No dia 25 de Dezembro de 2016, o avião Tupolev Tu-154 da Força Aérea Russa, que voava de Sochi com destino à Síria, caiu no Mar Negro, após a descolagem. Entre as 92 pessoas que faleceram, 64 pertenciam ao Ensemble Alexandrove iriam participar numa celebração de final de ano na base síria de Khmeimim.
A música coral russa que ouvia com frequência na infância sempre me interessou. Das canções da música folclórica russa, Уральская рябинушка, nesta versão, era a minha preferida, mais do que Калинка ou Катюша.
Mais tarde, Выхожу один я на дорогу, com música de Е.Шашина e texto do poeta М. Лермонтов (Lermontov), passou para primeiro plano.
A música dos grandes coros sempre me fascinou, como a nostálgica canção dos barqueirosdo Volga (Эй, ухнем! Οι λεμβούχοι του Βόλγα).
O coro do exército russo - Ensemble Alexandrov - é um símbolo do que foi e é a Rússia, a "arma cantante do seu exército" mas não deixa de ser interessante ouvir o coro cantar a Ave Maria, de Schubert ou o concerto que deram no Vaticano.
O coro é muito mais do que essa "arma". A cultura da Europa não termina nos Urais. O povo russo é muito mais do que povo soviético e a música popular russa é universal. Como se pode ouvir nesta extraordinária interpretação de "olhos negros" (Очи чёрные) de Louis Armstrong.
The first time ever I saw your face,
I thought the sun rose in your eyes.
And the moon and stars were the gifts you gave,
To the dark and the endless sky, my love.
And the first time ever I kissed your mouth,
I felt the earth move through my hands.
Like the trembling heart of a captive bird
That was there at my command.
And the first time ever I lay with you,
I felt your heart so close to mine.
And I know our joy would fill the earth,
And last till the end of time, my love.
O Natal é uma época festiva com grande expressão para a família. Sendo diferente do passado na sua estrutura, nas suas funções, nem tudo gira à volta dela como então, a família, actualmente, é feita sobretudo da partilha de sentimentos e emoções, de laços que ligam as várias gerações, mesmo que a presença física dos seus elementos nem sempre aconteça.
Para as crianças continua a ser o tempo de magia que sempre foi. Um tempo carregado de símbolos, onde se reforçam os laços de pertença, se sente a segurança de “tomar conta” em relação aos mais frágeis como as crianças ou os mais velhos.
Apesar de em muitos locais continuar a haver guerra, insegurança e incerteza, problemas nas famílias – não há famílias perfeitas nem famílias sem problemas - as condições económicas e sociais melhoraram significativamente.
A nível da saúde e educação houve melhorias enormes em relação ao passado. A esperança de vida aumentou de tal forma que hoje se encontram ainda vivas, em muitas famílias, várias gerações. “Há apenas duzentos anos, a esperança de vida no mundo ocidental era de cerca de trinta anos” (Bruno Bettelheim, Bons Pais - o sucesso na educação dos filhos, p.516 ) O mito de que “antigamente era tudo muito melhor” não corresponde à realidade. A vida das famílias era bem mais dura do que é hoje.
Por outro lado, a família teve que se adaptar à mudança das condições sociais, obrigando-a a um esforço maior no cuidado a dispensar aos seus vários elementos.
Creio que foi nesse sentido, que o Papa Francisco pediu que “esta alegria (do Natal) deve ser partilhada com todos, mas de modo especial com os avós. Conversem muito com os vossos avós, também eles têm esta alegria contagiosa”,
Pediu que os mais jovens saibam ouvir os idosos, que têm a “memória da história, a experiência da vida. Mas “Eles também precisam de vos ouvir, de entender as vossas aspirações e esperanças. Portanto, eis o trabalho de casa: conversar com os avós, ouvir os avós.” (Recepção no Vaticano a jovens da Acção Católica Italiana, em 19 dez 2016)
Esta visão questiona alguns mitos como o de que “os pais educam e os avós estragam”. Claro que há excepções, mas os avós podem ajudar a estabelecer algum equilíbrio na família face à vida activa e agitada dos pais, aos seus padrões educativos muito exigentes ou demasiado laxistas.
Os avós podem sentir-se úteis ao colaborarem na educação dos filhos. Este papel dos avós na educação e transmissão cultural ganha assim um relevo insubstituível nas interacções familiares.
Em troca, eles apenas ficam reconhecidos pelo milagre da vida que continua nos filhos dos seus filhos:
"Quando se olham os seus olhos, quando se escuta a sua voz
É mais linda a manhã, alumia mais o sol
Quando nos brindam com o seu sorriso quando nos dão a sua candura
Jorra uma nascente de água fresca no coração
Eles são o tesouro, eles são a alegria
É por eles que a vida se torna mais doce, se vive melhor
Os filhos são a bênção, o milagre do nosso amor
ensinam-nos como amar, como abrir o nosso coração.
Para António Damásio, “as emoções são conjuntos complicados de respostas químicas e neurais que formam um padrão…são processos biologicamente determinados, dependentes de dispositivos cerebrais estabelecidos de forma inata e sedimentados por uma longa história evolucionária…” (O sentimento de si, p 72)
Podemos falar da existência de emoções primárias, básicas ou universais, de carácter inato, e de emoções secundárias ou sociais, resultantes de aprendizagem, sendo que cada emoção contribui para a adaptação do indivíduo ao ambiente em que vive.
Para Paul Ekman existem seis emoções básicas que todos os seres humanos são capazes de expressar na sua cara, bem como todos nós somos capazes de entender o que significam: tristeza, medo, surpresa, repulsa, raiva, alegria e emoções sociais ou secundárias (vergonha, inveja, ciúme, empatia, embaraço, orgulho e culpa).
Daniel Goleman refere as emoções destrutivas descritas pelo budismo, ou seja, as “seis angústias mentais principais”: o apego ou desejo, a ira (que inclui a hostilidade e o ódio), a soberba, a ignorância e a ilusão, a dúvida angustiante e as opiniões angustiantes. (Emoções destrutivas e como dominá-las, p. 139)
As emoções são de cada pessoa. Podemos pensar que elas podem ser desencadeadas por causas externas mas as emoções estão dentro de nós, isto é, somos nós, o nosso pensamento e a nossa imaginação que as torna mais ou menos importantes para nossa vida.
O poder das emoções na nossa vida é imenso, para não dizer que são elas que comandam a nossa vida e nos fazem tomar decisões. Sermos felizes ou não depende delas. As emoções podem dar qualidade de vida ou tirá-la.
O medo, por exemplo, é importante porque ajuda na nossa sobrevivência. Por outro lado, pode deixar-nos pouca qualidade de vida quando nos invade a ponto de deixarmos de ser capazes de fazer a nossa vida social. O medo faz-nos sofrer por antecipação e vivenciar situações desagradáveis que nunca vão acontecer.
O Natal é tempo de emoções fortes porque está mais presente a força dos laços familiares. A solidão e a tristeza são mais fortes. A recordação de momentos felizes e de momentos infelizes (lembrança encobridora) é mais profunda. Os símbolos de Natal estão por todo o lado e a mesa de Natal concentra todas as emoções deste tempo. Como no poema de David Mourão-Ferreira, "Ladainha dos póstumos Natais"(Cancioneiro de Natal):
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido
…
O Natal é uma óptima oportunidade para mudar alguma coisa na nossa vida. É um bom momento para deixarmos de expressar as emoções negativas e destrutivas, em nós próprios, no nosso corpo e com os que nos são próximos, os filhos, os amigos, os colegas de trabalho...
Mudar, dando relevo às emoções positivas e em especial à alegria e à gratidão.
A alegria é uma emoção positiva que provoca bem-estar, satisfação e sentimentos positivos. A alegria vem da satisfação das necessidades do ser humano (Maslow) desde as necessidades mais básicas até à auto-realização.
A gratidão, é uma força de carácter (Seligman), é uma sensação de agradecimento, relacionada com a alegria, em resposta ao recebimento de um presente tangível ou a um momento de bem-estar e de paz que estamos a viver.
“Atitude. maneira de estar numa situação.”* “A atitude (é) uma disposição relativamente persistente em apresentar uma reacção organizada de certa forma perante um dado objecto ou uma dada situação” (p. 9-10)
“Atitudes políticas são atitudes sociais formadas de acordo com as situações políticas que constituem situações sociais consideradas sob o ângulo do poder, isto é, do governo ou da sobrevivência da sociedade.” (p. 10)
Assim, espera-se que uma pessoa reaja de uma determinada maneira, pró ou contra, mais hostil ou mais favorável a um acontecimento familiar ou social.
Por vezes, atitudes e comportamentos ultrapassam as expectativas que tínhamos das pessoas, seja na perspectiva positiva seja negativa, o que até pode fazer-nos mudar a opinião acerca delas. “Não esperava isso de ti” ou “esperava isso de toda a gente, menos de ti .”
Nas relações sociais e políticas estamos sempre a surpreender-nos com as atitudes políticas. O que faz com que, numa situação de cortesia mais do que de política partidária, os deputados de um partido (BE) fiquem sentados quando todos os outros se levantam ? O que faz votar ou mesmo abster-se **, uma moção de pesar pelo falecimento de um ditador?
No fundo, o que nos leva a ter uma determinada atitude política e não outra? Há vários factores que podem explicar as atitudes, como: o peso da experiência: o autoritarismo parece resultar da experiência individual das relações de autoridade; a influência de factores socioeconómicos, pertença a grupos organizados, clube, sindicato, igreja… ; influência de factores biológicos como a a idade ou o sexo…
No entanto, o processo de socialização e as aprendizagens que o envolvem são fundamentais para a aquisição de atitudes sociais e políticas futuras: Há famílias onde os filhos podem ou não seguir as atitudes políticas dos pais. Os irmãos Portas estiveram em campos diversos, as irmãs Mortágua estão no mesmo.
Pode-se seguir um conjunto de atitudes estereotipadas de determinada sociedade (cassete) mas essas formas de estar podem ser exacerbadas ou mitigadas pelo grupo de referência e, felizmente, pela diversidade das posições de cada indivíduo na sociedade.
Costumamos dizer que as atitudes, ou as acções, ficam com quem as toma, isto é, cada um é responsável por elas. Ficam, de facto, com quem as toma mas isso não significa que se seja responsabilizado por elas, como acontece com as atitudes e comportamentos dos ditadores.
Não deixa de ser interessante, constatar que se quer legislar no sentido de desresponsabilizaros autarcas que tomem decisões que envolvam actos financeiros ilegais …
A atitude dos cidadãos não deixa de ser curiosa, tendo em conta a autoestima e heteroestima. Os equipamentos sociais e culturais, como monumentos, estações de caminhos de ferro, parques infantis, sinais de trânsito, e outros equipamentos públicos, são os que mais estão sujeitos à destruição... dos próprios cidadãos!
A parte boa é que também as boas atitudes e acções ficam com quem as pratica mesmo que não haja, quase sempre, qualquer reconhecimento por parte da sociedade ou das pessoas a quem se fez bem.
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* “Designa a orientação do pensamento, as disposições profundas do nosso ser, o nosso estado de espírito perante certos valores (esforço, dinheiro…), etc. Existem atitudes pessoais, em que está em causa apenas o individuo (as preferências estéticas, por exemplo) , e atitudes sociais ( as escolhas políticas), que têm incidência nos grupos. Mas o que caracteriza umas e outras é o facto de se tratar, sempre, de um conjunto de reacções pessoais a um determinado objecto: animal, pessoa, ideia ou coisa. O próprio sujeito aceita-as como fazendo parte integrante da sua personalidade, os que as tornam muito próximas dos traços de carácter. Quanto mais forte for o eu, mais as atitudes serão independentes, abertas e flexíveis; quanto mais frágil ele for, mais rígidas serão essas atitudes.” (Larousse - Dicionário temático - Psicologia, p. 33)
** O voto de pesar da autoria do PCP acabaria por ser aprovado com votos a favor de PCP, Bloco de Esquerda e PEV, votos contra de CDS e abstenção de PSD, PS e PAN. No entanto, mesmo entre a bancada socialista houve quem votasse contra este voto de pesar, como o deputado Ascenso Simões, e quem votasse a favor, como foi o caso do deputado Renato Sampaio. Na bancada social-democrata, apesar da abstenção generalizada, houve alguns votos contra.
No segundo voto de pesar, da autoria do PS, os deputados socialistas lamentavam o desaparecimento de um “estadista e dirigente histórico de Cuba, cujo percurso político alterou de forma decisiva o curso da vida do seu país”. (Observador, 29/11/2016)
"Omran, com seus cinco anos de idade, o mesmo tempo de duração da guerra civil no país, simboliza toda uma geração de crianças que nunca conheceram o que é viver em tempos de paz."
**Albert Szent-Györgyi nasceu em Budapeste (Hungria), em 1893. Em 1937, foi laureado com o Prémio Nobel pela descoberta da vitamina C. Em 1947, descontente com o comunismo no seu país, foi para os Estados Unidos para dirigir a pesquisa no Instituto de Pesquisa Muscular, em Massachusetts. Em 1956, obteve a cidadania norte-americana. (Biografia)
Um dos ditadores mais controversos
do nosso tempo e também dos mais anacrónicos na sua visão do mundo, faleceu a
semana passada (25-11).
Como diz José Manuel Fernandes, (Observador, 27/11/2016), "Um ditador é um ditador. Ponto
final, parágrafo". Fidel Castro, ao
fim de 57 anos de ditadura e de maldades sobre o seu povo, com factos
concretos confirmados, devia ser assim
considerado.
No entanto, mais uma vez, temos
assistido a um ritual de exaltação do culto da personalidade, inclusive vindo de
países democráticos, que mostram que os ditadores da chamada esquerda têm um tratamento diferente, uma reverência especial.
A conquista do poder, e a permanência
nele por longos anos, feita através da violência, da repressão, da falta de
liberdade e de liberdade de expressão, é diferente consoante se trate da visão
política de quem a faz…
Por isso, podemos perguntar: O que
faz desculpar os ditadores de uma área política e não os de outra?
A diferença é, desde logo, ideológica, isto é, haverá ditadores de esquerda ? A ditadura do proletariado não é
defendida exactamente para impor pela violência uma determinada visão da sociedade? E isso é politicamente e
moralmente aceitável? Um assassinato não é sempre um assassinato seja em nome da esquerda
ou da direita ? O que faz, então, que perante
dados objectivos concretos um ditador criminoso possa ser considerado um herói, romântico ou não, desculpabilizando-lhe os
crimes cometidos?
Antes de mais, a cegueira
ideológica e o autoconvencimento de que o líder está a cumprir um alto desígnio que
lhe foi outorgado pela história. A negação do comportamento criminoso é a defesa que torna sustentável a violência.
Em nome de que ideologia é então aceitável assassinar? Ou será que os fins justificam os meios? Mas mesmo que os fins fossem moralmente desejáveis um assassinato nunca podia ser justificado.
Depois, o conformismo que resulta da
pressão do grupo partidário, que vende cara a dissidência e a não adesão à “revolução”…
Mas o conformismo não explica tudo. As experiências psicológicas
mostram a força do conformismo ao grupo. Mas também sabemos que há pessoas para
quem a empatia com outro ser humano exerce uma força ainda maior para que o possa ver com direitos
inalienáveis, como o direito à vida.
Estamos perante uma situação de dualidade da moral. (Albert Szent-Györgyi, O macaco louco, p. 37-43)
A vida e a morte de ditadores da chamada esquerda, também mostram bem a existência de dois códigos de moral. Um
individual, outro público. É por isso que o ditador pode
ser descrito como uma pessoas afável, conversadora…
No crime violento, na violência
doméstica vemos a mesma situação: a pessoa tem um duplo registo da sua vida: Bom rapaz na vida social, um monstro dentro
de casa.
“Este
duplo código de moral é geralmente aceite, sendo aplicado pelos governos em
assuntos de política externa... (p. 41)
Provavelmente, é este duplo código de moral que provoca a mudança de rumo de
muitos políticos de destaque que iniciam os seus esforços políticos com o
desejo de melhorar a sorte dos seus semelhantes. Depois de chegarem ao topo, tendem a trocar o seu código individual pelo
colectivo; começam a servir ideias abstractas, que pouca relação têm com o
bem-estar do seu povo, e fazem a guerra. A linha divisória entre a glória e o
poder de uma nação e os dos seusdirigentes
não é nítida. O sofrimento humano colectivo também se torna facilmente uma abstração." (p.42)
Mas, “a dificuldade é que a ciência moderna aboliu o tempo e a distância como factores
separadores de nações; no nosso
encolhido mundo de hoje só há
espaço para um grupo: a família
do homem.” (p.41)
Por isso, só há espaço para uma moralidade e esta é
a esperança de um mundo sem ditadores.
1. "Um ditador é um ditador. Ponto final, parágrafo.
"O balanço de quase 57 anos de castrismo é trágico. Inimigo das liberdades, apenas ofereceu ao povo uma pobreza resignada. Por isso, é intolerável a duplicidade moral com que avalia o legado de Fidel.
Há muito que Fidel Castro não era uma figura deste tempo. Não por estar doente e afastado do poder, que passara ao irmão, mas por representar uma utopia há muito desacreditada, a utopia marxista-leninista, e a mais trágica das ilusões do século passado, a ilusão comunista." (Observador, 27/11/2016, José Manuel Fernandes)
2. Creio que o Presidente Marcelo também definiubem o que é um ditador: "Tem aquele estilo muito intenso... porque as pessoas não vão lá para falar, vão para ouvir."
3. "DITADURA - Do latim «dictatura»: o domínio absoluto um individuo ou de um grupo mesmo contra a vontade e sem o consentimento dos governados. O termo data dos tempos da república de Roma...
O que caracteriza a ditadura é o poder ilimitado e incontrolado. O ditador mantém o domínio sobre o poder executivo (o governo), o poder legislativo (assembleia nacional) e o poder judicial (os tribunais). Por outro lado, não há qualquer órgão de controle do poder do ditador; este não é julgado por ninguém e julga tudo e todos. Geralmente e, pelo que se acabou de dizer, uma ditadura só pela força, uma vez que não admite eleições e, quando as admite controla devidamente os votos; nem admite críticas eliminando-as pela censura e pelas prisões. Uma ditadura pode ter origem na ambição desmedida de um homem que consegue iludir o povo, ou no interesse de um ou mas grupos que impõem ou dão apoio a um ditador para melhor garantirem os seu privilégios. Muitas vezes, estes dois aspecto andam ligados. (Cartilha política do povo, p. 40)
4. «Os julgamentos tinham lugar, noite após noite, para lá dos muros da fortaleza. A partir das oito ou nove horas, os tribunais reuniam-se, quase exclusivamente ocupados por juízes leigos; à sua frente o contabilista de 21 anos de idade, Orlando Borrego, que Che promoveu a presidente do tribunal...
"Relativamente ao papel que Che representou nas execuções de La Cabaña, existem opiniões contraditórias. Alguns biógrafos da oposição, que vivem no exílio, relatam que o argentino gostava dos rituais dos pelotões de fuzilamento e que os organizava com prazer. No entanto, admitem que as ordens vinham de Fidel Castro. Outros relatam que Che terá sofrido com todas as execuções e que amnistiava tantos prisioneiros quanto possível, apesar de não hesitar em executar as ordens que considerava justificadas."» (Frank Niess, Che Guevara, Editorial Sol90, p. 57-58).
5. "Fidel Castro era um populista e demagogo, ficando os seus discursos longos, ocos e enfadonhos como um dos exemplos mais evidentes disso. O seu ego era mais importante do que o tempo e a paciência dos ouvintes.
É verdade que ele e um grupo de barbudos derrubou a ditadura odiosa de Fulgêncio Batista, mas não é menos verdade que ele impôs uma ditadura igual ou pior, porque as ditaduras não são boas quando são de esquerda e más quando são de direita. Ditadura é ditadura e o resto é demagogia.
O regime de Fidel matou milhares no seu próprio país, muitos mais do que Pinochet ou Salazar, mas se a esses juntarmos as vítimas da “ajuda internacionalista” a Angola, Etiópia, etc., etc., ele talvez roube a palma da crueldade a Francisco Franco ou a outras figuras odiosas da direita. Por isso, deve-se fazer um minuto de silêncio não pelo carrasco, mas pelas vítimas." (José Milhazes, "Fidel Castro: não são erros, mas crimes!)
6. "Fidel e Raúl criaram os tristemente famosos campos de reabilitação UMAP, de trabalhos forçados e tortura onde eram internados os chamados «aberrantes». Aqui, foram internados milhares de «marginais», entre os quais padres, como o arcebispo de Havana D. Jaime Ortega. Nestes tristemente famosos UMAP, foram internados todos os homossexuais denunciados para sua reeducação até acabar com «os maus vícios» que propagavam. Estes presos foram usados ao longo de décadas como mão de obra em trabalhos forçados, para construir cadeias, universidades e numerosas obras públicas. Em Cuba, como na Rússia estalinista, ou na China da Revolução Cultural.
Todos foram ao longo dos anos da longa ditadura comunista apanhados ou denunciados pela polícia política, conhecida em Havana pela Gestapo Vermelha, ou entregues pelos informadores que no ano 2000 eram cerca de 50.000 pessoas. Desde 1959 mais de 100 mil cubanos conheceram os campos, as prisões ou as frentes abertas. Entre 15000 e 17000 pessoas foram fuziladas («Livro Negro do Comunismo», coord. Stephan Courtois, Quetzal).
No fim da guerra de Angola, o comandante dos cubanos que regressaram (estiveram em nome do comunismo internacional ajudando o MPLA, como é sabido), o general Ochoa Sánchez, foi acusado de narcotraficante. Companheiro de Fidel, ele que vinha da Sierra e combatera na «Baía dos Porcos», foi fuzilado com mais outros três oficiais do exército cubano acusado de organizar um complot para afastar El Comandante.
Como em todos os regimes ditatoriais estalinistas a esquerda, ou alguma esquerda, considerou sempre que o comunismo e seus dirigentes não podem nem devem ser responsabilizados pelos crimes cometidos. São crimes diferentes, são vítimas legitimadas pela justeza dos ideais propagados, são desvios da doutrina, são contrarrevolucionários, são para esquecer, resumindo numa palavra: justificáveis. É politicamente incorrecto dizer que as vítimas de Pinochet são iguais às de Fidel Castro." (Zita Seabra, "Não apaguem a memória", Observador, 29/11/2016)
7. “Espero que essa morte abra um período de abertura, tolerância, democratização em Cuba. A história fará um balanço destes 55 anos que acabam agora com a morte do ditador cubano. Ele disse que a história o absolverá. E eu tenho certeza que a história não absolverá Fidel”. Vargas Llosa, El País , 28-11-2016.
"Para "festejar" a entrada do quadro de Josefa de Óbidos no Louvre, o
português (Philippe Mendes) expõe, a partir de hoje, na sua galeria de Paris, Galeria
Mendes, uma mostra da faiança portuguesa do século XVII, que vai estar
patente até 30 de janeiro e que se chama "Um século a branco e azul - As
artes do fogo em Portugal no século XVII", uma parceria com Mário
Roque, da galeria São Roque, em Lisboa." (RTP Notícias)
"A exposição reúne cerca de 60 obras, entre jarras, garrafas, taças,
potes, mangas de farmácia, pratos de aparato e painéis de azulejos,
essencialmente da primeira metade do século XVII, peças que "hoje é
raríssimo aparecerem no mercado", continuou Mário Roque." (DN)
Por volta dos 6 anos de idade, as crianças manifestam comportamentos que, ao contrário de se considerarem de indisciplina ou desorganização, são momentos de uma relação de qualidade com os pais ou avós.
O mais velho (6;7) que iniciou a escolaridade este ano, toma a iniciativa da brincadeira criando o que chama de “construção louca” ou seja, o local da brincadeira feito com todas as almofadas que se encontram na sala, uma “montanha” de almofadas, para onde irá saltar, de diversos sítios e com diversas “acrobacias”…
É uma actividade onde as habilidades psicomotoras são testadas e nos obriga a avisar “cuidado”, várias vezes, com os saltos mais ou menos arriscados que realiza, e com a dúvida se não será melhor acabar com aquela brincadeira. Claro que não mas deve dizer-se que é necessária alguma supervisão para não deixar objectos, como brinquedos inofensivos, que naquelas circunstâncias, se podem tornar perigosos que podem magoar quando salta para a "construção", como na foto.
A segurança da brincadeira torna-se mais sensível quando a irmã mais nova (2;3) também resolve imitar o irmão e entrar na brincadeira.
Aos seis anos de idade, a criança está em franco desenvolvimento físico, psicológico e emocional.
Um dos grandes psicólogos do desenvolvimento, Arnold Gesell *, continua a ser uma referência na descrição minuciosa do comportamento da criança
Gesell diz-nos que aos seis anos, submetida à mais leve tensão, a criança tende para comportamentos extremos, sempre que tenta servir-se dos seus actuais recursos.
As suas novas possibilidades de comportamento parecem surgir nela aos pares. Sente-se muitas vezes compelida a manifestar, primeiro, um dos extremos de dois comportamentos alternativos e depois logo a seguir o comportamento precisamente contrário (p. 97)
“A auto-activação dramática é simultaneamente um método de crescimento e de aprendizagem. É um mecanismo natural mediante o qual a criança organiza a sua maneira de sentir e de pensar. Mas a tarefa é grande demais para ela só. A escola é o instrumento cultural que deve ajudá-la a alargar e a apurar as suas autoprojecções dramáticas. Instintivamente a criança identifica-se com tudo o que acontece à volta dela e até com as figuras e as letras do seu livro e os números escritos no quadro. Assim como precisa de pegar num bloco e manuseá-lo para ficar a conhecer-lhe as propriedades, assim carece também de projectar as suas atitudes mentais e motoras em situações da vida. As emoções não são forças amorfas; são experiências esquematizadas. A função da escola é a de lhe fornecer experiências pessoais e culturais que organizem simultaneamente as emoções em desenvolvimento e as imagens intelectuais a elas associadas.” (p. 100)
“Os seis anos é uma idade activa, a criança encontra-se numa actividade quase constante, quer seja de pé quer sentada. Parece que anda a equilibrar conscientemente o corpo no espaço. Está em toda a parte - ou anda a trepar às árvores ou a arrastar-se de gatas por cima, por baixo e à roda das suas grandes construções de blocos ou das outras crianças. Parece que é toda ela braços e pernas, quando vai a dançar pela casa fora.” (p. 104)
A criança está a iniciar uma grande mudança cognitiva: o período das operações concretas (Piaget).
O seu pensamento vai adquirir uma das ferramentas mais importantes de
que poderá dispor – a reversibilidade. A lógica vai entrar na solução
dos problemas da sua vida.
Estas actividades e comportamentos fazem parte desse desenvolvimento. Por isso, não faz sentido que sejam reprimidos e muito menos sujeitos a castigos, quando ficamos com a casa virada do avesso ou chegamos a casa cansados do trabalho.
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* Gesell, A., A criança dos 5 aos 10 anos, D. Quixote.
"Renata Gomes acaba de passar um ano na universidade de Jerusalém, onde foi premiada pelo seu trabalho na investigação das doenças do coração. Trabalhou com judeus e com árabes, e os seus colegas pensam que a cientista pode vir a ser o próximo Prémio Nobel."
Há sítios extraordinários, de paz, de felicidade. A paisagem é deslumbrante mesmo num dia
cinzento que não deixa vislumbrar a ponte Vasco da Gama. Tempo agradável
para este Outono, quente, como os sentimentos dos que amamos. Momentos
inesquecíveis quando estamos com quem mais gostamos. Mesmo
que não seja forever é, pelo menos, sempre repetível.
E depois... o local tornou-se mítico pelas anedotas dos políticos...
Há mais de cem anos, Sigmund Freud fez importantes descobertas sobre o psiquismo. A história da
psicanálise começa em Abril de 1886 quando Freud se instala em Viena como
especialista de doenças “nervosas” depois de ter trabalhado em Paris com
Charcot.
Perante a ineficácia dos tratamentos (electroterapia,
hidroterapia, hipnotismo) aplicados a muitos doentes que não sofriam de lesões
orgânicas, descobriu a psicanálise como método
de estudo do comportamento humano, teoria do comportamento e método de
tratamento.
Muitos comportamentos e doenças
psicológicas passaram a ser compreendidas e vistas de outra maneira.Um dos casos que se tornou célebre foi o de Anna O.
que sofria de diversas perturbações (vómitos, incapacidade de beber água,
esquecimento da língua materna, paralisias).
Entretanto, verificou-se grande evolução no tratamento das doenças nervosas mas os problemas psicológicos do ser humano continuam
a ser actuais, como acontece nas neuroses, casos borderline e psicoses.
Giorgio Abraham, em O sonho do século, fez um retrato do que foi e é a psicanálise e das evoluções que entretanto
se verificaram.
A profunda reflexão sobre o inconsciente,
feita por Freud, veio dar-nos a real dimensão do que é a nossa vida
psicológica. Provavelmente, o inconsciente não é o
dono tirânico e despótico da nossa vida psicológica mas é “uma parte submersa
do ser interior que contém as nossas forças mais genuínas e poderosas” (p 21)
Freud viveu em Viena até 1938 quando, após o Anschluss (anexação
da Áustria pela Alemanha) e em razão de
sua etnia judaica
se refugiou em Inglaterra.
Freud sofreu os momentos angustiantes
vividos antes da 2ª guerra mundial mas,
falecido em Londres em 23 de Setembro de 1939,
a guerra tinha começado em 1 de Setembro do mesmo ano, não viria a saber da violência de que seres humanos seriam
capazes, nos anos seguintes e, posteriormente, com o disseminar das guerras,
durante a guerra fria ou com o terrorismo bárbaro, sem regras e sem humanidade, em que não se respeitam convenções nem tratados internacionais e os assassinos podem exibir os
seus crimes nos media.
Esperávamos outro futuro. Seria preocupação suficiente para a
nossa vida, conviver com o sofrimento insuportável da morte, da doença física e
psíquica. Podíamos ter dado uma oportunidade à paz. Podíamos
pensar que provavelmente a tarefa principal do ser humano fosse procurar por todos
os meios o bem-estar (Seligman). Mas, pelo contrário, “... a violência não faz poupança." (pag.107).
Os conflitos internos explicam os conflitos externos. As forças destrutivas
podem ser controladas pelos mecanismos de defesa. “Talvez a raíz profunda da violência
seja uma forma de pressa excessiva, um sinal da nossa incapacidade de espera,
uma inquietação perante o futuro, a expressão plena do medo da morte.” (p.108) Não evoluímos nesse sentido, pelo contrário as novas possibilidades
tecnológicas deram oportunidades de agir a crueldade em limites a que antes
não tinha chegado.
“O sonho do século”, as descobertas de Freud, as novas descobertas, como as das neurociências, as novas terapêuticas, a
compreensão dos conflitos internos, da angústia, e do tratamento das doenças psicológicas, mostram que o horizonte, apesar de tudo, está aberto. As bases lançadas por Freud para
a compreensão do psiquismo continuam a dar-nos esperança de que o ser humano há-de,
alguma vez, viver "um século de sonho".
"Uma pessoa tem de morrer. E até a morrer foste um senhor. Pouco antes de
morrer - sabemos agora - percorreste o mundo para cantar as
tuas canções a quem quisesse ver-te a cantá-las. E melhor do que
em qualquer outra altura da tua vida. Tu foste daqueles que melhoram
à medida que se aproximam da morte. Aproximaste-te devagarinho, sem
ser a medo, como se a morte fosse a última mulher. Cantaste-lhe a
canção do bandido - nunca ninguém será capaz de cantá-la melhor do que
tu - a ver se ela ia na tua cantiga. Deitaste-te com ela na esperança
que ela te esquecesse. And yet e, no entanto (aqui sinto-te a sorrir)
ela deu cabo de ti à mesma." (Miguel Esteves Cardoso, Público,
Madrid é como uma ex-colegial, uma adolescente rebelde que quebrou as fronteiras do hedonismo, mas que acabou por crescer e se tornar sofisticada, sem nunca esquecer como se divertir. É uma cidade tão à vontade nas discotecas e bares que preenchem as ruas com a sua banda sonora como nos grandes salões da alta cultura. É verdade que a capital espanhola não tem o impacto imediato de Roma, Paris ou até daquela outra cidade um pouco mais acima, Barcelona. A arquitetura é belíssima, mas não se vê nenhum Coliseu, Torre Eiffel, nem qualquer excentricidade pensada por Gaudí para fotografar, para que depois possa voltar para casa e dizer aos seus amigos: «isto é Madrid». Contudo, esta cidade é um conceito, uma forma de viver o presente, à qual pode ser difícil resistir. São muitos os cartões de visita que caracterizam Madrid: galerias de arte assombrosas, uma vida noturna dinâmica e incessante, a sofisticação e variedade da vida que flui pelas ruas ou que repousa nas praças da cidade, a sua extraordinária e relativamente recente transformação em cidade da moda por excelência de Espanha, o florescimento do panorama musical, com espetáculos de flamenco e jazz, um banquete de bons restaurantes e bares de tapas; e uma população especialista na arte de aproveitar as coisas boas da vida. Não é que outras cidades não tenham algumas destas coisas, só que Madrid tem-nas para dar e vender. Costuma-se dizer que Madrid é a cidade mais espanhola de Espanha e sem dúvida de que é, de longe, a cidade europeia mais apaixonante. São poucos os madrilenos originários desta cidade, pelo que é possível que Madrid seja a capital europeia mais acolhedora e recetiva. Esta ideia pode ser resumida naquela única frase que se ouve frequentemente: «Se está em Madrid, então é de Madrid». Não é que o deixem arrebatado com calorosas boas-vindas, mas se se encontrar num bar ou perdido e a precisar de indicações, rapidamente o farão sentir-se como um deles. Num ápice, sem perceber bem como, vai aperceber-se de que nunca mais quer deixar Madrid." (lonely planet)
Estação da CP/Refer de Castelo Branco. Algo está a mais nesta fotografia. O que é? Lindo, não é? O painel de azulejos passado-futurista, realizado pela escola Afonso de Paiva, mostra o edifício original.
A semana passada descrevemos alguns estudos psicológicos sobrecomportamentos anti-sociais e cruéis.
Não podemos deixar de referir os trabalhos de Hanna e António Damásio sobre
este assunto.
Nos casos de adolescentes estudados
por Hanna Damásio em que houve
lesões cerebrais na infância, “ao contrário do que acontece com os doentes em
que a lesão aparece na idade adulta, estes doentestêm frequentemente, problemas com as
autoridades, são presos por roubos e por outros casos de delinquência. O perfil
neuropsicológico é basicamente idêntico ao dos doentes em que a lesão começa na
idade adulta (os testes psicológicos são normais)mas as emoções são anormais"... A diferença aparece
nos testes que medem o comportamento social, (juízo moral ), "o que se passa com os indivíduos que tiveram uma lesão
durante a infância nunca ultrapassa o nível pré-convencional (compreendem
apenas a punição e obediência, interesses, nível de crianças com menos de 9 anos) e são portanto claramente anormais."(p.28)
Para Hanna Damásio “uma lesão cerebral, colocada em certos sectores, leva em
adultos até então normais, à ruptura do comportamento social normal. Essas
mesmas lesões, mas adquiridas na infância, impedem o desenvolvimento de
comportamentos sociais normais, nunca existem. Tanto nos adultos, como nas
crianças, o problema parece dever-se a um defeito de processos emocionais.” (p.28)
Por exemplo, “…os sistemas podem funcionar mal devido a defeitos de
desenvolvimento… de causa genética, ou serem devidos a um ambiente afectivo
deficitário. O ambiente afectivo deficitário, pode tomar várias formas, desde o abandono da criança, à violência
física ou cultural, e a deficiências nutritivas.”(p 28)
Para António Damásio, as emoções são vistas num quadro
complexo de regulação da vida, com muitos níveis, que começa com a regulação de
nível metabólico com reflexos básicos e
respostas imunitárias . A vida , de um modo geral, é regulada primeiro por
formas inteiramente automáticas mas que são de facto transmitidas pelo genoma e
depois por formas que podem ser deliberadas.
Outros níveis são: Comportamentos
de dor e prazer, Pulsões e motivações, Emoções.
No topo das emoções estão as emoções sociais.
"Para além das emoções
básicas tais como o medo ou a zanga, a tristeza ou alegria existem emoções
sociais p. ex. a simpatia e a compaixão",Damásio fala de“estimulo emocionalmente competente” (EEC) para desencadear essas emoções. "No caso da
simpatia e compaixão o EEC é o sofrimento
do outro individuo. O sentimento que se lhe segueé o que tem como consequência o conforto e o
re-equilíbrio do outro ou do grupo. (p. 34)
Para António Damásio aquilo
que chamamos comportamento ético e aquilo queé, de facto, o foco do debate de hoje, em relação ao Bem e ao Mal, é não
só o resultado da riqueza que o genoma nos dá mas sim, também, o resultado da
enorme capacidadede termos sentimentos
em relação às emoções.” (p. 36)
“É esta descoberta (que é
a de que de que outro individuo pode também
sofrer) que nos leva à verdadeira
empatia aquilo que nos levaa pensar não
só no nosso sofrimento e na nossa própria alegria mas também no sofrimento e
na alegria do outro e dos outros e, gradualmente, alargar esse reconhecimento não
só ao nosso grupo estrito, o próprio e o grupo familiar mas também a um grupo
muito mais alargado que no seu ideal, atinge a humanidade inteira.” (p. 37)
Então os dados da
investigação chamam a atenção para a forma como encaramos alguns comportamentos anti-sociais e cruéis mas também para a melhor forma de compreendermos as
nossas emoções e expressarmos sentimentos resultantes. Ou seja sobre a
melhor forma de nos comportarmos e educarmos as crianças.
____________________
* O Suplemento Especial do Boletim OA
(Ordem dos Advogados), nº 29, é dedicado à conferência "O cérebro entre o
bem e o mal" (28-10-2003). Dos artigos destaco as comunicações de Hanna Damásio: “O cérebro
e as alterações do comportamento social” e António Damásio: “A neurobiologia da
Ética: sob o signo de Espinosa”.
Deolinda - "Sem noção" ("Dois selos e um carimbo")
Música e letra - Pedro Silva Martins; Voz - Ana Bacalhau
"Tu não tens a noção de mim
e perdeste a noção de ti"
Podemos dizer que temos duas
maneiras de explicar os comportamentos humanos, e o mesmo acontece
para a crueldade humana: uma que se
baseia na biologia e outra que relaciona esses comportamentos
com a situação em que a pessoa esteve e está envolvida.
Então, se o comportamento for determinado por factores
biológicos ou sociais, as pessoas cruéis não são responsáveis pelos seus actos?
Têm sido feitos estudos e experiências psicológicas que
podem ajudar nessa resposta compreensiva.
É bem conhecida a experiência de Stanley Milgram (1963)1,feita com voluntários.Na situação
experimental, um voluntário desempenha o papel de professor que ensinava determinadas respostas e outro voluntário o
papel de estudante (na verdade um ator
disfarçado) que as devia aprender. O professor devia punir os erros com pequenos
choques eléctricos, que deveriam aumentar a cada erro. Os resultados mostraram
que 65% das pessoas chegaram a aplicar o
nível máximo de choque, mesmo ouvindo as dores do aluno/actor.
Jerry Burger (2008) replicou o estudo e
obteve os mesmos resultados.
Philip Zimbardo(1971)2 simulou as
condições de uma prisão com voluntários (sem nenhum indicativo de empatia baixa) dividindo-os
aleatoriamente entre guardas e presos. Os guardas eram livres para fazer o que
fosse necessário para manter a ordem. O estudo, programado para durar 2
semanas, terminou depois de 6 dias, com prisioneiros com depressão e
descontrole emocional após serem vítimas do sadismo dos guardas...
Podia concluir-se que cada um de nós (e
não apenas os que têm problema de empatia baixa) pode ser levado a cometer
atrocidades. O ambiente pode levar as pessoas a serem cruéis."Não é então uma questão de ser bom ou mau, a situação é que exerce a
maior influência nos casos de crueldade”,
Simon Baron-Cohen 3 fez a revisão de mais de 300
estudos sobre o assunto (Science of Evil). O que está por trás de um acto de crueldade é um mau funcionamento das
partes do cérebro ligadas à empatia **.
As pessoas, então, cometeram actos cruéisnão porque escolheram, mas porque
têm empatia baixa, que pode ser resultado da biologia da pessoa ou da sua experiência
de vida quando era criança, factores pelos quais ela não pode ser
responsabilizada.
Isto é,fazer o
mal pode não ser uma questão de livre-arbítrio. As pessoas cometeram actos de crueldade não porque escolheram, mas porque apresentaram uma deficiência no
cérebro”.
Bhismadev Chakrabarti descobriu
que há genes relacionados com a empatia e achou uma área cerebral, o giro
frontal inferior, sempre mais ativa em pessoas com alto Quociente Emocional. Para
ele, "o nível de empatia, não é
determinado no momento do nascimento. Há uma interação de fatores sociais com
causas genéticas que ainda estão a ser investigadas”.Mas pelo facto de ter estas característica biológicas
e genéticas "não significa
automaticamente que a pessoa será empática.”
Susan Fiske (desde 2006) 4 realizou estudos com scanners cerebrais e mostra como o ambiente
modifica a forma como as pessoas percebem as outras.“As pessoas naturalmente inibem a violência contra
outros que categorizam como seres humanos. Então, é preciso que a outra pessoa
seja ‘desumanizada’ dentro da cabeça para que isso ocorra”, explica Fiske.
"Quando os voluntários viram fotografias de indivíduos
de baixo status social, como mendigos, viciados em drogas ou até imigrantes, ativaram
padrões cerebrais relacionados à visão de objetos e não com aqueles padrões ativados
quando vemos seres humanos. Ou seja, nesse caso, a empatia não funcionaria para
prevenir uma agressão."
"... isso explica o que acontece dentro da cabeça de
pessoas que agridem mendigos ou que se deixam levar por um preconceito
estimulado pelo Estado para praticar torturas e genocídios. Os discursos e a
opinião do grupo dominante podem ser influências importantes nesse caso."
Pode concluir-se que não se retira a culpa dos
praticantes de atrocidades mas apenas se mostra que não é uma simples questão
de ser mau.
E voltamos ao princípio:“Os
atos de crueldade são muito complexos. Há fatores biológicos, ambientais,
genéticos, sociais e políticos. A nova teoria em meu livro sugere que um mau funcionamento das partes do
cérebro ligadas à empatia, por razões biológicas ou sociais, é o que
está por trás de um ato de crueldade." (B-C)
Portanto, o homem terá que aprender a ser humano. Não
exclui a responsabilidade dos seus actos mas aprender é
coisa de educação, de ajuda e de terapia.