31/12/09
Paz: a obediência voluntária
Continuamos a celebrar a paz porque, no tempo presente, há muita gente interessada na guerra.
Os acontecimentos belicistas e anti-democráticos em todo o mundo, mostram aquilo que se repete permanentemente.
A manutenção no poder dos regimes, sejam eles quais forem, de esquerda, de direita, religiosos ou ateus, parece repetir-se utilizando sempre a mesma forma de se fazer obedecer: a força.
Da antiguidade, um bom exemplo vem da Pérsia, actual Irão. O que aprendemos depois de Ciro ? O que há de novo que não esteja já na educação de Ciro ? [1]
Xenofonte, escreve o seguinte diálogo entre Ciro e Cambises, pai de Ciro e rei da Pérsia, sobre a obediência voluntária e sobre a obediência forçada.
“— Não há dúvida, o meio de fazer aceitar essa doutrina (da obediência) é honrar e fazer honrar o homem dócil e castigar rigorosamente o rebelde.
— A obediência à força pode obter-se por esses meios, meu filho. Mas o que se pretende é a obediência voluntária. De modo geral, os homens obedecem sempre de boa vontade àqueles que de qualquer modo se mostram prontos a atender aos seus interesses, conhecendo as suas necessidades bem ou ainda melhor que eles próprios…
…se os homens chegam a desconfiar que da obediência lhes vem macaca, não há castigos nem promessas que os tragam ao relho. Ninguém se deixa tentar por uma receita que se sabe ser funesta ou falaciosa”. (pag. 99).
Sempre foi assim: o poder instalado, pensa que é através da obediência forçada que consegue povos submissos.
Se no tempo de Ciro isso não acontecia, muito menos agora. Proíbem a net, há telemóveis, proíbem os telemóveis há sempre um filme, uma fotografia, uma testemunha, alguém que escapa… há sempre alguém que diz não ao poder da força.
Vivemos no tempo das mil e uma guerras.
Mas tal como na história das mil e uma noites, a história é interminável talvez porque assim nos parece que podemos sobreviver.
E nós havemos de contar a história, mesmo que seja apenas uma forma dilatória, como para Xerazade, porque enquanto há vida há esperança de que os humanos percebam que devem dar uma hipótese à paz.
Talvez que por força de se contar a história, como nas mil e uma noites, o rei tirano desista de atormentar o povo.
Mas atenção! O rei tirano pode estar escondido dentro de cada um de nós. E é por nós que a pacificação deve começar.
Um bom ano, com muita paz!
[1] Tradução de Aquilino Ribeiro, (1952), O Príncipe Perfeito, de Xenofonte, Lisboa: Livraria Bertrand, que tem um interessante prefácio ,“ao pio leitor”, sobre a educação.
24/12/09
«Porque é que que as pessoas gostam (ou não) da história do Menino Jesus»
O Natal remete-nos para a infância e para as memórias da infância.
Faz parte do nosso inconsciente colectivo vivido principalmente no seio da família ou das pessoas mais próximas da nossa família
Contra uma ideia que corre de que as pessoas são consumistas e, normalmente, quando fazemos esta afirmação ela é também uma atribuição porque consumistas são os outros, eu defendo que no Natal faz sentido que se consuma mais do que é habitual, obviamente dentro das possibilidades de cada um.
A essência do Natal passa pelos seus símbolos e o Natal está carregado de simbologia.
O símbolo é um processo mental que representa uma realidade externa por uma imagem.
O Natal é representado por vários símbolos, de que destaco, neste contexto de festa e felicidade: os presentes, a árvore de Natal e a culinária.
Não é possível pensar o Pai Natal ou o Menino Jesus sem pensar nos presentes.
E esta é a única maneira de compreender a situação de festa para as crianças.
Um presente é uma recompensa pelo bom comportamento da criança. Mas ela sabe que o Pai Natal não espera qualquer sentimento de gratidão ao contrário do que acontece com as outras pessoas.
Na árvore de Natal, é também o maravilhoso que está presente. A criança sabe que se trata de uma árvore real mas nenhuma árvore é semelhante àquela. A árvore que vê todos os dias no jardim de repente transforma-se numa árvore vinda do país das maravilhas.
A culinária: O jantar, a ceia de Natal, tem uma dupla componente de abundância e de comida e de reunião familiar em espírito de alegria e felicidade.
Sabemos que o medo das privações físicas e emocionais é algo que de forma inconsciente, corresponde às maiores ansiedades do homem.
A fome é a forma básica do abandono físico e a morte, e também, do abandono emocional.
A criança pequena não compreende a morte e não tem medo da sua morte, mas tem medo da morte dos pais, porque isso corresponde a um abandono permanente.
Um mesa farta combate a ansiedade da criança, tranquiliza-a, porque para além dos pais há muitos outros parentes que o podem cuidar.
O Natal é, assim, o tempo de recordações de felicidade.
João dos Santos fala-nos da recordação encobridora: “Um acontecimento cristalizado num bonito quadro. A árvore de Natal é prenhe de frutos radiosos, apetecíveis e em geral intocáveis, porque apenas celebram um nascimento e anunciam os presentes”
A ideia de recordação encobridora remonta às memórias esquecidas, que se originaram com o objectivo de deslocar ou substituir uma lembrança dolorosa por outra mais tolerável e feliz.
É esse o quadro captado pelos poetas, cheio de nostalgia de uma infância feliz ou talvez não, como nos relata Fernando Pessoa.
Natal
Natal…na província neva
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados
Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade
E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei !
Fernando Pessoa (Cancioneiro)
16/12/09
O Zé perpétuo
O diploma foi apresentado pelo PS e foi aprovado por uma maioria de dois terços, em Julho de 2005 pelo Parlamento. O PCP foi o único partido que votou contra, O CDS/PP e o Partido Ecologista «Os Verdes» abstiveram-se.
O presidente da República de então, Jorge Sampaio, promulgou a lei em Agosto de 2005, tendo a mesma entrado em vigor a 1 de Janeiro de 2006.
As consequências práticas vão ter efeito nas eleições autárquicas de 2013, isto é, os presidentes de Câmara Municipal e da Junta de Freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos, «salvo se no momento da entrada em vigor da presente lei tiverem cumprido ou estiverem a cumprir, pelo menos, o terceiro mandato consecutivo», pelo que poderão ser eleitos para mais um mandato.
Na prática significa que são 12 anos de permanência no poder autárquico, em 2013, com a excepção referida.
Poderíamos pensar e esperar que a transição se faria com alguma turbulência mesmo que com a indicação dos delfins para preencherem os lugares.
Para alguns politólogos os aparelhos políticos irão «antecipar» a saída de cena de diversos candidatos autárquicas nas eleições de 2013. «O poder a nível autárquico aponta muitas vezes para mecanismos de sucessão dos presidentes, e as forças políticas procurarão encontrar novos candidatos próximos daqueles que sairão do poder».[1]
Por outro lado, o sistema político português está «muito envelhecido», motivo pelo qual diversos presidentes da Câmara, «verdadeiros caciques locais», contestam a aplicação do diploma que restringe o número de mandatos. [2]
O jornal “Sol” desta semana traz uma notícia que, a concretizar-se, mostra bem o país que alguns querem: os autarcas movimentam-se contra a limitação dos mandatos, insurgindo-se contra a lei e propondo um referendo.
Eu já desconfiava e comentava com os amigos: vais ver se não alteram a lei antes das eleições de 2013...
Bem dito, bem feito… Aí estão eles a caminho da manutenção no poder para sempre. Para sempre ou até caírem da tripeça.
Na cidade onde estudava, antes do 25 de Abril, no tempo do fascismo, ou da outra senhora, o sr. presidente da câmara era conhecido pelo "Zé perpétuo".
Mas isso era antes do 25 de Abril.
Agora, que vivemos em democracia, estamos cansados de ouvir dizer que já não há empregos para sempre. Isto é verdade para qualquer mortal, excepto para os autarcas, a confirmar-se que conseguem alterar a lei, que esses, sim, vão ter emprego para sempre.
[1] António Costa Pinto(Lusa/Sol)[2] José Adelino Maltez (Lusa/Sol)
11/12/09
NEE - 1,8%
Já fizemos várias referências a esse aspecto. Vejamos como o ME respondia (Ver http://www.min-edu.pt/outerFrame.jsp?link=http%3A//www.dgidc.min-edu.pt/)
Questão 15
Para que fins deve ser tida em conta a taxa 1,8% de prevalência das necessidades educativas especiais de carácter permanente?
Resposta 15
O valor de 1,8% para a taxa de prevalência não resulta de uma verificação empírica, mas de uma projecção de variáveis destinada a construir uma referência cientificamente sustentada da proporção esperada de alunos, relativamente à população escolar na faixa etária que abrange o pré-escolar e os ensinos básico e secundário, que apresenta necessidades educativas especiais de carácter permanente requerendo, por isso, apoios especializados previstos no DL 3/2008.
O valor 1,8% a utilizar para efeitos de organização do sistema não se refere à incidência do fenómeno. Neste sentido, a utilização deste valor de referência verifica-se em “situações tipo”, e não em situações de concentração de alunos, como acontece nos casos de escolas de referência ou com unidades especializadas. Por outro lado, não é a taxa em si mesma, mas a adopção dos procedimentos de diagnóstico que estão disponíveis, que realmente importa. Por outras palavras, não se pretende usar aquele valor como nenhuma espécie de “tecto”, sendo dever do sistema olhar os alunos caso a caso. O valor de referência apenas deverá permitir análises mais finas quando as prevalências se afastem desse valor.
A elegibilidade para medidas de educação especial pressupõe, sempre, um processo de índole pedagógica e não estatística, assente numa avaliação rigorosa do perfil de funcionalidade do aluno que permita identificar as respostas educativas que melhor se adequam às necessidades educativas especiais evidenciadas.
09/12/09
02/12/09
Shakira e o jardim de infância
Durante a cimeira ibero-americana, a cantora Shakira apelou aos países ibero-americanos para que dêem atenção aos cerca de 35 milhões de crianças na América Latina que não recebem qualquer tipo de educação escolar. E deixou o apelo à mobilização de todos para que se garanta a educação das crianças na América Latina antes dos seis anos.
Toda a infância, e em particular as idades dos 0 aos 6 anos, é considerada um período crítico para o desenvolvimento.
O currículo do jardim de infância [1] tem como pano de fundo a actividade da criança que proporciona a experiência física da natureza, do meio que a rodeia e que ela vai explorar no maior número possível de situações. Quando começa a linguagem e os porquês, aprende o nome das coisas, o que elas são e depois compreende a origem dessas coisas.
No dia 27 de Agosto foi promulgada a Lei nº 85 /2009, da Assembleia da República.
Esta lei contempla a universalização da educação pré-escolar aos 5 anos de idade, a partir do ano lectivo 2010/2011.
Por outro lado, a escolaridade básica será prolongada até aos 18 anos ou até final do ensino secundário, ou seja, a educação, no nosso país, abrangerá as idades entre os 5 e os 18 anos.
Parece-me que não há ninguém que discorde destas medidas. Desde há muito que se preconizavam e também temos defendido o alargamento da educação no jardim de infância a partir dos 3 anos de idade.
Se queremos que a criança se desenvolva pessoal e socialmente;
Se queremos promover a igualdade de oportunidades;
O desenvolvimento da expressão e comunicação;
O desenvolvimento da curiosidade e o pensamento crítico;
Fazer o despiste de deficiências e perturbações comportamentais;
Prevenir futuras dificuldades nas aprendizagens;
Então, a melhor forma de o conseguirmos é fazer com que todas as crianças frequentem o jardim infância.
É, por isso, que o jardim de infância é uma necessidade e deveria ser um direito para todas as crianças.
A medida peca por atrasada e por ser muito limitada dado que, conforme o próprio parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) refere, “na maioria dos países da UE a preocupação com a oferta de educação de infância tem vindo a recuar na idade reconhecendo-se, hoje, quer a partir de estudos neurológicos e psicológicos, quer de natureza sociológica, a importância do desenvolvimento infantil a partir dos zero anos”.
“Revela -se uma tendência generalizada para uma total cobertura da faixa etária dos 3 aos 6 anos de idade, procurando que todas as crianças tenham, pelo menos, dois anos de experiência pré -escolar antes da entrada na escolaridade obrigatória.
Por outro lado, deve haver “alargamento progressivo dos serviços destinados às crianças dos 0 aos 3 anos de idade, de acordo com as necessidades das famílias que trabalham, aliado à promoção de mais amplas licenças de maternidade e paternidade e, simultaneamente, à garantia da qualidade educativa das estruturas de atendimento”.
Esta medida é, portanto, muito positiva. Tal como o apelo de Shakira esta é, também, outra música para os nossos ouvidos.
[1] Hohmann, M., Barret, B. e Weikart, D. (1992), A criança em acção, 3ªEd., Lisboa: Fundação Kalouste Gulbenkian.
25/11/09
Danos centrais
Conhecemos o que são os chamados danos colaterais quando falamos de guerras, quando falamos de catástrofes, ou quando falamos de processos em tribunal… No entanto, não é frequente falar-se dos danos centrais.
Esses danos, de alguma forma, mesmo não esperados, quando acontecem parece que eram expectáveis e não são tão importantes como os colaterais.
Mas não nos podemos esquecer que são vidas humanas que estão em jogo.
Os portugueses estiveram envolvidos em três guerras em África.
Todos sabemos o que aconteceu.
Sabemos que entre mortos e feridos alguém escapou.
Porém, alguns dos que escaparam, escaparam mal. Ou na altura da guerra ou mais tarde continuam a viver esse doloroso traumatismo.
Eu vi partir alguns soldados do meu pelotão. Foram evacuados devido a uma completa desadaptação à situação de guerra.
De facto, muitos militares que estiveram no teatro de guerra sofrem de «stress» pós- traumático.
E acontece que, nós por cá, não queremos saber. Não queremos ver o que se passou e continua a acontecer debaixo dos nossos olhos
Despertamos da letargia quando uma reportagem na comunicação social nos alerta para isso…
Em França discute-se, neste momento, o que é ser francês. E em Portugal, o que é ser português ?
Será que isso não é importante em Portugal ?
Queremos ou não forças armadas ? E, se queremos, não nos incomodamos com os danos centrais ?
Tratamos mal as pessoas que deram o seu melhor por este país …
Os danos centrais estão aí e são visíveis. Se há ex-militares que conseguiram adaptar-se e têm uma vida confortável há outros que nunca mais conseguiram encontrar o equilíbrio e que nunca mais se integraram na vida social e familiar.
Há alguns ex-militares sem-abrigo que continuam a viver, a sobreviver, como se estivessem no mato.
Há outros que todos os dias têm insónia e que não conseguem ter sossego.
Os cheiros, os sons, os rebentamentos, os gritos, a espera pela evacuação e a vida dos camaradas a terminar sem nada se poder fazer rebenta nas suas cabeças e nas memórias que não se consegue apagar.
Tratamos mal estas pessoas. Foi-lhes atribuída uma pensão extraordinária quase insignificante. Porém, alguns viram essa pensão reduzida este ano.
Alguns lutam para terem direito apenas a cuidados de saúde e, principalmente, a cuidados de saúde mental.
É uma luta que dura há mais de trinta anos.
Mas pode ser que haja alguém que se lembre do sofrimento das pessoas que foram militares, mais de três décadas depois de ter terminado a guerra.
Em 21 de Novembro, o secretário de Estado de Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, revelou que o Ministério da Defesa está a preparar a revisão da Lei dos Antigos Combatentes e assinou um protocolo entre o Governo e associações de ex-combatentes que visa tornar céleres os processos por «stress» de guerra.
O protocolo, abrange 140 mil ex-combatentes com problemas psicológicos, dos quais 40 mil sofrem de «stress» pós-traumático…
Nunca é tarde para fazer bem, para fazer o bem… e repor a justiça aos que sofreram os danos centrais de uma guerra que o país lhes impôs.
18/11/09
Reformas do sistema educativo
Este comportamento "ocorre em resultado da interacção e identificação com aqueles que nas escolas, defendem tais valores e crenças, e em resultado do desejo de segurança, status e aprovação que os que exercem o controle estão em posição de conceder ou retirar. Os professores correspondem às expectativas dos que manejam o poder".
Não, "a novidade" é que já naquela altura tudo isto levou à desistência de se poder confiar nas próprias capacidades dos professores para educar os alunos.
E depois de tantas reformas, contra-reformas, ou nenhuma reforma, nada chega a sedimentar, nada chega a ser avaliado.
De repente, fica tudo sem efeito e é substituído por modelos que alguns iluminados "descobriram" e por "novos" projectos de peritos nacionais ou estrangeiros que propõem formas de organização ou modelos que devem ser adoptados...
As necessidades de que fala Schwebel mantêm-se hoje. Têm a ver com o dinheiro investido, os dirigentes do sistema, as lideranças educativas, a qualidade do ensino, a formação dos professores, o sistema de avaliação dos alunos, o conceito ampliado de escola, isto é, as relações escola comunidade e pais mais interessados.
14/11/09
A lei dos homens e a lei da justiça
BONNE JUSTICE
C'est la chaude loi des hommes
Du raisin ils font du vin
Du charbon ils font du feu
Des baisers ils font des hommes
C'est la douce loi des hommes
Se garder intact malgré
Les guerres et la misère
Malgré les dangers de mort
C'est la douce loi des hommes
De changer l'eau en lumière
Le rêve en réalité
Et les ennemis en frères
Une loi vieille et nouvelle
Qui va se perfectionnant
Du fond du coeur de l'enfant
Jusqu'à la raison suprême
PAUL ELUARD
(Poèmes)
Boa justiça
É a quente lei dos homens / Fazem das uvas o vinho / Do carvão fazem
o fogo / Dos beijos fazem os homens / É a doce lei dos homens / Conservarem-se
apesar / Das guerras e da miséria / E dos perigos de morte. / / É a doce lei dos
homens / Transformar a água em luz / O sonho em realidade / Inimigos em
irmãos. / / Uma lei já velha e nova / Que se torna mais perfeita / Do coração da
criança / Até à razão suprema.
20/09/09
Verdade
José Saramago, 19/4/2008, Tabu, nº158 18 Set 2009
"Nunca se mente tanto como em véspera de eleições, durante a guerra e depois da caça".
Otto Bismark (estadista alemão 1815-1898), Público, 19/9/2009
06/09/09
Verdade
Mário Soares percebeu à distância o que se estava a tramar. Por isso, ele que não achou que fosse censura o facto de Hugo Chávez ter encerrado uma estação de televisão na Venezuela, também acha que o silenciamento do ‘Jornal Nacional’ da TVI é um mero acto de gestão interna. Ou seja: desdramatizou o assunto porque sabe que é matéria sensível. Se Soares estivesse na política activa, Sócrates já tinha sido dizimado – porque a oportunidade é de ouro e um velho e experiente democrata sabe sempre onde dói mais. Com Soares em boa forma, o ‘caso TVI’ transformava-se em ‘caso República’. Aprendizes, é o que é."
04/09/09
Verdade
É verdade.
"Dói-me a boca de silêncio
e vou gritar
- nesta noite de lua mole
a dobrar-se nos telhados
inertes de bafio...
...
Gritar, ouviram ?
Gritar esta alegria de não sentir ainda terra na boca.
Gritar esta Labareda enfim fora dos olhos!"
José Gomes Ferreira, Poeta militante
28/08/09
As listas
“Lentamente a lista da maioria vai-se formando em Lisboa: os pretendentes são numerosos, intriga-se, pede-se, alcançam-se cartas, mente-se, lisonjeia-se, adula-se. Os amigos íntimos agitam-se em volta do ministro, como um bando de pardais em torno de um saco de espigas. Um tem um primo que casou; outro sabe de um folhetinista que tem talento e a língua fácil; outro quer um cunhado; outro tinha um homem a que deve uns centos de mil reis, mas dispensa a candidatura para esse ladrão se o ministro fizer esse ladrão recebedor de comarca. Depois os círculos não são prometidos fixamente: os candidatos são mudados como figuras de um jogo de xadrez. A um a que se prometeu o círculo A, dá-se o governo civil de B – como indemnização. Tira-se a C a candidatura prometida porque se descobre que C é um traidor, pertence à oposição. Mas dá-se a E que foi quem denunciou C. Às vezes é um influente pelo círculo X, que, em paga da sua influência, pede que seu genro venha pelo círculo Z, onde é proprietário.
- Mas o círculo Z está prometido a Fulano, que é um professor distinto, um publicista. Seu genro tem pelo menos algum curso ?
- Meu genro não tem curso nenhum - mas eu tenho influência. O jornal da localidade já provou que ele era um animal – meu genro espancou a direcção. “
Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, (2004), As Farpas – Crónica mensal da política, das letras e dos costumes, PRINCIPIA, Publicações Universitárias e Científicas, pag. 58.
24/08/09
Que mil Santana Lopes floresçam...
Mas o que o Portugal de hoje precisa é que «mil Santana Lopes vindos de todos os quadrantes floresçam» para que a diferença mil vezes floresça.”[1]
[1] “Ó Lopes empresta o lápis…” in Carlos Amaral Dias (2003), Um psicanalista no Expresso do Ocidente, Temas e Debates – Actividades Editoriais, Lda , pags 198-200.
11/08/09
Camisola 9
Toda a nossa vida é comunicação. Sabemos que não é fácil comunicar mas também sabemos que não é possível não comunicar.
Porque quando não comunicamos através da linguagem verbal, comunicamos através da linguagem corporal sendo o nosso corpo a manifestar os sintomas do que está bem ou mal connosco, ou comunicamos através do silêncio ou através dos sinais e dos sintomas que manifestamos. A comunicação é tudo o que ocorre entre as pessoas, em suma, nas transacções entre as pessoas.
A transacção é a unidade de acção social, que envolve um estímulo e uma resposta. É como comunicamos uns com os outros, é o relacionamento interpessoal.
Mas as transacções são influenciadas pelos papéis que desempenhamos no teatro da vida, como refere Shakespeare:
"O mundo é um palco
e todos os homens e mulheres apenas actores;
Eles têm as suas saídas e entradas
Cada homem no seu tempo representa muitos papéis" .
Sem querermos ou sem sabermos, estamos, através da comunicação, a transmitir scripts ou guiões aos nossos filhos.
Neste palco que é a vida cada um de nós tem um guião psicológico, um roteiro de telenovela, ou um argumento teatral.
O drama da vida começa ao nascer.
As instruções do guião são programadas dentro da criança por meio das transacções com as figuras parentais.
À medida que crescemos, aprendemos a desempenhar papéis: Heróis ou heroínas, vítimas ou justiceiros. E procuramos que outros façam os outros papéis do guião.
Há guiões para os indivíduos, para as famílias e para os países.
Cada indivíduo tem o seu próprio guião que por seu lado tem elementos do guião cultural e familiar.
O guião cultural é responsável pela exploração económica, pelas guerras civis, pelos suicídios, homicídios, superpopulação, alteração do equilíbrio ecológico.
Há ainda guiões subculturais que têm a ver com o local geográfico, antecedentes étnicos, crenças religiosas, sexo, educação, idades…
Todos os dias na comunicação social assistimos, infelizmente em muitos casos, à concretização destes guiões culturais e subculturais.
Os guiões familiares, por seu lado, perpetuam os guiões culturais: O filho que é a ovelha negra da família, viver de subsídios, pais que não cuidam dos filhos e filhos que não cuidam dos pais.
Ou, pelo contrário, o filho que é o camisola 9 do Real Madrid.
Este guião individual é, relativamente ao êxito, o de um vencedor.
Dado que assume riscos, certamente calculados, se compromete a atingir as metas a que se propõe.
Socialmente os vencedores são pessoas firmes nas suas decisões, confiáveis, lutam pelos seus objectivos com tenacidade.
"Cumpri o meu sonho de menino", isto é, cumpri o guião de vencedor.
A camisola 9 é um guião que alguns gostam de mostrar, publicamente, porque se identificam com esse guião. Porém, não é o seu próprio guião.
Poucas pessoas são totalmente vencedoras ou perdedoras sendo que a maioria dos indivíduos triunfa em alguns aspectos e perde em outros.
Mas em grande parte ser vencedor depende da comunicação, das transacções, que na nossa infância tivemos com os nossos pais. Se o guião for de vencedor então podemos cumprir o nosso sonho de meninos.
01/08/09
Mentir, mentir, mentir…
28/07/09
Antes oportunidades agora que novas oportunidades depois
Apesar de já haver algumas respostas alternativas, são ainda escassas e muitas vezes reservadas a alunos com determinadas características cognitivas e comportamentais, não correspondendo a uma correcta orientação escolar que tem em conta os interesses e as competências do aluno.
08/07/09
Uma pessoa é o sol, o mar, o pai e a mãe
Percebi, desta forma, o que era uma pessoa e o que era mais importante para a criança.
No princípio, era a água e o fogo. O mar e o sol. O líquido indispensável à vida. O fogo, a experiência fascinante que se perde no tempo e que ainda hoje continua a ser uma experiência infantil.
Importante é procurarmos na água o nascimento de um ser que parte para a grande caminhada da vida levando sempre as memórias da infância. Como Eugénio de Andrade em CANÇÃO INFANTIL:
Era um amieiro.
Depois uma azenha.
E junto um ribeiro.
Tudo tão parado.
Que devia fazer?
Meti tudo no bolso
para os não perder
E também procurar no fogo aquilo que quebra o gelo. O fogo do diálogo. Que começa por ser o diálogo corporal e que se prolonga no diálogo musical.
Mozart, Brahms, Tchaikovsky, tão próximos de uma canção de embalar, que é a mais bonita canção de amor entre dois seres: mãe -filho.
A música está no corpo do bebé que é o seu primeiro instrumento; está nos primeiros esforços que faz para galrear e balbuciar. Ela é ritmo antes de ser melodia. E como se sabe, para um bebé a primeira melodia é a voz da mãe, voz doce que se confunde com a voz mais dura do pai ... e ambos cantando-lhe o seu amor.
A criança não precisa de compreender as palavras para se sentir calma e feliz.
Antes da invenção dos instrumentos, os efeitos do canto vocal foram explorados pelo homem para fins precisos: o acalmar das crianças agitadas é o mais espalhado pelo mundo.
A canção de embalar acompanha a voz com movimentos da cabeça ou das mãos … estímulos visuais, que sincronizados com o canto, contribuem para a indução da calma, e são ainda reforçados pelo balanço do berço, que assim aumenta o efeito hipnótico do canto dirigindo-se ao sistema somestésico da criança.
2. Depois uma pessoa é o pai e a mãe, a família. A autoridade dos pais como modelo e como responsabilidade.
A autoridade dos pais baseia-se na vida e no trabalho dos pais, a sua personalidade de cidadãos, o seu comportamento.
O trabalho paterno deve consistir em saber como vive, de que se interessa, do que gosta e o que quer o seu filho. Quais são os seus amigos, com quem joga, o que lê e como assimila o que lê. Qual a sua atitude face à escola, aos professores, quais são as suas dificuldades, como é o seu comportamento nas aulas.
A ajuda dos pais não deve ser inoportuna, enjoativa e fastidiosa mas deve ser responsável. É necessário que a criança às vezes resolva os seus problemas sozinha e que se habitue a ultrapassar dificuldades e resolver questões complicadas.
As férias de Verão podem ser um tempo para esta experiência educativa pois têm todos estes ingredientes : o mar, o sol, o pai e a mãe.
04/07/09
Professores salvadores
Foi publicado, em Abril de 2009, o livro de Daniel Pennac “Mágoas da escola”[1]
É um livro que relata a história de um mau aluno mas que acaba por se tornar professor.
É um livro que recomendo, se me permitem, a todos os pais e professores e que não sendo um tratado de pedagogia é sobre o essencial da pedagogia.
“Mágoas da escola” fala dos maus alunos, aqueles alunos em que ninguém acredita, que não vão ser nada nem ninguém na vida. São os alunos sem futuro.
Não é um livro sobre a escola como refere o autor, mas um livro”sobre cábulas, sobre a dor de não aprender”.(pag 22)
Revejo todos os anos que tenho dedicado ao trabalho com muitas destas crianças.
Revejo o sonho deste cábula:
“Tenho um sonho….
Estou sentado de pijama, na berma da minha cama. Grandes algarismos de plástico, como aqueles com que brincam as crianças muito pequenas, estão espalhados pelo tapete, à minha frente. Tenho de “ordenar aquele algarismos”.
É o enunciado. A operação parece-me fácil, estou feliz. Debruço-me e estendo os braços para os algarismos. Apercebo-me de que as minhas mãos desapareceram. Não há mãos dentro do pijama. As minhas mangas estão vazias. Não é o desaparecimento das mãos que me aterroriza, é não poder alcançar os algarismos para os ordenar. O que seria capaz de fazer.”
Já falámos do final do ano lectivo e dos problemas que vêm com a avaliação.
Os interventores da escola continuam a não compreender esta coisa tão simples que é haver alunos que não são capazes de adequar o seu trabalho às necessidades do currículo.
Os tratados de pedagogia esquecem-se muitas vezes apenas deste pormenor.
E depois, concordo, temos a atribuição da constituição de bandos aos fenómenos dos subúrbios, às questões económicas, às questões sociais, ao desemprego, aos excluídos, à economia paralela e aos tráficos de toda a ordem…
Mas esquecemo-nos da única coisa sobre a qual podemos agir: “a solidão e a vergonha do aluno que não compreende, perdido num mundo em que todos os outros compreendem”.
Mas é preciso mudar também as expectativas dos pais, que confrontados com o filho que tem dificuldades, às vezes, são os primeiros a discriminá-lo.
Pennac fala dos professores salvadores e dos professores que dão estes alunos como casos perdidos.
“Os professores que me salvaram - e que fizeram de mim um professor - não tinham recebido nenhuma formação para esse fim. Não se preocuparam com as origens da minha incapacidade escolar. Não perderam tempo a procurar as causas nem tampouco a ralhar comigo. Eram adultos confrontados com adolescentes em perigo Pensaram que era urgente. Mergulharam de cabeça. Não me apanharam. Mergulharam de novo, dia após dia, mais e mais…acabaram por me pescar. E muitos outros como eu repescaram-nos literalmente. Devemos-lhes a vida” ( pag. 36).
_______________________________
[1] Pennac, Daniel (2009), Mágoas da escola, Porto: Porto Editora
17/06/09
Arqueologia ideológica
“Em que direcção se põe o sol ? “
Uma criança pouco informada ou com dificuldades de desenvolvimento poderá responder – põe-se do lado direito. Outro aluno com as mesmas características poderá responder – põe-se do lado esquerdo.
Facilmente podemos perceber que ambas as respostas podem estar certas e ambas as respostas podem estar erradas. Em termos de avaliação final terão que estar ambas erradas.
Então o que se passa ?
A criança não é capaz de raciocinar em termos de orientação, isto é, a criança não dispõe de estruturas cognitivas que lhe permitem compreender que a sua posição é relativa. Isto é, o sol pode pôr-se de qualquer lado: da esquerda ou da direita dependendo do local em que se encontra.
Então a resposta não pode ser essa.
Na nossa vida passamos o tempo a falar de esquerda e de direita.
As duas posições políticas tal como as posições geográficas podem estar certas e as duas podem estar erradas. Depende do ponto de vista.
Para me orientar preciso da bússola ou de sinais que me dêem a certeza do lugar onde estou. Mas é também necessário ter estruturas cognitivas que permitam compreender os pontos cardeais.
Esta é a falácia da política: esquerda é positivo, pensar bem, social, democrática, tudo o que faz é bem feito, tudo o que faz é para bem e em nome do povo.
Um golpe de estado de esquerda? Bem… enfim… é em nome do povo… quer dizer….
Uma ideia interessante da campanha eleitoral de 2002, para além da ideia do cherne, foi Durão Barroso vir falar de arqueologia ideológica a propósito destes conceitos.
Se tinha dúvidas praticamente desvaneceram-se após o 11 de Setembro e por tudo o que se passou desde então.
Poderá existir um “arquipélago de sangue”, de Noam Chomsky, mas isso não impede que o “arquipélago de Gulag” tenha sido menos violento.
A arqueologia ideológica continua aí. Durão Barroso tinha razão.
E alguns especialistas em esburacar ainda mais a sociedade, sem nada de novo apresentarem, de forma criativa, que possa tornar o preço do pão menos caro e as pessoas um pouco mais felizes, insistem em ficar calados perante os desvarios dos amigos ditos de esquerda ou de direita.
Os direitos humanos não são de esquerda nem de direita, ou seja, dos partidos que estão à esquerda ou estão à direita. As questões civilizacionais não são dos que se sentam à esquerda ou à direita…
Como nas questões geográficas das crianças, temos que ter outro referencial que não sejam os clichés estafados de bom e de mau pelo facto de se sentarem à esquerda ou à direita. Em última análise são apenas isso: sentam-se à esquerda ou à direita.
Mas o referencial deverá ser que estão certos ou errados conforme defendam ou não os direitos humanos, conforme defendam ou não princípios axiológicos e civilizacionais.
Se o sol quando nasce é para todos bem podem tapá-lo com uma peneira que não é por isso que os que se sentam à esquerda são mais iluminados do que os que se sentam à direita. A não ser que tenham os pontos cardeais da liberdade, da democracia, da justiça e da paz.
11/06/09
Orientação escolar e profissional
Um dos problemas que se coloca a muitos alunos nessa fase do ano lectivo diz respeito ao que irão fazer no próximo ano lectivo.
Para os que estão a terminar o 9º ano. Com o final da escolaridade básica coloca-se uma questão fundamental: Continuar a estudar ou ingressar no mundo do trabalho.
Para a maioria dos alunos a escolha preferida será a continuação dos estudos. Mas estudar o quê e onde ?
Como se sabe hoje temos várias escolas que podem certificar os alunos a nível do ensino secundário: As escolas do ensino secundário, as escolas profissionais, as escolas do ensino artístico, os centros de formação, os centros de formação do sector de actividade…
As escolas do ensino secundário têm também outro tipo de respostas que não apenas as dos cursos científico-humanísticos e tecnológicos.
Estes caminhos são muitas vezes esquecidos pelos alunos e pais, quando permitem ou querem que os filhos ingressem imediatamente na vida activa sem antes terem acesso à formação profissional.
Isto tem implicações na qualificação profissional dos trabalhadores e engrossa o contingente da mão-de-obra pouco qualificada.
Há, no entanto, alunos que não completam o 9º ano.
Para eles coloca-se também o problema da orientação quando devido a sua idade, ao seu comportamento ou às suas dificuldades de aprendizagem já não estão bem na escola e a escola já nada lhes diz e passam do desinteresse ao absentismo e muitas vezes ao abandono.
O insucesso repetido é assim muitas vezes a base da desmotivação que leva ao cominho mais fácil: o abandono.
Há alunos que deixam de ir à escola no dia em que completam os 15 anos. Nem sequer deixam terminar o ano lectivo que é o correcto para cumprir a legislação em vigor, prejudicando-se muitas vezes a si próprios, porque se foi viver com a namorada, porque se engravidou, por muitas razões, certamente compreensíveis mas pouco racionais.
No meio de tudo isto florescem orientações pouco científicas e pouco pedagógicas.
As crianças e adolescentes com problemas escolares deviam ter diagnósticos correctos mas para elas muitas vezes começa aí outro calvário.
São enviadas ao médico para serem vistas pela falta de memória ou de atenção, outras vezes vão aos xamanes da região, ou são caracterizadas com diagnósticos mais modernos como hiperactividade ou são consideradas espíritos especiais e caracterizadas como indigo ou cristal.
O que é preciso é encontrar uma justificação…
É por isso que há necessidade de equipas multidisciplinares que possam compreender e orientar estas situações. Estas equipas devem colaborar estreitamente com a escola e, principalmente, com a estrutura de decisão que é o conselho escolar ou o conselho de turma. É necessário, no entanto, dar mais competências organizacionais a umas e a outro.
Os recursos que temos são escassos mas é possível serem mais bem rentabilizados. Assim como a coordenação das respostas, a articulação dos serviços e dos apoios educativos e sociais.
04/06/09
CIF - Dificuldades de aplicação
Estas dificuldades vêm provar a existência de vários problemas de aplicação da CIF. Tenho visto grandes discrepâncias no entendimento relativo à aplicação da CIF. Há de tudo, desde quem não tenha em conta as exclusões, dando origem a listagens intermináveis de capítulos, esquecendo o “core” a estabelecer para um perfil de funcionalidade, como refere Simeonson, até às interpretações mais ou menos “a olho” no que se refere principalmente ao primeiro qualificador…
Relativamente às funções do corpo – funções intelectuais, são evidentes várias interpretações relativamente ao primeiro qualificador. Veja-se, por exemplo, aqui, uma dessas interpretações, da qual discordo.
2. Tentando estabelecer algum consenso sobre este assunto, em meu entender, devem ser considerados os critérios psicométricos que definem a deficiência mental [1] de acordo com a Classificação da Deficiência Mental da OMS, DSM IV [2] e WISC – III [3] , referidos no Quadro seguinte:
Para um aluno ser considerado portador de NEE de tipo cognitivo (deficiência mental) a classificação deverá ser: Deficiência mental (ligeira, moderada, grave e profunda) – muito inferior [4].
Em meu entender é suficiente que este score seja apenas numa das escalas da WISC – III (Escala verbal, Escala de realização ou Escala completa).
No entanto, a tomada a decisão do Conselho de Turma deve ainda ter em conta critérios de tipo adaptativo, educativo e de personalidade.
Os alunos considerados com deficiência mental são abrangido pelo DL 3/2008 pelas medidas educativas previstas nas alíneas b) ou e), que se excluem mutuamente, e podem ser acumuladas com outras medidas quando necessário.
3. Os alunos que não se enquadrem nestes critérios (deficiência mental) e o nível cognitivo se situe a nível médio inferior e inferior (QI entre 80 e 90; 70 e 80), devem ser considerados no âmbito das dificuldades de aprendizagem, tendo em conta as situações seguintes:
No primeiro caso, se as dificuldades de aprendizagem forem consideradas graves (alexias, dislexias), o aluno deverá ser considerado nas NEE no domínio comunicação, linguagem e fala.
As medidas educativas a aplicar são, principalmente, as abrangidas pela alínea a), devendo ser ponderado se o aluno deve ser também apoiado por professor de EE (alínea d) do nº 2 do artº 17).
Considero dificuldades de aprendizagem graves, nos alunos do 1º ciclo, quando se verificar um atraso de dois anos na aprendizagem da leitura e escrita, isto é, quando o aluno não tiver adquirido, de forma consistente, o 1º e 2º nível da leitura e escrita, devendo ser considerado como elegível para o apoio da educação especial.
Quanto aos outros casos, quando se verificar que, na avaliação de prova de despiste da dislexia específica, o aluno ultrapassar 75% de erros[5] , deve também ser considerado elegível para a Educação Especial no domínio da comunicação, linguagem e fala.
No segundo caso, envolvendo perturbações disruptivas do comportamento e de défice de atenção (perturbação de hiperactividade com défice de atenção, perturbação de comportamento e perturbação de oposição), devidamente avaliadas por instrumento adequado e que se enquadrem nos critérios estabelecidos no DSM IV, deverão também ser considerados no domínio emocional/personalidade e elegíveis para a Educação Especial.
Além disso, o aluno deverá manifestar, cumulativamente, dificuldades de aprendizagem, ainda que não apresentem a gravidade descrita na primeira situação.
[1] No caso de se tratar de crianças até aos 6 anos de idade, deverá ser avaliado o seu desenvolvimento através de instrumentos adequados, como por exemplo: WPPSI - R ou Escala de Desenvolvimento de Griffiths, tendo em conta quer o respectivo QI ou QD.
[2] American Psychiatric Association - DSM IV – Climepsi Editores, 1996
[3] Wechsler, D. - WISC III – Escala de Inteligência de Wechsler para crianças III – Manual – CEGOC, 2003
[4] A classificação de Lou Brown: com QI inferior a 51 era, em 1987, deficiência intelectual severa (severe intelectual disabilities), e em 1995, deficiência intelectual acentuada (significant disabilities). Estes alunos devem ser objecto de um currículo funcional.
[5] Prova de avaliação da dislexia específica, por exemplo, PEDE, de Condemarin e Blomquist
29/05/09
A verdade da mentira
Grande parte da nossa vida anda à volta desta questão: a verdade da mentira.
Saber quem nos engana e quem nos quer enganar é hoje quase uma tarefa de sobrevivência.
A mentira faz parte do desenvolvimento da criança, a mentira infantil ou seja a mentira depende do desenvolvimento da criança.
Assim sendo, podem as crianças dizer a verdade, podem ser testemunhas num processo judicial ?
Colocar esta dúvida é, em si, já algum progresso porque nem sempre foi assim, isto é, a questão nem sequer se punha.
Houve tempos em que pura e simplesmente o testemunho da criança não tinha qualquer valor.
Hoje sabemos que os adultos não mentem menos do que as crianças. Com uma diferença: é que a mentira dos adultos costuma ser mais perigosa.
Na escala de inteligência WISC, uma das perguntas de avaliação da compreensão da criança e dos adolescentes é a seguinte: porque se deve manter uma promessa feita? Normalmente, só os alunos mais velhos são capazes de responder.
Mas é difícil saber porque devemos cumprir uma promessa feita.
Honrar a palavra é uma das respostas possíveis.
Mas é exactamente aqui que nós temos sido enganados.
Estamos em campanha eleitoral e nestas como em outras campanhas anteriores temos então pessoas importantes que são aquelas pessoas que nos pedem para votarmos nelas que nos prometem muitas coisas. Basicamente, que tudo vai ser melhor.
Porque se deve então manter uma promessa feita ?
Outra questão é: porque é que há deputados na assembleia da república ?
Poucos alunos respondem a este item da compreensão; não fazem a menor ideia do que é isso.
A formação cívica fica assim cada vez mais no plano teórico. Por outro lado, a modelagem que se faz só pode ser negativa.
Em geral, os deputados, os políticos que nos governam são modelos errados.
É por isso que a credibilidade das instituições políticas anda pelas ruas da amargura.
Mudam de partido conforme as probabilidades de ser eleito e o que é mais interessante, ou melhor, preocupante, é que é sempre melhor aquele partido onde actualmente se encontram. Os partidos para essas pessoas são instrumentais e os fins, que é manterem-se no poder, justificam os meios.
A ideia de que só não mudam os burros é verdadeira mas também se requer alguma coerência. Não se pode defender, hoje, a estatização e, amanhã, defender a concorrência e o mercado, e isto tudo com a maior das canduras.
Será também por isso que as crianças não aprendem por que é que se deve manter uma promessa.
Eu próprio também não sei o que posso dizer. Talvez esteja como as crianças. Fico-me pelo fazer como Frei Tomás, faz o que ele diz mas não faças o que ele faz ou talvez seja melhor ficar calado e não ter resposta para as perguntas: porque devemos manter uma promessa feita ou porque temos deputados na assembleia da república.
A verdade da mentira é hoje tarefa de reflexão dos cidadãos: a reprise está novamente em movimento e, sendo assim, só acredita na mentira quem gosta de ser enganado.
26/05/09
Preparar a reforma
Um dos cartazes da manifestação dos 100 mil que vieram para a rua gritar que mais me chocou foi aquele que dizia: “não nos tratem como lixo”.
Precisamos de trabalhar com competência, de dormir, de não termos insónia, de não entrarmos em depressão, de sermos felizes, de termos bom humor, em casa, junto dos filhos e de irmos para a reforma descansados. Precisamos, se possível, que nos deixem morrer em paz.
Entretanto, muitos estão a abandonar ou estão, decididamente, a procurar a reforma de uma forma abrupta e uma mudança de vida de forma radical.
Mas será que esta mudança está a ser feita da melhor maneira?
Não deveria haver alguma forma de preparação para a reforma de modo a não mudar de uma forma radical de uma situação para outra?
Não será angelical, nestes tempos difíceis, sugerir esta coisa sofisticada de preparação para a reforma?
Quando nos reformamos não é a vida que se acaba mas, dizem, o início de uma nova vida, às vezes para melhor outras vezes para pior...
A preparação para a reforma deverá ter em conta que se deve pensar nesta mudança e na adaptação das pessoas a esta nova fase da vida. Assim, será possível, com tempo, encontrar novos caminhos, estudar alternativas e sonhar com essa nova vida.
A preparação para a reforma incide muitas vezes apenas no aspecto financeiro e preparar a reforma tem a ver com segurança financeira, económica e com seguros de saúde…
Mesmo a este nível, segundo um estudo da Fidelity Internacional, os portugueses e os franceses são os europeus mais atrasados na preparação da reforma. De acordo com os dados divulgados nesta análise, dos 57% portugueses inquiridos que ainda não começou a preparar a reforma, 31% conta ainda fazê-lo, enquanto 26% não pensa começar a tratar disso.[1]
Mas os aspectos psicológicos e sociais e, de uma maneira geral, os aspectos do desenvolvimento devem igualmente ser relevantes.
Como sabemos há aprendizagem e desenvolvimento ao longo de toda a vida.
Erikson definiu estádios de desenvolvimento para toda a vida. Assim, a partir dos 30 anos de idade, é uma fase de afirmação pessoal no mundo do trabalho e da família. A vertente negativa leva o indivíduo à estagnação nos compromissos sociais, à falta de relações exteriores, à centralização em si próprio.
A partir dos sessenta anos é o estádio da integração e compreensão do passado vivido. È preciso saber como não cair no desespero.
O preconceito em relação à velhice deve ser desconstruído. Para isso, a actividade, a utilização das nossas capacidades devem ser postas ao serviço da luta contra a exclusão, o afastamento a solidão…
Para quem passou toda a sua vida profissional a integrar os jovens não seria descabido que os jovens, principalmente aqueles que nos governam, não excluíssem os seus maiores da vida activa cedo de mais e sem qualquer preparação.
[1] Contudo, mais de um terço dos portugueses (36%) já começou a preparar a reforma, valor que representa uma subida de 11 pontos percentuais face a 2006.
O mesmo estudo revela que 42% da população afirma estar informado sobre a preparação da reforma, quando em 2006 o valor era apenas de 36%.
O estudo sobre a preparação para a reforma foi realizado para a Fidelity pela consultora TNS na Suíça, Holanda, Alemanha, Áustria, Suécia, França, Itália e Portugal, entre Novembro e Dezembro de 2007, e foram entrevistadas 4104 pessoas entre a população activa com mais de 18 anos.
24/05/09
Talentos e cifrões
14/05/09
O cyberbullying e os adolescentes
É uma evidência que os adolescentes utilizam as novas tecnologias da informação, principalmente o telemóvel.
Mas será que os adolescentes também utilizam as novas tecnologias para praticar cyberbullying ?
O cyberbullying consiste, entre outros aspectos, em utilizar o e-mail e o telemóvel para enviar mensagens ofensivas e intimidar os colegas.
Os pais passaram a ter mais uma preocupação com os filhos embora muitas vezes não tenham consciência disso, porque também nestes casos e nesta idade os pais não são as pessoas mais requisitadas para os adolescentes contarem os seus problemas…
Num estudo recente [1] com alunos do básico e secundário com vista a determinar se utilizam o telemóvel e o e-mail para intimidar e em que medida o fazem, foi posto em evidência que os alunos do básico e secundário utilizam as tecnologias da informação (telemóvel, e-mail, etc.) para praticar cyberbullying.
Esta prática ocorre, mais frequentemente, no sexo feminino: 45% admite já ter enviado mensagens ofensivas; enquanto que, para o sexo masculino, é de 35%, ao contrário do bullying que é, mais frequente, no sexo masculino.
Os sentimentos envolvidos na prática de cyberbullying são a raiva, sendo mais relevante, no sexo feminino, 38% refere sentir raiva no envio de mensagens ofensivas, enquanto que para o sexo masculino, é de 16%.
O desprezo, a alegria e a tristeza são também sentimentos, muito presentes, na prática de cyberbullying.
O telemóvel é o meio mais utilizado (variando entre 74% e 85%) para praticar cyberbullying.
O envio de mensagens é feito, quase sempre, individualmente, com percentagens, em média, a rondar os 70%.
As raparigas são as principais vítimas do cyberbullying, apenas 33% referiu que nunca recebeu qualquer mensagem ofensiva.
A raiva e a indiferença são os sentimentos dominantes em quem é vítima de cyberbullying.
Os amigos são os melhores confidentes para quem sofre de cyberbullying independentemente do género ou nível de escolaridade mas é o sexo masculino que mais confia nos amigos (87%); apenas 4% admite informar os Pais/Encarregados de Educação, enquanto que para o sexo feminino 29% admite contar aos Pais/Encarregados de Educação.
Pode-se concluir, assim, que a maioria das vítimas de cyberbullying não informa nem procura os adultos (Li, 2005); os pais, raramente, tomam conhecimento e os professores nunca são informados.
Os problemas de cyberbullying têm aumentado, drasticamente, nos últimos tempos, sem dúvida, devido à massificação das novas tecnologias.
Não devemos nem podemos ficar indiferentes à forma como as novas tecnologias são utilizadas, uma vez que a sua utilização indevida tem consequências negativas para o desenvolvimento social dos adolescentes e perturba o clima relacional na escola, na turma e nos grupos sociais em que estão inseridos.
[1] Beirão, Maria do Céu & Martins, Maria José D. - Cyberbullying e emoções na adolescência - Escola Secundária Mouzinho da Silveira & Escola Superior de Educação de Portalegre.
Escola sem tempo inteiro
Um contacto directo com a história e com a cultura da cidade é talvez mais importante do que ter ficado na escola. Fazem-se aprendizagens e revelam-se défices dos alunos do ponto de vista da interacção social e cultural.
Claro que estas actividades levantam muitos problemas pedagógicos e de organização.
Carl Honoré, escreveu um livro que ainda não tem tradução em português mas que podemos traduzir por “Sob pressão” [1]. Refere que durante gerações, crescer foi uma tarefa fácil: íamos à escola umas horas por dia, praticávamos desporto e tínhamos alguma ligação a um clube ou a uma instituição cultural ou religiosa, e o resto do tempo brincávamos ou sonhávamos acordados.
Não sou tão pessimista como Carl Honoré que diz que o nosso enfoque moderno da infância é um fracasso: os nossos filhos estão mais obesos, míopes, mais deprimidos e mais medicados do que qualquer geração anterior.
Mas é fácil concordar que " temos que desligar todos os aparelhos e dizer às criança que saiam para brincar”.
De facto as nossas associações desportivas e culturais deviam estar cheias de crianças e jovens a participarem em actividades próprias para a sua idade.
Não só para virem a ser grandes campeões, participantes nos jogos olímpicos e nem sequer para os desviarem dos caminhos errados …mas para terem um vida saudável e positiva e aprenderem a cultura do seu e dos outros povos.
“Sob pressão”, tem a ver com a cultura que criámos, uma cultura do perfeccionismo. Esperamos que tudo seja perfeito: os nossos clientes, os nossos corpos, as nossas férias, a nossa lua de mel, os nossos filhos…
Hoje estamos acelerando o desenvolvimento das nossas crianças: academicamente, expondo-as aos meios de comunicação adultos; vendo-as como consumidores; carregando-as com rotinas desnecessárias.
Mas, por outro lado, estamos a infantilizá-las superprotegendo-as e nunca lhes dizendo 'não'.
Para Honoré, a multitarefa é um mito. As crianças de hoje contam com uma grande quantidade de conhecimentos tecnológicos úteis mas não é verdade que o cérebro humano esteja preparado para esta multiplicidade de tarefas, numa sequência de diferentes actividades durante o dia.
A alternância das tarefas redunda num uso muito ineficiente do tempo e da energia do cérebro.
Ser mãe ou pai é uma viagem; é o descobrimento, por tentativa e erro, do tipo de pais que somos ou queremos ser. Não se trata de começar com uma ideia fixa do pai perfeito e fazer tudo o que esteja à altura desse ideal. Temos que ter tempo, espaço e liberdade para explorar o mundo com as crianças.
As duas tarefas mais difíceis da educação são saber ligar-se quando os filhos são pequenos e depois saber desligar-se quando precisam de trilhar os caminhos da autonomia.
Ao contrário do que alguns possam pensar nunca como hoje foi tão difícil ser criança, tão difícil educar uma criança e o melhor caminho educativo não é mantê-las sob pressão.
[1] Entrevista de Horacio Bilbao, de Clarin.com a Carl Honoré.
28/04/09
Educar crianças para serem felizes
Educar crianças para serem felizes
A informação recolhida diz respeito a crianças e jovens com menos de 19 anos, tendo em conta 43 critérios, como mortalidade infantil, obesidade, recursos materiais - pobreza e habitação.
Os sete critérios principais foram: Saúde, Bem-estar, Relações interpessoais, Recursos materiais, Comportamentos de risco, Educação e Habitação e Ambiente.
O 21º lugar de Portugal resulta de maus resultados em quatro das sete categorias principais: Saúde, Bem-estar, Recursos materiais e Educação
Podemos identificar a infelicidade por uma série de sinais de alarme que devem ser detectados precocemente, de forma a que as situações de risco não se transformem em situações de perigo e, finalmente, de forma a evitar que se transformem em tragédias.
A violência na escola traduz-se numa grande diversidade de comportamentos anti-sociais que podem ser desencadeados quer pelos alunos quer por outros elementos da comunidade escolar.,
O trabalho dos professores e técnicos deve centrar-se na prevenção destes comportamentos anti-sociais.
Embora não seja fácil avaliar quando uma situação disruptiva leva a uma situação de grande violência, podemos, no entanto, considerar que existem alguns factores de risco tais como, os hereditários, acontecimentos "desencadeadores" e problemas psicopatológicos.
É por isso importante procurar a intervenção quando algumas atitudes e comportamentos são verdadeiramente excessivos, isto é, quando ultrapassam aquilo que é característico do período de desenvolvimento em que a criança ou adolescente se encontra.
Comportamentos tais como: o isolamento no quarto de forma permanente, comunicação praticamente inexistente, grupo de amigos estranho, conversa desadequada e bizarra, exigências desproporcionadas, pouca resistência à frustração...
São comportamentos que evidenciam alguma perturbação.
É preciso estar alerta e em ligação permanente com a escola: em primeiro lugar o director de turma e depois a equipa de técnicos da escola ou de outros serviços.
Nem todas as escolas têm recursos suficientes para dar conta das diversas situações problemáticas, na medida em que não existem psicólogos suficientes para despistar situações de risco e intervir atempadamente.
Mas o que nos falta é organização: é necessário articular as respostas existentes nos diversos sectores institucionais: saúde, hospitais e centros de saúde, serviços de psicologia e orientação (SPO) da educação, serviços de juventude, serviços de formação e emprego, serviços de segurança social e reinserção social…
Assim, talvez, os serviços pudessem trabalhar de uma forma mais eficaz, evitando que duplicação de avaliações e de intervenções, com o prejuízo que daí resulta para os pais, com as listas de espera, com as consultas muito espaçadas e sem a intervenção atempada que as crianças e adolescentes necessitam.
[1] O estudo é da responsabilidade da Universidade de York e os dados foram compilados em 2006 para o Child Poverty Action Group (CPAG - uma organização britânica que combate a pobreza infantil).