pais-filhos existem marcas físicas evidentes de que alguma coisa falta ou se degradou. 

É necessário ter em conta não apenas a vulnerabilidade aos factores de risco  mas também os bons tratos e a resiliência (verde). A vulnerabilidade compreende a predisposição ou susceptibilidade para que surja um resultado negativo durante o desenvolvimento. A resiliência é a predisposição individual para resistir às consequências negativas das situações de risco e a criança e jovem desenvolver-se, mesmo assim, adequadamente. 


Os mapas de risco e os códigos de conduta contribuem para a criação de ambientes mais seguros e protetores. 

 


Até para a semana.




Rádio Castelo Branco




14/11/24

A prevenção primária da violência sexual de crianças e pessoas vulneráveis



Em 2019, o Papa Francisco, pediu acção para erradicar o problema do abuso sexual de menores: 
“Chegou a hora de colaborarmos, juntos, para erradicar tal brutalidade do corpo da nossa humanidade, adotando todas as medidas necessárias já em vigor a nível internacional e a nível eclesial.” (Discurso final do Papa Francisco - Encontro sobre a proteção de menores na Igreja - 2019)

A melhor maneira de começar a agir é desenvolver medidas de prevenção da violência sexual. 
A prevenção começa na sensibilização para o tema da violência sexual e para o seu impacto negativo, não apenas nas vítimas, mas também nas suas famílias e em toda a comunidade.
Quando falamos em prevenção primária ou universal falamos em agir antes de o perigo existir. Proteger, procurando minimizar os factores de risco associados à problemática da violência sexual, ao mesmo tempo que se promovem factores de protecção.

Os temas habitualmente abordados nesta sensibilização, são fundamentais para alertar para o que se pode ou não fazer:
· Corpo – conhecer o corpo humano e os conceitos de partes privadas e não privadas;
· Toques – saber distinguir entre toques adequados e desadequados e conhecer os limites dos toques, independentemente da cultura ou do estatuto de quem toca;
· Segredos – compreender a diferença entre segredos bons (associados a emoções agradáveis, como a alegria) e segredos maus (que geram emoções desagradáveis, como o nojo, a raiva, a vergonha ou a culpa, e que estão muitas vezes associadas a situações de ameaça);
· “Saber dizer sim e dizer não” – ou seja um tema que salienta a importância em fomentar um pensamento crítico e a assertividade nas crianças e jovens;
· Pedir ajuda – saber identificar situações de risco e desenvolver competências para revelar, quebrando o silêncio habitualmente associado às situações abusivas... (1)

O Grupo VITA, para além do trabalho de acolhimento, escuta e acompanhamento das vítimas tem sido fundamental para a formação neste âmbito, em primeiro lugar dos elementos das Comissões diocesanas, formação essa já concretizada, e depois de todos os Agentes pastorais, designadamente os que trabalham com crianças e adultos vulneráveis.
Merece destaque a coordenação e a equipa executiva do Grupo VITA que integra técnicos com particular experiência nesta área e que têm sido incansáveis e disponíveis para partilharem o seu saber através destas acções de formação e dos instrumentos de trabalho pedagógico que tem publicado.

Prevenir é também sabermos utilizar instrumentos ao nosso dispor como os mapas de risco e a adopção de códigos de conduta e boas práticas, que permitem saber o que é proibido fazer, o que é um risco fazer e aquilo que se pode e se deve fazer. 
Há necessidade urgente de passarmos do tratamento e reparação dos maus tratos e dos abusos para a prevenção dos riscos e para a prática do direito ao afecto, criando ambientes seguros para todos e promovendo os bons tratos e a resiliência.

Se assim for, as instituições, as famílias e as escolas poderão passar a ser verdadeiras Comissões de Protecção de Crianças e Pessoas Vulneráveis.



Até para a semana

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(1) Joana Alexandre, "Violência sexual no contexto da Igreja Católica – prevenção e ação", Público, 21-8-2023.





Rádio Castelo Branco



06/11/24

Idosos cuidadores de idosos


Tem vindo a aumentar o número de pessoas idosas que necessitam de cuidados permanentes ou regulares, muitas vezes prestados pelos próprios familiares. *
Como sabemos, há perdas e ganhos no envelhecimento. A mente vai-se deteriorando ainda que o corpo esteja fisicamente em condições de realizar as actividades da vida diária. Ou então é o corpo que já não possui as condições que a mente ainda lhe exige. Num ou noutro caso, ter consciência dessas dificuldades não é fácil de aceitar.

Não é um problema da actualidade. Séneca, na carta 26 (Cartas a Lucílio), divide a velhice em duas fases: a da velhice propriamente dita e a da decrepitude.
Diz Séneca: “Dizia-te eu, não há muito, que já estava à vista da velhice; agora creio bem já ter deixado a velhice lá para trás de mim! 
À minha idade, ou pelo menos ao meu corpo, já será adequada outra designação, pois "velhice" é o nome que se dá ao período da vida em que o homem está, embora cansado, ainda não gasto de todo. 
Inclui-me, portanto, no número dos decrépitos já prestes a atingir o fim. 
Há, porém, uma coisa que te peço tomes em consideração: é que não sinto na alma as injúrias da idade, conquanto as sinta no corpo. Somente envelheceram os meus vícios, tal como o corpo auxiliar desses vícios. O meu espírito conserva-se vigoroso e mostra-se contente de já pouco ter de se ocupar com o corpo, isto é, já alijou uma grande parte do seu fardo."


Colocar o pai ou a mãe num lar pode ser uma decisão extremamente difícil e complicada e gerar conflitos contra a sua vontade, quando rejeita essa opção, de forma ostensiva ou ficando em silêncio... Uma alternativa é, muitas vezes, ficar a cuidar deles  na sua própria casa, mesmo que a nível temporário, mesmo que com apoio de outros familiares.

 

É necessário avaliar se o podemos fazer sozinhos, com apoio dos irmãos ou outros familiares, ou com necessidade de recorrer ao apoio domiciliário disponibilizado por instituições ... 

Com pais muito idosos é natural que os filhos também já sejam idosos e, por isso, é necessário ter em conta que os idosos cuidadores de idosos são duplamente onerados devido às suas fragilidades e por terem de cuidar de outros ainda mais frágeis.


Como encarar esta dupla fragilidade? Que fazer? A gestão desta situação faz-se em vários planos: as interações com os pais, as interacções com os irmãos, com o resto da família, com a sociedade.
E não é fácil cuidar, com as forças que nos restam, de pais muito idosos. Mas, por vezes, mais difícil ainda é lidar com o resto da família, em especial os irmãos.
Sendo uma fase stressante para toda a família, muitas vezes as pessoas revelam facetas desconhecidas, quase sempre por motivos por dinheiro e heranças...
Por estarmos numa das fases mais complexas, tristes e emocionalmente desgastantes da vida, é necessário estarmos preparados para estas situações e protegermos a nossa sanidade mental. (Reviver, "Cuidar de pais idosos: As 15 melhores formas de manter a sanidade mental")

 


Até para a semana.


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* No dia 5 de Novembro comemorou-se o Dia Mundial do Cuidador Informal. Este dia foi instituído com o objectivo de homenagear todas as pessoas que, de forma informal, prestam cuidados básicos a quem não pode cuidar de si próprio.




Rádio Castelo Branco




03/11/24

"Q"



Frank Sinatra - After You've Gone (2024 Mix) com Quincy Jones

Quincy Delight Jones Jr. (14/3/1933 - 3/11/2024)