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28/10/25

É sempre assim, não é ?


Le jardin du Luxembourg - Joe Dassin


Là où cet enfant passe, je suis passé 
Il suit un peu la trace que j'ai laissée 
Mes bateaux jouent encore sur le bassin 
Si les années sont mortes 
Les souvenirs se portent bien.







22/10/25

Respeitar a infância

 

Antes de olharmos para os nossos filhos  e vermos neles uma quantidade enorme de problemas, problemas de alimentação, sono, ciúmes, violência, egoísmo..., poderíamos encontrar muitas qualidades. Afinal os nossos filhos são boas pessoas. Como nos diz muito bem o pediatra Carlos Gonzalez. (Bésame mucho - Como criar os seus filhos com amor, Pergaminho, p.108)


As crianças têm uma série de qualidades a que se calhar não damos importância. É mais fácil percebermos os problemas que são muitas vezes criados por nós do que as qualidades que as crianças apresentam na sua relação com os adultos e com os pares.

Quando acontece um caso de violência intrafamiliar ficamos chocados e é a oportunidade para algumas pessoas porem em questão a educação sem violência das crianças e, provavelmente, arranjamos sempre uma desculpa para justificarmos práticas punitivas e humilhantes, que achamos que, essas sim,  funcionam... A criança ainda é vista como um ser que precisa de ser “endireitado” para se tornar adulto. 

Ora a criança não nasce ensinada e também pode não aprender à primeira. Pode ser necessário repetir para aprender. Afinal como qualquer ser humano. 


O respeito pela infância é uma marca da qualidade da infância que por sua vez é uma marca da qualidade de vida da nossa sociedade.

O respeito, a par com o carinho, são as grandes vias para a educação responsável e justa. 

Os nossos filhos e os nossos alunos são muito melhores do que pensamos. 

A facilidade com que atribuímos incapacidades às crianças, e aos alunos na escola, é surpreendente: “Não trabalha”, “é preguiçoso”, “é hiperactivo”, “está sempre na lua”, “fala pelos cotovelos”, “nunca participa”, “é implicativo”...

Mas a realidade diz-nos que essas crianças precisam de nós e do nosso trabalho para crescerem ...


A realidade, confronta-nos, todos os dias,  com as maldades que os adultos fazem às crianças. Os maus tratos físicos de todo o tipo, os abusos sexuais, o tráfico de menores,... provam que não estamos no caminho certo da proteção da infância e do respeito que nos merece.

Mas não é apenas a maldade activa, é também o abandono, a ausência, o afastamento das pessoas de ligação - os pais - que deviam  estar presentes de algum  modo na vida dos filhos, transmitindo aprendizagens por modelagem e regulando as circunstâncias, as dificuldades e os problemas da vida, o diálogo permanente, sabendo que, no fim da linha, a autoridade são os pais e a decisão final pertence aos pais.


Os nossos filhos apresentam qualidades que mostram que são boas pessoas como refere Carlos Gonzalez (p.108-121):

o seu filho é desinteressado. O amor de uma criança é assim: puro, absoluto e desinteressado,

o seu filho é generoso mesmo quando parece egoísta,

o seu filho chora, claro!  quando tem razões para isso,

o seu filho sabe perdoar sem fingimentos e sem reservas, não guarda ressentimento,

o seu filho é sincero e facilmente diz o que pensa,

o seu filho é sociável, basta observar quando brinca sem reservas com outras crianças,

o seu filho é compreensivo, e sabe confortar quando vê alguém  em sofrimento...


O desenvolvimento de uma criança é feito de palavras e mimos, "… devemos tratar os nossos filhos com carinho e respeito…pegar-lhes ao colo ou consolá-los quando choram.” (" 'Todos os castigos são inúteis', diz o pediatra do contra, Carlos Gonzalez", Entrevista de  Ana Cristina Marques, Observador, 26-5-2014)

Tal como gostávamos que nos acontecesse a nós.

 


Até para a sem
ana.



Rádio Castelo Branco




15/10/25

As percepções importam

 

A percepção é um “processo psicológico complexo através do qual o indivíduo tem consciência das suas impressões sensoriais e adquire conhecimento da realidade. É um mecanismo de aquisição da informação através da integração estruturada de dados que procedem dos sentidos; em virtude dessa integração, o indivíduo capta os objectos.”... (Enciclopédia da Psicologia, 4, Oceano,  p.149)

De acordo com Maslow, o ser humano para sobreviver precisa que as suas necessidades básicas estejam asseguradas. A necessidade de segurança (segurança física, estabilidade emocional e proteção contra ameaças), faz também parte dessas necessidades essenciais.

As percepções de segurança ou insegurança dependem das experiências pessoais passadas, de variáveis contextuais diversas e das próprias estatísticas... E, assim, podem dar relevo à forma como reagimos às diversas situações da nossa vida.


De certeza que todos queremos viver numa sociedade segura, numa cidade segura. Ninguém quer ver a sua vida em risco ou perigo, ninguém quer ser ferido, ninguém quer ser roubado. Queremos ir para o trabalho, voltar para casa, queremos que os nossos filhos estejam seguros na escola e fora dela, queremos passear, simplesmente, sem que ninguém nos aborreça ou usarmos a internet de forma segura.

Mas também "vemos ouvimos e lemos, não podemos ignorar",  Basta haver um caso, passado na nossa rua, ou mesmo longe da nossa  casa, ou que veio no jornal, na televisão, para sentirmos medo e ansiedade cada vez que saímos à rua.

Como diz Daniel Pennac, (Mágoas da Escola, p.11), "estatisticamente tudo se explica, pessoalmente tudo se complica".

 

O ex-ministro Pedro Duarte viu o seu carro assaltado. Essa experiência é determinante para a sua visão da realidade. Diz “não acreditar nas estatísticas oficiais de criminalidade no país, uma vez que o episódio que viveu, tal como "muitos outros" semelhantes ficam por reportar: As pessoas hoje em dia, em determinadas zonas da cidade, não se dão sequer ao trabalho de chamar a polícia, porque sabem que nada vai acontecer. Conheço dezenas de casos, o que torna os relatórios oficiais completamente enganadores. Portanto, quando dizem que as estatísticas mostram que o Porto não tem um problema de segurança, naturalmente que eu não posso levar a sério.” (CNN, 8-9-2025 )


As percepções são fundamentais na interpretação de todo o contexto ambiental e, nessa medida, são fundamentais na compreensão de sistemas e subsistemas em que estamos envolvidos, sejam cognitivos, emocionais ou sociais. *

Mesmo sabendo que as percepções são alteradas pelo  medo  e a ansiedade, pelas motivações  e expectativas...

Mesmo sabendo que as  emoções, a  paixão e o amor alteram as nossas percepções. Como na canção de Miguel Araújo “Será amor?" "Que será que me deu?",  "...até o cheiro a gasolina emana um aroma de rosas no ar."

 

Mas nada seríamos sem as percepões. Estaríamos permanentemente em risco e perigo, não saberíamos que fazer, nem como fazer.

A estatística é necessária para  interpretar a realidade mas não é a realidade. 

Os negacionistas da importância da percepção de segurança mudam de opinião no hora em que  são confrontados com a insegurança. 

E devíamos estar gratos a quem arrisca a vida para podermos ter sossego.

Por isso, as percepções sobre a segurança importam.

 

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*Perceção de criminalidade e insegurança, Barómetro APAV.




Rádio Castelo Branco





09/10/25

Saúde mental para todos


 

Comemora-se amanhã, dia 10 de Outubro, mais um Dia Mundial da Saúde Mental. O tema da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o Dia Mundial da Saúde Mental de 2025 é "Saúde mental para todos: acessível e inclusiva", focando-se no acesso equitativo a cuidados de saúde mental de qualidade. (1)


A partir de 2020, com a pandemia, muita coisa se alterou na nossa vida. Tanto mais que as guerras que se seguiram, sem fim à vista, são responsáveis por mais ansiedade, insegurança, falta de perspectivas de futuro. Dizia-se então: “vai ficar tudo bem”. De facto, podemos dizer, cinco anos depois, que não ficou tudo bem. 

Vejamos, numa breve avaliação: 

A pandemia revelou novas preocupações no que respeita à saúde mental. Estamos menos tolerantes, mais propensos ao conflito. Aumentou o consumo de antidepressivos e de ansiolíticos. Há mais casos graves a chegar às urgências dos hospitais, incluindo de tentativas de suicídio, algo que poderia ser evitado se antes tivesse havido apoio psicológico, dizem os especialistas. É sobretudo nas crianças e nos jovens que a saúde mental foi mais afetada pela covid-19. E há efeitos que só vamos conseguir ver quando esta geração chegar à idade adulta. Os pediatras estão a identificar, em consultas de rotina, mais casos de sofrimento mental. (2)


Segundo o psiquiatra Caldas de Almeida, “O campo da saúde mental é muito vasto e integra fenómenos de natureza diversa:
A saúde mental positiva que constitui a base do bem-estar mental, do funcionamento efetivo e da capacidade relacional dos indivíduos. 
As doenças mentais ou psiquiátricas, que são entidades patológicas caracterizados por um conjunto de sintomas e sinais psicológicos e comportamentais associadas a sofrimento psíquico e, muitas vezes, também a incapacidades de vária ordem... 
E ainda problemas de saúde mental relacionados com situações que envolvem algum sofrimento psíquico, embora não cumpram os critérios para o diagnóstico de uma doença mental...” (J. M. Caldas de Almeida, A saúde mental dos portugueses, F. F. M. dos Santos, p.15)


“Se definirmos a doença mental como uma perda de controle sobre a mente poucos de nós podem garantir estar livres de algum tipo de mal-estar. A verdadeira saúde mental envolve uma aceitação honesta de que mesmo nas vidas mais competentes e significativas, haverá sempre algum grau de sofrimento ou dificuldades." (Alain de Botton, Viagem terapêutica, D. Quixote, p.19)


“A saúde mental é um milagre de que não nos apercebemos até ao momento em que nos foge das mãos - e nesse momento perguntamo-nos  como é que até aí conseguimos fazer algo de tão belo e complexo como manter os nossos pensamentos sadios e equilibrados” (idem, p. 14)

Para continuarmos neste caminho mentalmente saudável, o que podemos fazer?
Em primeiro lugar, não hesitar em procurar ajuda especializada quando não entender o que se passa consigo, com os seus pensamentos e sentimentos.
Entretanto, podemos fazer muito por nós e pelas pessoas da nossa família. O auto-cuidado, cuidar de si próprio, com o recurso a terapias de auto-ajuda é um primeiro passo para mantermos uma mente saudável e plenamente funcional.

 

Até para a semana.

 

 

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(1) Na realidade o tema deste ano destaca a "saúde mental nas emergências humanitárias".  No entanto, o Google informou-me que  "saúde mental para todos"  era o tema para 2025. De facto, este tema podia servir para todos os anos.

Nos dois anos anteriores, os temas foram "A saúde mental é um direito humano universal" (2023) e "É hora de priorizar a saúde mental no local de trabalho" (2024). 

Este dia foi celebrado pela primeira vez em 1992, por iniciativa da Federação Mundial para Saúde Mental.


(2) "Cinco anos depois, há muita gente que não se libertou da máscara". Como ficou a saúde mental depois da pandemia? "Pior",  Wilson Ledo , 9-3-2025,  CNN PortugalPodemos também ver o "Impacto da COVID-19 na saúde mental", SNS24.

 

 



Rádio Castelo Branco








02/10/25

Humildade - Uma força terapêutica



Alain de Botton, em Uma viagem terapêutica, releva a importância da psicoterapia que todos podemos praticar na nossa vida diária, designadamente nos sítios que por mais pessoais que sejam, são também os lugares onde pode ocorrer mais atrito entre as pessoas.
"Os paradigmas da psicoterapia não pertencem apenas à prática clínica; aplicam-se, de forma mais abrangente ao quarto e, sobretudo, ao lado de fora da porta da casa de banho, à meia-noite, durante aquelas discussões acesas sobre quase nada. Quando as relações se tornam difíceis como invariavelmente acontece, as noções terapêuticas podem fornecer-nos os meios para lidar empaticamente com muitos dos aspetos mais estranhos em nós próprios e nos nossos parceiros.“ (p. 152).

Assim, há conceitos terapêuticos que poderão ser muito úteis para a nossa vida cotidiana. Muitos destes conceitos têm a ver com as atitudes que adoptamos quando pretendemos uma comunicação compreensiva e eficaz na nossa vida. 
Podemos relevar, por exemplo, a escuta reflexiva, deixar espaço para a solidão e suavizar a linguagem:
- a escuta reflexiva significa escutar mais do que falar, usar a paráfrase, sublinhando o que o outro nos diz não como eco das suas palavras mas com palavras novas e diferentes que validam a sua experiência e narrativa.
- espaço para a escuridão – não devemos negar a gravidade do que a pessoa está a sentir e que acabou de nos transmitir.
- suavizar a linguagem – evitar a forma directa como tentamos incutir as nossas ideias na mente do outro, não emitir sentenças sob pena de sermos rejeitados com violência e indignação ... "mas assinalar claramente que estamos a explorar possibilidades"... (p. 152-162)

Outro importante conceito terapêutico é a humildade. 
No Livro de Ben-Sirá podemos ler: “em todas as tuas obras procede com humildade e serás mais estimado do que o homem generoso. Quanto mais importante fores, mais deves humilhar-te e encontrarás graça diante de Deus.”

A humildade, para o psicólogo M. Seligman, é uma força de carácter que integra a virtude da temperança, tal como a misericórdia: prática do perdão e da compaixão, evitando atitudes vingativas; a prudência: o cuidado com as atitudes, e o autocontrole: a capacidade de controlar as suas emoções e impulsos. (1)

A humildade consiste em não se ver como alguém melhor do que os outros. 
A humildade aparece também ligada à modéstia, ou é traduzida por modéstia, “não tem nada a ver com falta de ambição, mas com uma aspiração mais consciente a algo que passámos a reconhecer como principal ingrediente da felicidade: a paz de espírito.” (p. 83)
A humildade é um antídoto para o orgulho, o sentimento de superioridade em relação a tudo e a todos. O orgulho patológico caracteriza-se pela vaidade, soberba, arrogância e pretensiosismo. É uma atitude de superioridade e um sentimento de desprezo em relação aos outros. O orgulhoso tem um auto-conceito exagerado de si próprio.

A humildade interessa na terapia de algumas perturbações psicológicas, como, por exemplo, na terapia para recuperação de uma depressão. A humildade permite a aprendizagem do que é importante na vida e, desta forma, ajuda a superar a doença. (2)
A humildade pode ser um remédio para a fobia de impulsão. Na justa medida em que quisermos ser humildes e não ceder à tentação do orgulho de “sermos os maiores”.

Até para a semana. 

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(1) Martin Seligman, A vida que floresce.
(2) É, nesta perspectiva, muito interessante a Entrevista de João Vieira de Almeida ao Observador.



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Rádio Castelo Branco